Ligiana Costa em foto de Roberto Moura

Cantora, compositora e musicóloga com pós doc em ópera barroca, Ligiana Costa lançou dois discos solo, De Amor e Mar (2008) e Floresta (2013). Agora ela prepara EVA Errante Voz Ativa.

Nos últimos anos, a artista, pesquisadora e pensadora vem se dedicando ao seu trabalho em parceria com Edson Secco, NU – Naked Universe, um duo de música eletrônica pop experimental.

Com o NU, Ligiana circulou pelo Brasil, Nova York, Europa e tem um disco inédito pronto.

Tornando a criar para seu projeto solo Ligiana decidiu se debruçar sobre o instrumento que conduz sua trajetória desde os estudos de canto lírico na Universidade de Brasília até o experimentalismo de seu duo: a voz.

Com direção musical de Daniel Maia e participação de São Yantó, Marina Decourt e Bruna Lucchesi, a artista finaliza atualmente um disco de 10 faixas arranjadas inteiramente com vozes, processadas ou não, vozes.

As dez canções deste trabalho tem nomes de mulheres e foram compostas por Ligiana (algumas em parceria com Daniel Maia ou São Yantó) nos últimos meses de 2018. Mulheres em suas amplas potências, de luta, de amor, de espiritualidade, de irmandade.

Ligiana lançará EVA aos poucos. Em breve, sai o primeiro single, com clipe dirigido por Marina Decourt, com colaboração da própria Marina e de São Yantó, também conhecido como Lineker.

Por que quis fazer um disco de vozes e relacionado a este universo da mulher?
Ligiana Costa –
Era preciso celebrar a voz livre das mulheres no sentido literal e metafórico. Tem também uma vontade de homenagear este instrumento primordial (primordial como a figura de Eva) que tem sido minha parceira de vida: a voz, o canto. Eu havia feito com Dan Maia (que é o diretor musical deste projeto) uma trilha inteiramente cantada para uma peça maravilhosa (A Lingua em Pedaços) e sonhava em voltar a fazer algo com ele. Senti no final do ano passado que precisava voltar a ter um trabalho solo (venho me dedicando nos últimos anos ao meu duo com Edson Secco, o NU – Naked Universe) e assim os pontos começaram a se unir. Falar de mulheres num momento como este do Brasil é também afirmar nossa existência, potência, diversidade e resistência. Eva vem ao mundo neste intuito, Errante Voz Ativa.

O que está rolando de mais interessante na música hoje na sua opinião?
Ligiana – Eu já fui uma pessoa cheia de “não gosto deste som, não gosto daquele” mas com alguma maturidade sinto que quem faz música em tempos tão embrutecidos, de tão pouca poesia cotidiana, é um guerreiro e está plantando coisa boa. Dito isso, eu sou particularmente aberta a sonoridades muito diversas. No meio que frequento mais eu adoro o trabalho que o São Yantó tem realizado, fiquei muito impressionada com o Teto Preto e acho a Livia Nestrovski a melhor cantora do momento atual do Brasil. Coisas que ouço neste momento e gosto normalmente têm um lado experimental, curioso, inquieto: Sevdaliza, James Blake, Jaloo…

Existe algo na sua música que seja típico de seu lugar de origem?
Ligiana – Meu lugar de origem deve ser Brasilia, né? Fui criada lá, apesar de não ter nascido lá. Brasilia tem uma cena muito interessante de rock há décadas, esta cena resiste apesar da grande dificuldade das casas de show ficarem abertas por lá. Desta cena destacaria Consuelo e Munchako, Brasilia também é uma cidade importantíssima pro chorinho, temos uma escola maravilhosa de choro que sempre revela instrumentistas incríveis.

