A cantora Kell Smith conversou com exclusividade com o Vírgula para falar sobre o lançamento do segundo álbum da carreira, “O Velho E Bom Novo”, um trabalho mais intimista e que mostra os sentimentos da artista, sobretudo o autoconhecimento, a vulnerabilidade e o amor.
Além do papo encantador sobre o novo projeto, que chega com o Lado A (6 faixas) às plataformas digitais nesta sexta-feira, Kell também falou sobre vida, política, momento do país e sobre o que mais gosta de mencionar: as pessoas.
Dotada de uma humildade ímpar, a artista agradeceu ao carinho que sempre recebe dos seguidores nas redes sociais, com as quais é assiduamente engajada. Segundo a cantora, nenhum dos seus trabalhos são feitos para ficar com ela, mas para se tornarem parte da vida das pessoas de alguma forma. “Quem faz sucesso é o público, não somos nós, artistas. Não seríamos ouvidos se não fosse por eles”.
“O Velho e Bom Novo”, o resgate nu e orgânico da época de ouro da música brasileira
Kell Smith traz um trabalho bem intimista com o novo álbum, “O Velho E Bom Novo”. São 12 faixas autorais, 8 delas em parceria com o maestro e produtor musical Bruno Alves. A artista dispensa totalmente o uso de recursos de afinação digital e solta a sua voz.
Ouvindo antes de chegar à loja o álbum, tenho a exata noção do que Kell impõe nas canções do novo trabalho: a alma. Entrega um tom verdadeiro e imponente ao pronunciar as palavras, uma forma nua e orgânica de resgatar uma época de ouro da música popular brasileira.
“Compor é se entregar. É dar voz não só a si. O foco é não perder o foco da música. Porque no fim das contas, a música é o coração de tudo. Coloco nas canções tudo o que estou sentindo. É nessa música que eu acredito”.
Serena e empoderada: a artista Kell Smith
O “eu” pelo “nós”. A essência de Kell Smith chega mesmo a impressionar qualquer jornalista. Intensa e humilde, a cantora deixa sempre bem claro que quem dá as cartas em sua música é o público. “A música não é egoísta. Ela escolhe o artista e não o contrário. E quem faz a música é o público, não é o artista. E eu faço música para nós, não faço para mim”.
Kell tem personalidade marcante sobre qualquer assunto que dialogamos em uma conversa de pouco mais de vinte minutos ao telefone. Ela não deixa de citar a música como forma de conscientização, mas deixa claro que a verdade é de cada um.
“O importante é que o artista não seja alheio, tem que assumir responsabilidades. Mas isso vai de cada um. O não comprometimento com determinado assunto também é uma escolha, e precisa ser respeitada”, diz.
Andarilha do Brasil: as raízes musicais da garota que virou mulher
Assustei-me com tamanha vivência e experiência de Kell Smith ao saber que ela tem apenas 27 anos. Filha de missionários, ela traz na bagagem musical influência de vários ritmos e sons deste Brasil, por onde já andou bastante. Conhece até a pequena cidade onde fui criado, Espírito Santo do Pinhal, no interior de São Paulo.
A artista teve muito contato na infância com a música gospel. Coube ao pai dar-lhe o primeiro contato com um outro gênero, ao dar-lhe uma vitrola que achara no lixo, junto com um disco de Elis Regina.
“Elis mudou totalmente a minha concepção sobre a música, sobre o que é a música. Descobri um universo totalmente diferente ouvindo Elis. A maneira como ela me tocou, mudou toda a minha vida”.
Mas não é somente Elis que moldou Kell como artista. O saudoso Belchior também tem papel importante para a cantora. “Belchior como compositor é minha referência. Ele tem aquele quê do ‘não óbvio’. Me identifico com a forma de expressão e com as letras”. Milton Nascimento e Dalva de Oliveira são outras citações carinhosas de Kell.
A responsabilidade com o amanhã da música e do Brasil
“O artista tem que estar aonde o público está. Mas tudo vai da maneira como você se posiciona perante ao público”. O engajamento de Kell com seus fãs é tamanho, que ela faz sempre questão de citar a proximidade com que tenta trata-los nas redes sociais e na vida. Afinal, o novo álbum traz a vivência das histórias do público compartilhada com a cantora.
Mesmo fazendo muito sucesso no início de 2019, com “Era Uma Vez”, Kell já vem na batalha há mais de cinco anos. E a humildade transborda quando peço a ela para deixar uma mensagem aos artistas que ainda não tiveram o trabalho reconhecido por muitos e sonham em tê-lo.
“O que eu poderia deixar de ensinamento é o simples. É preciso ser condizente com a sua verdade. Viva a verdade da música e não faça dela a sua verdade. E nunca esqueça: saber com quem se vai é mais importante do que saber para onde se vai”.
Kell faz questão também de encerrar a conversa olhando para o momento das pessoas no mundo, com a atual pandemia, e deixa recados para enfermos e comandantes.
“Eu sou apartidária e não gosto de citar nem defender nomes. Minha queixa nunca foi contra nomes. Ela é contra delírios e comportamento, atitudes vazias que não contribuem em nada para melhorar o que precisamos”.
“É preciso coletividade neste momento, fazer as escolhas corretas. É necessário posicionamento, mas as ações sempre podem fazer mais do que as palavras. Vai ficar tudo bem. Com calma e serenidade, vai ficar tudo bem”.
Sereno e calmo, como Kell me deixou com o papo, encerro a entrevista e desejo o mesmo à artista, que representa bem a quem ela nunca se esquece: o povo.