José de Holanda Senzala Hi-Tech

Com produção do beatmaker Valter Minari (SNJ), que assina as programações e pesquisas das batidas, letras e vozes de MC Sombra e Diogo Silva, tambores pesados de Gustavo Da Lua, do Nação Zumbi, e Junião, o Senzala Hi-Tech está lançando a nova Em Transe.

“A faixa discute a inquietação e influência que as novas descobertas tecnológicas incidem nos meios de comunicação e como somos afetados e conduzidos por toda essa parafernália massiva que nos rodeia, ditam o ritmo de nosso dia-a-dia e, se não tomarmos cuidado, nos manipulam”, afirma texto de divulgação.

Nós trocamos uma ideia com o percussionista Junião, que é também cartunista.

Como é ver o negro ser cool e fashion de um lado e de outro sofrer imensamente com racismo e violência, como provam as estatísticas?
Junião – Olha, a luta pela valorização do corpo, da estética e da cultura negra não é de agora, vem de longe. Movimentos como Black is Beautiful, nos anos 60 e 70, já davam o tom e a forma intelectual, política e empoderada, questionando as desigualdades de classe, gênero e raça, que ajudaram a construir essa nova fase dos diversos movimentos negros que rolam hoje.

Aí você me pergunta, se isso começou faz tempo, por que as coisas parecem que avançaram tão pouco? Na minha opinião, é que por mais que lutemos contra opressão desde a época da escravidão, e que tenhamos conseguido vários avanços, ainda não conseguimos nos articular por completo e fazer uma frente monolítica e sistemática contra o racismo.

Nossa sociedade foi construída tendo o racismo como questão estruturante de manutenção das elites no poder que funciona até hoje. A escravidão foi a forma encontrada de obter lucro, posição social e que foi responsável, dentre várias medidas, de estabelecer essa desigualdade social que temos no presente. E parar esse círculo vicioso não se consegue do dia para a noite.

Por que é importante que os brancos discutam racismo e como eles podem ser brancos melhores, na sua opinião?
Junião – Penso que, assim como os homens precisam discutir o machismo e rever os privilégios que uma sociedade machista te dá, os brancos precisam começar a discutir o racismo. É uma questão de discutir privilégios. O branco precisa começar a entender que eles estão na ponta da pirâmide social porque nossa sociedade foi construída historicamente, como eu disse acima, de modo racista, e o racismo, assim como a machismo são institucionais.

O branco ainda quer se manter entorpecido acreditando no mito da “democracia racial”, que ainda é muito forte por aqui. Se você for pensar bem, é muito cômodo acreditar que existe essa falsa igualdade. É gostoso ter essa sensação de que está tudo certo, que todos tem a mesmas oportunidades, que somos um país pacífico no melhor estilo ‘Brasil samba e pandeiro’. Mas a realidade não é assim. É só dar uma olhada nos mapas da violência, índices de feminicídio e pesquisas de encarceramento em massa pra perceber qual é o corpo que mais morre.

A ex-ministra da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), Nilma Lino, tem um artigo bem interessante sobre essa questão que discute a diferenciação entre discriminação racial, preconceito, e racismo. O artigo chama-se, “Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão’ que vale dar uma olhada. O branco não que entender que o racismo é uma questão institucional. Ele trata ainda essa questão como preconceito, discriminação. Pensam o racismo como um desvio de conduta, uma mera questão individual. Por isso vários dizem não serem racistas, que o racista é sempre o outro. Os brancos não vêem ainda o racismo como uma questão estrutural e, que nessa estrutura quem é branco tem privilégio.

José de Holanda Junião

Revistas como Elle, L’Officiel e Vogue vem estampando modelos negros nas capas. Crê que o empoderamento e a autoestima dos negros esteja associada à sua presença não apenas na moda, mas na cultura, negócios e política?
Junião – Eu acho que não adianta você colocar uma modelo negra na capa, ou um ou dois negros no seu staff apenas. Para ter representatividade real, os negros, assim como indígenas, pessoas trans e etc tem que estar dentro das decisões de poder, não apenas nas margens. Quando isso acontecer, aí estaremos falando de representatividade.

O que tá rolando de mais novo da música hoje, na sua opinião?
Junião – Olha, gosto de muita coisa. Não me prendo a rótulos de novo ou velho, escuto o que me faz bem aos ouvidos. Vou de artistas novos a artistas mais experientes. Gosto de artistas que não se preocupam só com a música e sim também discutir o contexto em que vivem. Adoro Letieres Leite, Xênia França. Larissa Luz é uma potência. Elza Soares, sem palavras. Adoro Erika Badu, Akua Naru, Ba Kimbuta… Escuto os novos, Kendrick Lamar, Thundercat, Flying Lotus. Escuto os velhos, Roberto Ribeiro, João Nogueira, Funkadelick. Enfim, tô sempre fazendo uma salada por aqui.

Que artistas da nova cena mais gosta e indica?
Junião – De novos, indico Larissa Luz e Nina Oliveira. Essas duas moças tem feito coisas muito interessantes, cada qual a seu estilo, de cair o queixo.

Que outros desenhistas negros são referência para você?
Junião – Referência hoje é Emory Douglas, artista gráfico e ex ministro da cultura dos Panteras Negras tem muito a ver com essa minha fase atual, onde tenho me dedicado a trabalhar mais focado em Direitos Humanos e lutas por direitos. Tem Marcelo D’Salete e Cau Gomez também, que são da minha geração mas sempre foram referência porque sempre mandaram muito bem no traço. Tenho acompanhado e curtido muito o trabalho da artista plástica Rosana Paulino, da ilustradora Gabriela Pires, que ilustrou o livro sobre heroínas negras brasileiras. Enfim, tem muita gente que eu gosto e admiro.

Como o seu desenho influencia a música e quem são suas grandes influências?
Junião – Na verdade, eu não sei quem influencia quem e não penso muito sobre isso… (risos) Eu vou fazendo. Acho que na verdade eu penso no que eu quero dizer e daí eu escolho dizer através da música ou do desenho. No começo da carreira eu achava que tinha que fazer ou uma coisa ou outra. Desenhar ou tocar. Mas com o passar do tempo fui percebendo como a sociedade se comunica cada vez mais por redes e as tarefas foram ficando cada vez mais multidisciplinares. Acho mais interessante e democrático assim, todo mundo fazendo de tudo.

Gosto muito de trabalhos que existem vários profissionais de diferentes áreas envolvidos como o projeto Gorilaz, ou as videos performances do Flying Lotus. Gosto da exploração das linguagens, video artes, instalações, cenografias e coisas que saiam do formato quadrado de shows que vemos hoje em dia.


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'É cômodo acreditar que existe essa falsa igualdade', diz Senzala Hi-Tech

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