Ícone carioca, como entrega o sotaque e as sonoridades calcadas nas mutações do reggae, para o vocalista da banda O Rappa, Falcão, o grupo só foi aceito no Rio após o crivo do público de São Paulo. “Tivemos a oportunidade de sermos abençoado, de as pessoas de São Paulo gostarem do som do Rappa, seja ele policial, bandido, playboy, da periferia, todo mundo gosta. Porque a minha intenção nunca foi fazer uma música segmentada”, afirma o vocalista.
“Hoje São Paulo é o carimbo oficial desse trampo de vinte anos, desse trampo de anos de trabalho que não pode parar nunca, que tem sempre que continuar”, afirma o músico, em entrevista concedida ao Virgula Música, ao lado dos seus companheiros de banda, o guitarrista Alexandre Menezes, o Xandão, o baixista Lauro Farias e o tecladista e multi-instrumentista Marcelo Lobato.
Veja o clipe de Auto-Reverse – O Rappa
Para Xandão, as particularidades definem a banda: “Cada um escuta um tipo de música, e eu acho que essa diversidade é que é a nossa identidade”. Já Lobato fala da resposta brasileira que O Rappa se propõe a dar ao reggae.
“Quando a gente foi mixar o primeiro disco, que a gente mixou em Brixton, na Inglaterra, e era o Dennis Bovell, que trabalha com Linton Kwesi Johnson, que era o baixista, o cara percebeu que ali tinha uma coisa diferente, tinha uma pegada brasileira, até porque tinha o Bezerra da Silva no meio cantando. Mas claro que o cara vai perceber que não é Jamaica obviamente, até porque a língua portuguesa você tem que ter uma manha pra você compor do jeito que a gente acha legal, assim, sem ser MPB, né?”, questiona.
O Rappa fala sobre a influência africana em sua música e sua relação com SP
Assinatura dos graves da banda, pertencente a uma “dinastia” de músicos da Baixada Fluminense, filho de seu Otacílio e irmão dos baixistas Bino Farias (Cidade Negra) e Tácio Farias (Negril), Lauro relembra o cenário do começo dos anos 90, que fortaleceu a ideia da Baixada como a Jamaica brasileira.
“A gente teve o Nelson Meirelles que chegou e levou um projeto chamado Coração Rastafári pro Circo Voador. E nesse projeto a gente conseguiu expandir, sair da Baixada e fazer com que o projeto reggae, na época, se expandisse e se estendesse mais. Lobato complementa: “Lá no Rio teve uma cena underground mesmo de reggae e engraçado é o seguinte, que no Brasil, hoje em dia, é muito valorizado o roots. Talvez só no Brasil. Porque o reggae evoluiu para outras formas também. Até no primeiro disco do Rappa é muito reggae, né, mas já era uma coisa mais pesada, com guitarra e tal”,. compara.
O Rappa – Anjos Pra Quem Tem Fé – webclipe
Em seguida, ele relaciona música e gastronomia “o Rappa é uma banda que é muito assim, de você trabalhar com vários ritmos, várias ambiências, a coisa do DJ também, que originalmente veio do reggae. A coisa do hip hop mesmo veio do reggae. Então essa coisa da mistura e quando ela é bem, que nem o Xandão que é um cara que sabe cozinhar, talvez aqui da galera o nosso mestre-cuca, sabe muito bem o que é isso. Você mistura um lance aqui outro ali e dá um bom prato, dá, às vezes fica uma droga, mas enfim, você sabendo temperar ali, tal, sabendo usar, talvez por isso que O Rappa tenha essa longevidade, e seja um som original, que a gente gosta de tudo”, resume.
Com um projeto paralelo, o Afrika Gumbe, em que Marcelo Lobato trabalha ao lado do irmão, o também multi-instrumentista Marcos Lobato e Pedro Leão. o tecladista do Rappa busca desmistificar estereótipos de atraso que rondam o legado africano. “A gente tem uma visão da África muito folclórica. E a África, a Jamaica que é meio que um pedaço da África, assim como o Brasil também tem pedaços da África, tem essa coisa criativa também. Os caras reinventam a forma de tocar guitarra, reinventam a forma de usar tecnologia”, aponta.
Lobato cita também o kuduro, gênero que por meio de grupos como o português Buraka Som Sistema tem levado sons africanos para pistas de dança descoladas. “Neguinho já imagina logo o tambor furado lá, né, o velho tambor furado, que é também uma tecnologia, antiga mas é. A poliritmia e tal, é super sofisticado, complexo, mas tem a coisa que o africano mesmo já usa, supereletrônico, você vê, o kuduro, que não é essa porcaria que neguinho toca aqui, o kuduro em Angola é um negócio que remete até à house, que remete à coisa jamaicana também, eletrônico. É um som meio doidão, psicodélico”, ressalta.
Veja vídeo de Afrika Gumbe – Maeko
O tecladista relaciona ainda a “falta de educação no bom sentido” do Rappa e a experiência da vanguarda africana: “A gente se identifica com isso também, com essa forma de lidar com a tecnologia de uma forma desrespeitosa e respeitosa, ou seja, sem muita frescura”.
Assim, entre afrofuturismos e as mutações do reggae que os impulsionaram tal qual uma nave viajando na velocidade da luz, os músicos da banda seguem sua jornada em que os controladores de solo são corações rastafáris.