Entrevista exclusiva com Gero Camilo
Créditos: Gabriel Quintão
Gero Camilo é uma figura familiar para muitos por suas participações no cinema, TV e teatro. O ator, escritor, dramaturgo e multiartista, no entanto, define-se como um poeta que usa a música como meio de expressar sua poesia.
Ouça Gero Camilo
“Se eu quisesse me aquietar, no meu ofício de ator, as coisas se tornariam, digamos assim, economicamente, mais fáceis nesse momento. Mas isso não me assenta. Até porque é isso, eu não sou um ator fazendo música. Eu sou um poeta. A minha poesia é recheada de música, então isso resolve a minha questão”, afirma, em entrevista exclusiva ao Virgula Música.
Megatamainho, seu segundo álbum, prepara-se para conhecer a estrada, com uma turnê de lançamento que chega a Fortaleza, cidade em que Gero nasceu, no dia 02 de agosto. O show na capital cearense ocupa o Centro Cultural Dragão do Mar, às 20h. A turnê passa também pelo Sesc Bauru, no interior paulista, no dia 27 de julho, às 19h.
O que a música te dá que as outras expressões artísticas em que você é envolvido, como a poesia, o cinema e o teatro não dão conta?
Ela me dá, acima de tudo a liberdade de autoria. Mais do que o cinema. O teatro, não, o teatro também me dá essa possibilidade. Onde eu acabo assinando a minha poética, a dramaturgia, o texto da obra. Isso me dá liberdade frente à minha experiência artística.
Eu acho que eu cheguei em um momento que a música é meu grande braço poético. É onde eu mais quero me expressar e onde eu encontro pontes para essa expressão, que é desaguar a minha poesia. Eu sou um poeta, então, meu objetivo é que esse verso ganhe movimento através do teatro, mas agora ele é que esse verso ganhe ouvidos mesmo. A música faz com que essa poesia viaje para as pessoas.
Você sempre me define como poeta. Você acha que isso causa espanto em quem te conhece mais como o cara da TV?
Eu não faço parte de uma imagem construída pela mídia, eu faço parte de uma essência. E essa minha essência é poética e o desenrolar da minha arte vem a partir dessa essência. A minha melodia, a minha musicalidade vem desse verso também, é minha expressão artística.
Agora eu me tornei conhecido do grande público através do cinema. Isso desaguou na minha imagem, mas a minha relação sempre foi acima de tudo com a poesia.
Você acha que o fato de colocar a poesia em tudo fez com que você se projetasse? É o segredo do seu sucesso?
Olha, acho que é o segredo da minha resistência, não do meu sucesso. Porque o meu sucesso de tornaria mais fácil se eu de fato ao invés de tentar abrir novas frentes, eu me enquadrasse às receitas que já estão aí feitas ou dos caminhos apropriados para que eu desenvolvesse.
Se eu quisesse me aquietar, no meu ofício de ator, as coisas se tornariam, digamos assim, economicamente, mais fáceis nesse momento. Mas isso não me assenta. Até porque é isso, eu não sou um ator fazendo música. Eu sou um poeta. A minha poesia é recheada de música, então isso resolve a minha questão.
Ao passo de cada conversa que eu tenho e isso está ficando, graça a Deus, menos constante, porque essa face musical, já estou no meu segundo CD, cria em uma mídia mais apurada, mais inteligente, que já está sacando isso. De que eu não sou um ator fazendo música.
Tanto seu disco anterior como esse tem várias parcerias e parecem ter sido feitos coletivamente. Como que você trabalha?
Primeiro a minha vontade é de agregar. A partir dessa minha escolha, me encontrar com os meus contemporâneos, que era uma coisa que eu sentia durante meu período de semeadura, muito solitário. Porque já era visto de uma forma e poderia ter me relacionado somente com esse meio dos atores. E isso não me satisfez nunca.
Eu não encontrava parceiros no campo da poesia, não encontrava parceiros no campo da cena. E isso me deixava muito só com minha poesia. Até o momento em que eu realmente fui encontrando. O momento em que eu vi Criolo e fiquei totalmente embebido do trabalho dele, da poética dele.
E no caso do Luiz Caldas, já era uma referência que eu tinha desde menino lá no nordeste ao vê-lo lindo e jovem cantando as músicas dele, eu anos depois eu fui chamado pelo Ninho Moraes para fazer um documentário sobre a tropicália. Para ser o ator que fazia comentários ficcionais sobre esse documentário, E aí o Luiz Caldas era um dos entrevistados e participantes. Porque é um documentário não só de documentário, alguns entrevistados, como ele e o André Abujamra. Eu conheci o Luiz Caldas aí e ele me pediu uma letra pra fazer uma música. Pra um projeto que ele tem na Bahia de lançar um CD a cada mês.
E eu fiquei nervoso com essa história de fazer uma poesia já direcionada e para o Luiz Caldas. Enrolei, enrolei, enrolei até que um dia, de um espasmo, na verdade quando eu estava respondendo a ele que eu não estava tendo inspiração para isso nesse momento, veio como um desafio. Veio uma música que chama Meu Diadorim eu eu mandei essa letra pra ele.