Em que aspectos acha o machismo mais evidente na música?
Ligiana – O machismo é evidente em todas as relações sociais, apenas. Quando ligamos o sensor do machismo e do racismo eles não param de disparar. Na música fica evidente quando observamos o line up dos festivais, na quantidade ínfima de mulheres na técnica e muitas vezes no apagamento de mulheres compositoras e letristas. Mas precisamos louvar o que tem sido realizado na contramão deste status quo patriarcal, o festival Sonora Soma só de mulheres, os movimentos de minas técnicas de som e luz que têm feito muita coisa, o Sêla e as novas narrativas e pés na porta como Ana Cañas, Maria Beraldo, Juliana Perdigão, Ju Strassacapa (Francisco El Hombre), Karina Buhr, Xênia França, Bia Ferreira… caramba! somos muitas!

Que característica crê que seja mais marcante na sua geração?
Ligiana – Minha geração é marcada pela internet e este advento tem, como tudo na vida, um lado sombrio e um lado luminoso. Somos mais conectados, podemos organizar coisas, nos falar, acessar dados, livros, músicas, pessoas … mas ao mesmo tempo somos leitores menos ávidos, temos ficado cada vez mais em casa e quando saímos para encontrar com os amigos ficamos constantemente conectados ao telefone, dividimos nossa atenção entre a pessoa que está fisicamente à nossa frente e dezenas de outras que não estão. Perdemos o foco, a escuta, achamos que dar um like e repostar algo é estar na luta, na vida, no afeto. Eu falo isso e me enquadro totalmente nesta crítica que faço, tenho tentado me desconectar e ser mais focada no aqui e agora, não é fácil.

Quais são suas principais referências estéticas fora da música?
Ligiana –  A vida, a observação das coisas e as lutas individuais e coletivas. Claro que adoro ler, ir a exposições e ver belos filmes, óperas, concertos e shows mas o que tem me tocado e mexido com a minha forma de compor é a vida mesmo. É sair pelas ruas, observar as pessoas, sofrer pelas injustiças sociais, se sentir impotente e potente, se desesperar pela opressão que o capitalismo impõe ao planeta, pensar se existe mesmo vida fora da Terra, ouvir os sons da rua e se deixar levar por eles ao ponto de ouvir música lá onde não há música.

Tenho tentado compor coisas que sejam uma resposta poética às inquietações pessoais e coletivas dos nossos tempos, acredito cada vez mais na arte como arma fundamental contra o embrutecimento. Do ponto de vista de coisas que tenho visto e que têm me tocado eu salientaria a exposição do Tomas Saraceno, artista argentino, no Palais de Tokio em Paris.

Fiquei tocada com a narrativa da exposição, que falava de redes, de encontros e construções entre espécies diferentes, de circulação livre pelos territórios, de novas formas de se locomover pelo mundo sem queimar combustíveis fósseis, isso tudo com uma beleza poética, política e metafísica absurdas. Sigam este cara.

Quais são suas maiores influências musicais?
Ligiana – Claudio Monteverdi, compositor do século 17, que narrou as paixões humanas da forma mais crua que já ouvi. Bjork, gênia. Jards Macalé, Luis Melodia, Chico Buarque, Erikah Badu, Tom Jobim, MIA, Anohni, o canto de Ella Fitzgerald, de Mamani Keita, de João Bosco, de Maísa, de Cássia Eller, de Claire Lefiliatre (cantora francesa especializada no repertório barroco)… na realidade a cada dia me alimento de sons novos, minha lista é muito flexível.

Quais são seus valores essenciais?
Ligiana –  Justiça, amorosidade, generosidade, solidariedade, consciência e gratidão.

Quais são suas próximas jogadas?
Ligiana –  Tenho um disco pronto com o NU – Naked Universe para ser lançado, em breve saberemos como e onde. Fora isso estou trabalhando no EVA – Errante Voz Ativa, começarei a lançar as músicas em algumas semanas (espero poder lançar aqui no Vírgula!) e os shows devem começar a acontecer em abril. Fora isso seguirei sendo parte dos questionadores, dos inquietos lutadores por justiça social, direitos humanos e preservação do que nos resta de natureza na oposição do que vem, literalmente, se armando pro Brasil.

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Créditos: Caroline Lima

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'É preciso celebrar a voz livre das mulheres', diz Ligiana Costa

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