Queira você ou não, a vanguarda musical brasileira tem sido mantida viva por mulheres em 2017. Seja pela atmosfera dos shows das Rakta, pela experiência audiovisual de Luiza Lian ou ainda pelo futurismo oitentista de Mahmundi. Há ainda o pop místico de Letrux, as fritações de Érica, Juliana R. e Teto Preto. Dialogando com todas elas, em espectro que vai da MPB ao pós-punk e à eletrônica está Papisa, alter ego de Rita Oliva.
Chamada de “Cat Power psicodélica” (Popload) e “bruxa sábia” (Noisey), Rita tem mais de dez anos de carreira e estrada. Ela foi a voz à frente da banda Cabana Café e do duo Parati. Desde 2016, ela explora um universo novo e traz a experimentação para a produção de músicas e performances sob o nome de Papisa.
Nós conversamos com a cantora e compositora, que recentemente lançou clipe de Intuição, com direção assinada por Manoela Chiabai, Daniel Barosa e José Menezes.
O que está acontecendo de mais novo na música brasileira, na sua opinião?
Papisa – Olha, tem muita coisa rolando de som, festival, selos, mas uma coisa inédita para mim é que tenho visto muitas mulheres atuando na maioria dos eventos de que tenho participado, tocando, compondo, produzindo, fazendo o som, fazendo luz. Trabalho com música há vários anos e é muito bom ver esse espaço sendo ocupado cada vez mais.
No documentário sobre Katleen Hanna, The Punk Singer, de 2013, fica claro que o Nirvana, último espasmo do rock, é herdeiro do feminismo, como estas forças agem hoje na cena de São Paulo?
Papisa – Para mim, a vontade de combater qualquer forma de intolerância e discriminação está diretamente relacionada com a equidade de gêneros que o feminismo prega. A luta pelo fim das barreiras que definem estereótipos de gênero também faz parte disso e é fruto de uma insatisfação com a estrutura machista definida pelo patriarcado.
Acredito que essa luta faz parte de um movimento cíclico e o tempo é como uma espiral: retomamos questões, porém nunca do mesmo lugar. Lutamos por causas parecidas mas já de uma perspectiva diferente, então existe uma necessidade de ampliar nossa visão. Se na época do Riot Girls as mulheres lutavam para ser ouvidas e para terem espaço num universo totalmente masculino, hoje já conquistamos parte disso, temos muitas bandas formadas por mulheres, mas ainda é absurdamente comum ver técnicos de som desrespeitando garotas em passagem de som, e ouvir comentários preconceituosos direcionado a mulheres que fazem música de uma forma que não se aplica aos homens. Fazer algo simples, minimalista ou lo-fi pode ser ‘genial’ quando vem de um homem, e mulheres trilhando esse caminho “ainda não dominaram seus instrumentos ou não entendem de técnica”. Sério? Precisamos olhar pra isso urgentemente.
Vejo essas questões todas muito em alta em São Paulo, mas ao mesmo tempo, com a internet, a cena vai além da localização geográfica. Há muito pouco tempo atrás tínhamos a maioria dos selos de música independente sendo conduzidos por homens, mas hoje isso mudou. Por exemplo, o selo que lançou o EP da Papisa, o PWR Records, foi fundado por mulheres e é de Recife. Temos a Sêla, agência e produtora, o Banana Records, iniciativas como o Girls Rock Camp, sem contar as meninas que estão produzindo vídeo e movimentando a cena de outras maneiras.
Como a eletrônica e o pós-punk entraram no seu som você tendo uma bagagem de música brasileira anterior?
Papisa – Acho curiosa a pergunta porque, para mim, a produção da Papisa conversa bastante com meus trabalhos anteriores. Os lançamentos foram bem próximos, o disco do duo eletronico, Parati, saiu em 2015 e o do Cabana Café em 2016, mesmo ano do Papisa. Sempre priorizei o português na hora de compor e tenho bastante referência de música brasileira pra fazer melodia. Mas faz algum tempo que busco inspiração em gêneros diversos. A própria música brasileira sintetiza tanta referência que hoje é muito difícil definir exatamente seus caminhos. As baterias que gravei foram inspiradas em beats, por conta do processo da pré produção ter sido feito no computador, e isso acabou dando um pulso constante para as músicas.
Eu me apaixonei pela guitarra faz pouco tempo e muito do que criei desde então foi inspirado em linha de guitarra ou na descobertas das sonoridades que ela permite. As composições tem um teor um pouco sombrio e a sonoridade também trouxe essa estética. Acho que também tem a ver com meu momento pessoal no ano passado, muitas coisas mudaram na minha vida pessoal e profissional, então tinha uma sensação pós-ruptura, com certa agressividade mas também buscando uma atmosfera climática que mexesse com as sensações, que preenchesse de alguma forma os espaços que ficaram vazios.
Que artistas da cena atual mais curte e indica?
Papisa – Tem tanta coisa rolando! Luiza Lian, Rakta, M O O N S, Katze, My Magical Glowing Lens, Camila Garófalo, Apeles, instrumentistas como a Larissa Conforto, Mônica Agena, Anna Tréa, têm me inspirado bastante ultimamente.
Em que estágio está seu álbum e qual foi sua maior preocupação ao concebê-lo, com base do que você colheu com o EP?
Papisa – Escrevi as músicas, algumas delas toco nos shows. Desde que lancei meu EP eu não parei de tocar, então agora estou respirando um pouco pra definir os caminhos de sonoridade do disco e como vai ser a produção.