Corta. Eu cheguei em Recife para gravar o disco e essa música nem fazia parte do CD, da ideia. Por coincidência, o Luiz Caldas me mandou a música no dia. Ele nem sabia que eu estava gravando meu segundo CD.
E quando eu ouvi a música e apresentei pro Bactéria (produtor do álbum), ele falou de cara, vamos começar por essa. E essa música tem duas gravações porque o Luiz Caldas gravou no disco dele e eu gravei no meu disco.
A que você atribui uma maior sofisticação em relação aos arranjos e instrumentações do Megatamainho em relação ao primeiro disco?
Acho que isso é resultado do processo. Como a minha música é autoral, ou seja, no meu primeiro CD, eu não gravei músicas conhecidas. São músicas autorais e minhas. Era uma musicalidade em formação e o (Luiz) Gayotto, que foi o primeiro produtor musical auxiliado pelo Alfredo Bello, fez isso com muita escuta, ao invés de tentar enquadrar minha música em um formato musical já preparado, com relações a tempos e não sei o que. Não, eles tiveram de entender essa musicalidade.
Por isso o primeiro CD é mais cru. Mas ele traz esse embrião. E eu acho que o segundo CD dá continuidade a isso. E o Bactéria já pegou a minha música mais amadurecida nesse sentido. Já mais vivida, subida no palco, com uma experiência maior e agregou ainda mais.
E o meu diálogo tanto com o Gayotto quanto com Bactéria sempre foi muito positivo. Com muito jeitinho, às vezes eu tinha de dizer não. “Aqui é o meu tempo musical, aqui é preciso romper essa dinâmica”. Por mais que em alguns momentos houveram sustos para esse entendimento, houve diálogo também.
Enquanto algumas pessoas são saudosistas em relação à MPB dos anos 60 e 70, o Romulo Fróes defende que nós estamos vivendo o mehor momento da música brasileira…
Eu acho mais rico o agora, no sentido de ampliar as possibilidades, de agregar mais gente. Porque é lindo tudo que a música popular brasileira fez nos anos 60 e 70, mas é muito restrito. Foram poucos os que sobreviveram. Em um país como esse, você contar 4, 6, 7, Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano (Veloso), (Gilberto) Gil… você conta nas duas mãos. O que essas décadas nos deram de colheita musical é muito pequeno. Imagina o tanto de gente que não teve espaço.
A gente ganha atualmente com essa diversidade e com a tecnologia toda que ajudou que essa diversidade pudesse vir à tona. Que as gravadoras não tivessem mais o poder sobre isso e que eu pudesse fazer os dois CDs independentes.
Ao mesmo tempo que ficou mais fácil, hoje você compete com mais informação. Como fazer com que a música seja ouvida?
O Criolo, por exemplo, que é uma refência, fez um disco para se despedir da carreira musical e foi descoberto. Hoje ele é chamado por seus fãs de poeta da nossa geração, o comparam ao Chico Buarque.
Aí é que tá. É essa mania de afunilar as coisas e criar esses mitos. O Criolo é incrível, mas igual ao Criolo tem muitos. O que precisa é que esses muitos consigam ganhar mais espaço. Eu questiono muito a genialidade. A genialidade é muito fruto de um produto. Porque a gente estava fazendo justamente a reflexão sobre 60 e 70, esses grandes gênios, mas eu prefiro acreditar em referência que em gênios.
Eu acho que a música por si só, ela está acontecendo. Um novo mercado ou uma nova forma de lidar com isso que a gente ainda está patinando. Agora em termo de musicalidade e de potência musical, nós nunca estivemos tão criativos.
Da sua turma de músicos tem alguém que você indicaria, que você acha que as pessoas ainda não se deram conta desse talento?
Tem, o Rubi. Rubi é uma das maiores vozes desses país. E que a mídia não recebe. Eu não consigo entender. Se você perguntar para várias pessoas, como Marcelino Freire, Lirinha, vários artistas que eu conheço, se você perguntar para eles de artistas que não têm o espaço na mídia que mereceria ter, tenho certeza que muitos vão falar que é o Rubi.
O Rubi é uma pérola e traz na arte dele essa pérola. Mas já é um homem de 50 anos que batalha diariamente para conseguir seus shows. Ao mesmo tempo, quando faz, a reação do público é uma coisa impressionante. As pessoas saem tocadas fascinadas pela arte do Rubi.
Por isso que isso fica tudo muito relativo, quando a gente afunila demais e cria esses ícones. O que eu acho importante é que os nossos grandes não se tornem gigantes sobre os demais, que estejam antenados na busca de transformar o país que a gente vive, mudar a situação social que a gente tem, agregar mais valores à vida, à arte.
A gente tem um problema anteior a tudo isso que é educação. Isso é muito sério mesmo. O que a gente vive de barbárie hoje, em vários níveis, vem da falta de educação em vários níveis. De uma escola que eu estudei, que era péssima. Uma escola pública totalmente sucateada e que não é só dessa escola pública.
