Aos 14 anos, nos idos dos anos 90, quando o movimento grunge representado por Nirvana pipocava em todos os cantos, Jefferson Collacico, o adolescente de Tatuí, interior de São Paulo, iniciou seus estudos com o contrabaixo em um conservatório que o Estado mantém até hoje naquela cidade.

Na verdade, ele também queria ter uma banda de rock, como seus amigos do colégio: “Na época, era pra isso [ter uma banda de rock]. Eu queria tocar com meus amigos. Um tocava guitarra, outro teclado e outro piano. Pensei: ‘Se tocar contrabaixo, posso tocar com eles'”, conta.

Mas, o caminho que o adolescente, hoje com 34 anos de idade, seguiu foi um pouco diferente do que imaginava. Assim como nunca pensara em entrar para a música, também não diria que tocaria contrabaixo. Mas, longe das notas distorcidas, ele acabou indo em direção ao erudito, por conta de um professor de orquestra que conheceu no conservatório.

Os estudos com o instrumento se intensificaram e Jefferson entrou para a orquestra jovem. Logo, em menos de quatro anos, em 94, estava no Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). Dessa época, o músico lembra as dificuldades que tinha pela frente, já que o projeto Osesp ainda não contava com o apoio e estrutura que tem hoje.

“Era muito moleque, mas fiz o concurso e passei. Quando entrei, caiu a responsabilidade nas costas, porque não podíamos dar nenhum passo pra trás, só pra frente. Era tudo ou nada. Ou acabávamos com a orquestra ou ia em frente”, lembra.

Entre o sonho e a realidade – A evolução da Osesp

A orquestra Osesp existe desde a década de 50, mas sempre passou por administrações “desastrosas”. Está localizada no bairro da Luz, na capital paulista, sediada em uma antiga estação de trem. No prédio que um dia foi o símbolo da ostentação do poder dos barões do café, os músicos, mal remunerados, nem sempre tinham onde tocar.

Nos últimos 20 ou 30 anos, a orquestra foi administrada pelo maestro Eleazar de Carvalho, que ficou à frente do projeto até o final de sua vida. Porém, com ele, a coisa toda envelheceu. “Ficávamos pulando de galho em galho, só sabíamos que iríamos tocar no Memorial da América Latina toda segunda-feira… Mas chegamos a ensaiar até em restaurante, fomos ao fundo do poço”, lembra Collacico.

Porém, a situação mudou em 94, na primeira gestão do falecido governador Mario Covas, que decidiu, naquela época, investir na cultura do estado. A Osesp foi o pontapé inicial e ter uma orquestra de renome era prioridade para mudar a concepção artística e cultural da cidade.

Collacico, que acompanhou toda evolução desse projeto, conta que Covas convocou o maestro alemão John Neschling a vir para o Brasil e organizar a música clássica por aqui. Em terras brazucas, Neschling fez suas exigências para ter uma orquestra de sucesso: músicos competentes, uma sala, material gravado, turnês. O pedido foi aceito, e o resultado chegou.

Hoje, o contrabaixista dessa história acompanha a Osesp há 14 anos. Com ele, são quase 120 músicos que tocam instrumentos variados para formar uma orquestra sinfônica – sopros, cordas e percussão. Das mazelas do passado, não restaram sombras. O projeto evoluiu e com ele os frutos.

As turnês se iniciaram em 2001 pela América do Sul, na Argentina e no Peru. Logo, vieram os concertos pelos EUA e, com isso, o reconhecimento no Brasil. A partir daí, já gravaram CDs e rodaram a Europa também. E, foram nessas viagens que Jefferson pôde perceber a força da música erudita entre os jovens.

“O público de orquestra sinfônica é sempre decano, sempre. Pessoas mais velhas. Nos EUA são sempre idosos, entre 60 e 80 anos. Você olha na platéia e só vê cabeça branquinha. Aqui em São Paulo é extraordinário. Você vem aqui no sábado à tarde e a quantidade de jovens é impressionante”, observa o músico, orgulhoso.

Música erudita: a mais democrática

Essa característica que a Osesp agrega, de conquistar públicos novos e mais velhos, parece acompanhar uma forte veia da música erudita, que, na opinião de Collacico, é o meio mais democrático que existe em qualquer vertente artística. Ele explica: “Música erudita é completamente democrática. Não importa se você é gordo, magro, negro, rico, católico, protestante. A gente quer saber se você sabe tocar. Não importa se você tem tatuagem, se é cabeludo… é a única profissão no mundo democrática nesse ponto”.

Em meio a toda essa história, a maior mensagem que se pode perceber desse projeto é que ele foi criado para todos. A busca por fazer música de alto nível com a popularização da mesma, mas sem fazer anúncio em cada outdoor da cidade, o investimento em peças destinadas ao público em condições socioeconômicas menos favorecidas e até a criação de propaganda que leva em seu jargão ‘A Orquestra é Sua’ fazem da Osesp um projeto de sucesso.

Collacico é o espelho de toda essa vida ainda vista como um bicho de sete cabeças, mas tenta desmistificar essa idéia dando um exemplo muito interessante. “Se você quer ver a pirâmide do Egito, vá até o Egito. É caro? É. É para poucos? É, mas não é impossível e a Osesp não é no Egito. A gente tenta torná-la a mais acessível possível. Temos desconto para estudante, programa de assinantes, três concertos por semana. Nunca ninguém ficou para fora”.

Sim. A música clássica está mais próxima do que podemos imaginar.


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Entre o rock e música clássica: conheça a história do contrabaixista Jerfferson Collacico

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