Apesar da experiência e da fama, você nunca sairá para ouvir o DJ Marky e o encontrará sendo blasé. Ele está sempre disposto a suar a camisa e usar toda sua técnica para enlouquecer a galera. Maior nome da música eletrônica brasileira em todos os tempos, seu nome aparece em letras garrafais toda vez que se apresenta em festas pelo mundo e ele emplacou um clássico para a posteridade, LK (Carolina Carol Bela).
Como um santo de casa atípico, Marky segue fazendo milagres também por aqui, influencia DJs de todas as vertentes e se apresenta regularmente em São Paulo, cidade onde nasceu há 42 anos e em outras cidades brasileiras. Algo faltava, no entanto, para que ele se sentisse plenamente realizado.
Ouça o novo disco de Marky:
O monstro dos toca-discos dedica seu novo disco, My Heroes, aos seus pais. “Meus pais são meus heróis por, além de terem me ensinado tudo que eu sei, o mais importante, na minha opinião, foi ter me proporcionado a bagagem musical que tenho. Se não fossem eles, eu nunca teria ouvido, sei lá, Miles Davis, Jorge Ben, Marvin Gaye, Stevie Wonder, Ella Fitzgerald, Art Tatum, tudo de jazz, funk, soul, James Brown. Pra mim, a bagagem musical que eles me deram foi fundamental. Eu queria prestar essa homenagem a eles, principalmente que eu perdi meu pai há dois anos”, afirma.
Marky, que lançou seu novo disco de maneira totalmente independente, falou com o Virgula sobre My Heroes. “Não fazia um álbum desde 2004, o último foi com o XRS, o primeiro é último. Como a gravadora é minha, eu não tive pressão, lancei no dia que eu queria, meu aniversário foi dia 14 de junho, o disco saiu no dia 15″, afirma.
Sobre o segredo de seu técnica, ele resume a três pilares. “Carinho, dedicação e amor”, enumera. “Eu me dediquei muito a criar e a tocar coisas diferentes. A partir do momento que eu pisei na matinê da Contra-Mão e eu vi o DJ Ricardo Guedes tocando, foi quando eu cheguei e falei, eu preciso tocar igual ou melhor que esse cara”, diz. “Pegava a música e escutava de cabo a rabo e depois ia criando várias mixagens diferentes”, lembra.
Ainda cheio de gás, o fenômeno nega sentir o peso da idade. “Não me incomoda o fato do número 42, mas é lógico que às vezes pinta um peso. Igual, agora tem esses meninos novos fazendo EDM e, tipo, é uma música que eu respeito, mas não é uma coisa que me cativa. Não é uma música que tenha algo que me atraia”, solta a real.
“É muito fácil você mixar, hoje qualquer um é DJ. Você vai lá, compra um pendrive, baixa o Rekordbox da Pioneer, ele organiza as músicas pra você, ele sinca as músicas pra você. Você só escolhe a música e aperta play”, exemplifica. “Você pode ver que as músicas que estão saindo são muito iguais, muito pasteurizadas. Se a música estoura, ele fica três meses e depois disso, morreu. Eu sempre tento fazer um clássico, graças a Deus eu consegui fazer um”, argumenta.
Vindo de uma época com mais paixão e idealismo, Marky sente que há algo meio estranho no reino da EDM. “Os DJs novos não tem bagagem, eles não se interessam pela história da música, eles só se interessam por hoje”, defende. “A concepção do DJ hoje em dia é que você tem que subir em cima da mesa, você tem que ficar batendo palma. Ou seja, a música hoje não vem tanto em primeiro plano”, lamenta.
Drum and bass
Ícone do drum and bass, Marky frequentemente se depara com questionamentos de que a vertente tenha se tornado obsoleta. “O drum and bass no Brasil teve um boom gigante, depois a coisa, lógico, deu uma esfriada, mas nem por isso deixou de existir. E acho que a coisa voltou pro underground. Se vai voltar a ser mainstream de novo, não sei, mas eu gosto do jeito que tá. É impressionante que quando o drum and bass era mainstream, a gente não tinha tantos produtores de drum and bass quanto a gente tem agora”, relativiza.
Na opinião dele, essas modinhas são reflexo dos tempos atuais. “Aqui no Brasil, as pessoas estão muito bitoladas no mainstream. Não era assim, mas essa nova geração está desse jeito”, diz, antes de comparar as cenas daqui e de fora. “Eu toco na Inglaterra há 12 anos, viajo o mundo inteiro há doze anos. Não preciso tocar outro estilo musical na Inglaterra, na Austrália ou no Japão.”
Marky lembra também que já teve seus dias de popstar no Brasil, mas que isso nunca foi algo importante para ele. “Fui muito famoso aqui, teve uma época que eu não podia andar na rua.”
Hoje, entre uma apresentação e outra, entre incontáveis vidas salvas dentro do mote “last night a DJ saved my life”, ele apenas espera a inspiração aparecer. “Eu não sou um cara que senta aqui no estúdio e faz uma música. Eu preciso de inspiração, seja meu filho jogando videogame, meu filho vindo me dar um beijo, eu dirigindo o carro e vendo uma gata”, afirma. Marky está em paz, mas sua música segue pegando fogo. Não tente pará-lo ou você sairá chamuscado.