Anteontem, vindo de São João da Boavista, eu vi um cara com um carro importado imenso jogar lixo pela janela. Essa cara que estudou em escola privada, esse cara pagou uma puta grana de universidade. E ele abre o carrão dele e joga o lixo pela janela em uma via. Não está nem ligando que pode causar um acidente e muito menos que está sujando. A diferença entre a educação que ele teve e a minha é imensa, em termos de acesso, mas o conteúdo disso tem uma falha da formação filosófica, humana, sociológica, que nem e educação dele, paga, e nem a minha pública, supriu.
Então a gente hoje vive um processo onde se a gente não entrar nessa discussão muito clara sobre educação, cultura, desenvolvimento, tecnologia, todos esses ganhos nossos estarão sujeitos a pessoas ignóbeis.
A sua origem como nordestino de que maneira aparece quando você faz música?
Em tudo. Na minha arte como um todo. Embora eu seja contra esse bairrismo, eu não sou defensor desse discurso bairrista, me incomoda inclusive muito porque sempre eu sou o ator cearense, o artista cearense e eu estou aqui em São Paulo há 20 anos.
No caso da minha música, isso está muito presente, primeiro pelas minhas referências. O Pessoal do Ceará, que era essa galera que veio para São Paulo nos anos 70, era Rodger Rogério, Ednardo e a Teti. Veio Fagner, Belchior, que também são grandes referências minhas e veio o Pessoal do Ceará. Eles gravaram um disco aqui que é um disco incrível, é uma grande referência para mim.
Eu comecei muito jovem, ouvindo música, tendo a sorte de ouvir música cearense de qualidade e contemporânea. Esses caras que já vinham dos anos 70 e os que estavam lá quando eu ainda jovem, antes de vir pra São Paulo, como Eugênio Leandro. Tem Xangai, tem Vital Farias, Geraldo Azevedo. Os tropicalistas também. Minha música traz a minha origem.
Eu não queria ficar em um gênero musical, como música nordestina, nem MPB. Eu queria fazer o meu som. E meu som é aberto a todas as possibilidades, pode ir de Ednardo a Bebe, que é uma cantora espanhola, uma cantora nova que eu gosto muito. Ou Chavela Vargas, Mercedes Sosa. Milton (Nascimento) , Chico. Eu amo Chico, a obra dele, a poesia dele. Então eu tenho muitas referências. E o rock and roll, que vem da minha adolescência, Legião Urbana, Cazuza, que fazem com que minha música não fique em torno de gênero.
Itamar Assumpção também é uma grande referência. Eu tinha mania quando jovem de achar um disco pela capa ou um livro pela capa e comprar. O Itamar Assumpção aconteceu isso.
Que disco era?
Ai meu deus, aquele que ele tinha o globo na mão. É o que tem Mal Menor. Intercontinental, é esse o nome. E foi uma loucura. Eu que ouvia Ednardo e tal quando me deparei com Itamar achei aquilo pirado e tratei de misturar isso na minha música, tento a urbanidade poética do Itamar, com o rock do Cazuza e do Renato (Russo) somada ao meu Ceará.
Como você vê a importância do Itamar dentro da música brasileira?
A admiração que eu tenho por ele é parecida com a admiração que eu tenho pelo (Vincent) Van Gogh, no sentido de um artista de resistência, um artista que faz o seu trabalho independente de uma realização momentânea de grana, mas que tem um propósito muito claro na carreira, que é um propósito que projeta luz nessa obra que faz com que as gerações futuras se embebedem dela. O Itamar ainda vai ser muito resgatado. Já está sendo, mas vai ser cada vez mais. E ele tem isso que assemelha ao Van Gogh, que morreram pobres, digamos assim, mas que deixam um legado para a humanidade.
Voltando ao seu disco, ele conta uma história?
Conta.
É um filme?
(Risos)
Mas é uma história que cada um entende de uma maneira.
Exatamente. O importante é que ele tem uma linha poética, ele é romântico, político e ele não se contradiz nesse romantismo político, que age, não apenas contempla o belo.
Como você espera que as pessoas saiam do seu show, que efeito você gostaria que provocasse?
O efeito que a poesia faz, que é suspender o tempo e o espaço, de nos fazer (seus olhos ficam marejados), até me emocionei agora. De nos fazer pensar o tempo e o espaço para além do que ele tá num primeiro olhar, numa primeira escuta, em uma primeira camada exposto para gente. Esse CD eu tenho a felicidade de ter vários músicos de Pernambuco, a Rumbanda, que é um grupo de percussão de mulheres de Peixinhos (Olinda), tem a Lívia, que é da Bahia, as Orquídeas, que são aqui de São Paulo, o Stevan também de São Paulo, várias gentes de todos os lugares.
Que é uma coisa de São Paulo.
É uma coisa dessa cidade que eu amo. Eu me sinto um cidadão paulistano tanto quanto um cearense do mundo.