Lançando o seu quarto disco solo, “Um Quarto do Mundo” é um trabalho em que o MC baiano Daganja consegue modelar com maestria sua história, seu estilo, atualizando-o de modo a permanecer relevante dentro do panorama atual. Neste novo disco, fruto da forte sinestesia com o produtor, multi-instrumentista, arranjador e beatmaker Marcelo Santana, suas ambições cresceram. Inicialmente o projeto seria um EP, no entanto, com o passar das produções e na medida que sua gana foi crescendo, o trampo se transformou em um disco.
> Siga o Virgula no Instagram! Clique e fique por dentro do melhor do Entretê!
Contando com grandes participações de parceiros que remontam a sua trajetória na música rap, temos o quarto álbum de um mundo repleto de groove e ideias retas, de uma variedade de flows e swingue típica e originalmente baianos. A produção e os beatmakers que compõem o projeto entregaram a Daganja um material muito rico e em sua mão essa pedra bruta foi lapidada para a confecção de uma nova obra que consegue encontrar o meio termo entre uma pegada pop rueira de apelo político e afetivo que não é mero mais do mesmo.
Temos assim, um disco – Um Quarto do Mundo – de um Daganja que reuniu as referências e as vertentes presentes nos seus três primeiros discos: “Entre Versos e Prosas” (2008), “Tá no Ar” (2013) e “Bonde 36” (2017), mesclando aspectos ressaltados em cada um deles. Podemos encontrar aqui, a pegada de crítica social presente fortemente em sua estreia, associada a diversidade musical de seu segundo play e ao mesmo tempo conseguindo incluir a potência de músicas com forte apelo para a pista, como no seu último disco.
A produção e direção musical de Marcelo Santana (Aquahertz Produções) foi importantíssima, pois junto a Daganja e com dois beats, um do Raonir Braz e outro do Raffa Munhoz ajudou a construir uma obra muito sólida. Iluminando com a autenticidade musical o estilo que o MC DaGanja construiu ao longo de mais de duas décadas e meia de trabalhos no rap baiano. Composto por 12 faixas, com 10 músicas e dois interlúdios, o seu novo disco apresenta um artista de 42 anos que não para de se reinventar dentro do cenário do rap independente.
Não apostando em um único nicho estético, o disco novo de Daganja aposta em temáticas que dialogam e se complementam ao longo do disco, passeando por diversas sonoridades. E isso é construído e funciona em blocos, onde ritmos diversos são mesclados ou repetidos para transmitir certas sensações em momentos específicos do disco e suas ideias poéticas. Um nome que merece destaque, mas que fica nos bastidores é o de Jorginho Barbosa, compositor e parceiro de DaGanja, percussionista do Psirico e compositor de renome do pagodão baiano, que é o responsável pelas composições: “Vem Tranquilo” e “Tá Bagulho Loko”, junto a DaGanja, Pumpkilla e Max B.O, respectivamente.
O primeiro bloco de músicas, nos apresenta um Daganja se experimentando no drill e no pagodrill. O projeto já abre com “O Que eu Quiser” um feat com o seu parceiro da família UGangue: Ravi Lobo, em um drill nervoso onde a dupla rima sobre a força para seguir em frente em meio aos desafios. Já em “O Amor Primeiro”, o MC como o título já explana traz o motor daquilo que sempre lhe moveu na sua arte, o amor pela cultura Hip-Hop. Fazendo a ponte, o interlúdio traz um profundo e reflexivo texto na voz de Milton Gonçalves que tem o título: “Conhecemos o Enredo”. Fechando esse bloco, um beat de pagodrill cortesia de Raonir Braz, onde a denúncia das violências sociais e raciais é o tema principal, “Vai Subir” é um dos momentos mais fortes do disco!
Na sequência uma parceria que remonta ao começo da carreira de DaGanja no começo dos anos dois mil junto ao Mobbiu no clássico grupo Testemunhaz. “Praia e Maconha” nos traz uma imagem, retrato de um dia de amor no litoral regado a muita ganja, em ritmo de funk. Pumpkilla, uma das lendas do nosso dancehall nacional cola na 6º faixa: “Vem Tranquilo”, reflexão de malandro sobre a erva sagrada dos jamaicanos. Depois dessas duas faixas com uma pegada rítmica e temática mais para cima, somos levados a mais bloco onde os temas variam junto aos beats.
Em um interlúdio, o novato EL MK, artista oriundo do funk baiano do bairro de São Marcos, que foi apresentado a Daganja por um amigo, faz a sua apresentação ao público. E na sequência temos: “Só Fé” mais um beat do Marcelo Santana (Aquahertz Produções), onde a postura advinda da fé em uma força superior, serve a dupla para driblar no molejo do funk as armadilhas que a pista coloca na frente dos favelados. Em “A Música, A Chama” Daganja convida Marcola Bituca para um dos grandes feats do disco em um beat de trap mais cadenciado.
Fechando o disco, Daganja apresenta uma progressão que levará o disco a terminar em altíssimo astral partindo, partindo da ambiguidade da música “Tá Bagulho Loko” um Trap pagodão, onde a crítica social nos mostra as alegrias e tristezas da vida nas favelas e contando com a presença luxuosa do grande Max B.O. Dando sequência no disco temos o hit “Gueto”, faixa que foi o primeiro single lançado quando o artista ainda pensava em lançar um EP, a música em uma pegada mais festiva e rueira até o osso, faz um bonita elegia aos nossos guetos e recebeu um excelente vídeoclipe.
Encerrando o disco um Pagodão com toda cara de hit, “Até de Manhã (remix)” faixa já lançada anteriormente mas que é aqui adubada com força. O disco termina, para cima, cheio do swingue dentro de um estilo que DaGanja foi o primeiro MC a trabalhar como compositor, escrevendo músicas e cantando com nomes como Psirico e Igor Kannário. Ajudando assim na síntese entre o rap e o pagodão baiano, hoje tão festejado.
Um disco diverso, ritmicamente, poeticamente, com temas sérios e músicas para pista, em “Um Quarto do Mundo” (2023), Daganja segue seu estilo já consagrado e hoje com uma expertise que poucos artistas do rap nacional possuem.