Emicida no SWU 2011
Créditos: gabriel quintão
Uma faixa do novo disco de Emicida causou indignação de algumas feministas. Trepadeira, parceria do rapper e Felipe Vassão, com participação da lenda do samba Wilson das Neves está sendo acusada de ser ofensiva às mulheres e virou tema de debates em redes sociais, como o Twitter, (veja aqui).
Emicida, Trepadeira (com Wilson das Neves)
Na letra da faixa, que é um samba-rock, Emicida diz que “trepadeira” “dá mais que chuchu” e “merece era uma surra”. O curioso é que a poetisa, jornalista, cantora e atriz brasileira, Elisa Lucinda, um ícone feminino, também participa da faixa como narradora.
Ainda no Twitter, alguns saíram em defesa de Emicida e apontaram que as críticas são exageradas. E ainda que não faltem exemplos de machismo em letras de sambas e no próprio rap, a “licença poética” do músico pegou mal entre os engajados nas questões da igualdade de gênero. No próprio teaser da faixa divulgado pelo canal do músico, ele já esperava por polêmica.
Veja teaser da faixa
Outro lado
Na tarde de quinta, Emicida postou um longo texto em sua página no Facebook respondendo à polêmica. Leia na íntegra:
Queridas amigas militantes feministas.
Vi suas manifestações nas minhas redes sociais ontem à noite – a de colegas próximas, que me conhecem bem, me chamou a atenção -, mas não quis escrever no calor do momento. Talvez me manifestar ali no meio de tantas pessoas ávidas por um judas fosse apenas alimentar mais polêmica em vez de jogar luz no tema importantíssimo levantado por vocês.
Eu gostaria aqui de falar sobre a canção, pois discordamos sobre ela. Nossos pontos de vista são bem diferentes. Compreendo e respeito o de vocês. Agora, se me permitirem, irei dizer o meu.
Antes de mais nada, nunca é demais lembrar: estamos falando de uma música, certo? Não quer dizer, obviamente, que represente a minha opinião pessoal sobre as mulheres de forma geral. É uma história ficcional, gente. Um homem apaixonado percebe que está sendo traído por ela quando sai para trabalhar, e a história parte daí, em um trocadilho com vários nomes de plantas ao longo de toda a música. Me sinto um pouco desconfortável neste papel de estar aqui “explicando” poesia, não vejo muito sentido.
Mas, mais do que isso, “Trepadeira” é uma música que existe dentro de um outro contexto. Creio que meus fãs mais próximos conseguem fazer a ligação instantaneamente: estamos dando uma espécie de resposta à música “Vacilão”, do EP “Sua Mina Ouve Meu Rep Tamém”. “Vacilão” é a trepadeira no masculino, na qual partimos do ponto de vista em que uma garota queria aquele cara só para ela, mas ele não estava na mesma intenção, acabou magoando-a, perdeu uma mina firmeza e se tornou o vacilão. Pessoas que admiram o meu trabalho, porém de uma distância maior, talvez não consigam observar isso.
Em “Trepadeira”, nosso vacilão passa pelo que fez uma garota passar, dessa vez ele a queria só para si, e a garota em questão não estava na mesma vibe, logo temos ali a perspectiva de um cara decepcionado, incapaz de perceber que estava passando pelo que fez outra pessoa passar antes. Essa é a história da música, as alusões a plantas e o tom bem-humorado emprestado do samba – que foi algo que norteou muita coisa no novo disco – permitem esse tipo de flerte com a poesia.
Não esperava, em momento algum, com nenhuma das canções, levantar um policiamento sobre como homens ou mulheres conduzem suas vidas sexuais. Aliás, por gostar de sexo, é vital que as garotas também gostem e se sintam livres para externar isso quando bem entenderem, fazendo o que bem entendem com seus corpos. Embora pareça óbvio para nós, muitos não conseguem entender que os corpos das mulheres são das mulheres e ponto final. Compreendo que esse ponto é um tabu e que minha opinião sobre o tema não é a da maioria na sociedade machista e patriarcal em que vivemos.
Peço que levem essas informações em consideração ao tecer seus comentários sobre minha conduta/carreira/intenção com essa música. Ela não tem a menor intenção de generalizar nada de pejorativo sobre as mulheres, é uma música feita a partir da perspectiva de alguém traído, tal qual Lupicínio Rodrigues em suas muitas canções de dor de cotovelo, e eu poderia citar muitos outros artistas que usaram esse tipo de tema. Peço que não sejam parciais ou até mesmo maldosas ao discordarem de meu ponto de vista, pois num mundo com tantas perspectivas, podemos ter duas diferentes aqui, certo?
E, vale lembrar, lutamos do mesmo lado. O tema do machismo no rap é importantíssimo e deve ser debatido e combatido, assim como na sociedade como um todo. Gostaria de lembrar que já colocamos o dedo nessa ferida ao criar “Rua Augusta”, saindo do lugar-comum da mulher como “vadia/produto/objeto”, e humanizando a imagem de uma prostituta.
Foi um trabalho maravilhoso, diga-se de passagem, e os frutos positivos dele são colhidos até hoje, mudando muitas visões preconceituosas sobre o tema. Fora outras iniciativas nossas que não creio precisar enumerar. Digo isso pois gostaria muito que minha luta e história tivessem um peso um pouco maior dentro disso. Aliás, ontem, durante a primeira entrevista ao vivo sobre o novo disco, esse tema foi levantado por mim quando fui questionado sobre o por quê de tantas mulheres no disco. Respondi sobre como é importante e simbólico mulheres falando por si próprias em uma sociedade machista como a nossa. Se a canção ofendeu uma parcela de vocês, engulo o sapo publicamente de me desculpar e dizer que jamais iria compor algo nessa intenção. Isso para mim também parece óbvio, mas peço que pensem no contexto inteiro e se sintam livres para prosseguir no debate sobre o tema, inclusive em minhas páginas.
Creio que existem raps bem piores sobre as mulheres para serem combatidos, mas como toda caminhada começa com um primeiro passo, que saibamos dar esse e fortalecer essa construção, que trará frutos positivos para todas as mulheres. Eu fui criado em uma família de mulheres. Tenho uma filha, preciso construir um mundo em que elas possam realmente ser livres.
Muito me entristeceu ver que, ao manifestarem-se sobre sua perspectiva, muitas mulheres sofreram críticas desrespeitosas nas redes sociais. Eu vi e debati sobre tudo durante a madrugada. A razão da existência de sua (nossa) luta está justamente nas manifestações agressivas e desrespeitosas que brotaram para calar suas vozes. Não estou neste bolinho, ok? Repito aqui, estamos do mesmo lado e que juntos possamos extrair algo de bom e construtivo dessa discussão.
Muito respeito a todas as feministas (principalmente as que me xingaram pouco rs)
Seguimos no caminho.
Emicida
A rua é nóiz