Tropicália ou Panis Et Circenses nasceu em 69. Filho do Tropicalismo, o disco não morreu jovem como o pai, que durou pouco mais de um ano. Sendo assim, aos 40 anos de idade merece ser relembrado, seja ainda nos velhos bolachões ou nas versões já digitalizadas em formato CD ou MP3.
Enfim, não importa o formato da música, porque elas dizem muito independente da maneira que seja concebida. No caso de Panis Et Circences, as 12 faixas retratam o Brasil da década de 60: um país que saíra da experiência democrática para viver o totalitarismo imposto pelo regime militar. Mas, como todo artista tem o espírito inquieto, a música foi uma das ferramentas mais eficazes para os jovens da época se expressarem, mesmo que subjetivamente.
A canção título do disco faz uma alegoria direta ao clima do país sob o regime dos militares. Contudo, a letra fora escrita de maneira a causar o duplo sentido, porque, naquele período, expressar idéias era sinônimo de prisão, opressão. Então, como escrever que o povo já não ligara para mais nada, que estavam todos alienados preocupados com o tal Milagre Econômico? Talvez a saída fosse dizer: Mas as pessoas na sala de jantar estão preocupadas em nascer e morrer…
Parque Industrial faz uma sátira direta ao avanço industrial que o país sofria, ao American Way Of Life, à cultura catártica difundida pela mídia e, toda essa mensagem é passada em clima de festa, como se tudo isso estivesse colocado dentro de um parque, em cima de um verdadeiro picadeiro. Frases do tipo, Pois temos o sorriso engarrafado, já vem pronto e tabelado é somente requentar e usar ou E tem jornal popular que nunca se espreme que pode derramar… É um banco de sangue encadernado, que já vem pronto e tabelado. É somente foliar e usar, resumem a canção interpretada por Gil, Caetano, Gal e Os Mutantes.
No todo, o álbum nem sempre tem em seu recheio canções com cunho político. O amor também é mostrado pelos jovens que fizeram esta obra Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes, Nara Leão, Tom Zé e o Maestro Rogério Duprat – mas, é claro, sempre com duplo sentido.
Coração Materno, na voz melancólica de Caetano, narra a história de alguém que corre atrás de seu amor e por ele pode matar, roubar, fugir. Não seria o Brasil trocado pela palavra amor? Na ditadura, quem saia às ruas para brigar contra aquele regime opressor, afinal, faria qualquer coisa para salvar sua pátria.
Panis Et Circenses é um disco tão denso porque conta com muita inteligência a realidade vivida durante um período. Como era se perder naquela época, como ficavam os pais que nunca mais iriam ver seus filhos? Em Coragem, Mamãe, a canção já se inicia com o som de uma sirene, que se dissipa e dá lugar a letra que começa Mamãe, mamãe não chore. A vida é assim mesmo. Eu fui embora. Mamãe, mamãe não chore. Eu nunca mais vou voltar por aí….
Talvez o momento do disco que mais tenha envergonhado a classe elitizada da época, na questão sonora, seja a música Bat Macumba. Com muitos batuques, pandeiros e vozes que gritavam apenas uma frase, Bat Macumba ie, ie, ie, Gil e Caetano conseguiram mostrar para os conservadores o que era fazer um som diferente do que apresentava a boa e refinada Bossa Nova.
Miserere Nóbis, que abre este álbum se inicia ao som do que parece ser uma marcha fúnebre. Logo é substituída por uma melodia mais alegre. E é este espírito de alegria que acompanha as demais músicas, talvez por retratar a essência do povo brasileiro, que sofre, sofre, mas não perde o rebolado. E o barulho de bombas estourando que fecha esta canção é o mesmo que também põe ponto final ao disco, com a última faixa, Hino ao Senhor do Bonfim.
Panis Et Circenses deve ser lembrado sempre. Sisudo e sutíl; sério e sarcástico; alegre e dramático assim pode ser definido esta obra da música brasileira, que trouxe não somente letras inteligentes, compostas por Tom Zé, Capinam, Gil e Caetano, mas também pela genialidade e sensibilidade do falecido maestro Rogério Duprat, que soube fazer os arranjos muito bem pontuados ao ritmo da realidade social na década de 60.
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