O entrosamento do quinteto do baterista Johnatan Blake, o piano anguloso de Brad
Mehldau e o “oriente-se rapaz” dos grooves da baixista nascida na Malásia Linda Oh. Estes foram os
destaques da última noite do BWW Jazz Festival, no HSBC Brasil, sábado (08).
Neste domingo, um show gratuito às 17h no Parque do Ibirapuera traz o guitarrista Pat
Metheny com a Unity Band, no encerramento do braço paulistano do festival, que ainda vai
até segunda no Rio de Janeiro.
Com um “power trio” de baixo acústico, piano e bateria,
Mehldau, com o baixista Larry Grenadier e o baterista Jeff Ballard, surpreendeu
a plateia com uma versão de Trocando em Miúdos, de Chico Buarque e Francis
Hime. Ele também incluiu no repertório And I Love Her, dos Beatles. O jornalista
Zuza Homem de Mello, um dos curadores, incluiu Mehldau entre os pontos
altos do festival em um balanço feito para a reportagem do Virgula Música e também
destacou o interesse nas plateias do jazz pela descoberta de novos talentos, como o saxofonista alto Jaleel Shaw, da banda de Blake.
“Todo mundo fica atrás de quem é esse, quem é aquele. Isso
aí que é o futuro do jazz. O que na verdade a gente viu nesse festival foi que
o futuro do jazz estava magnificamente representado aqui através de novos e
através do James Farm, que é uma verdadeiro corredor por onde o jazz deve
caminhar. E através de exibições portentosas como a do Pat e a de hoje do Brad
Mehldau”, avaliou.
O jornalista também apontou a orquestra formada por jovens
comandada por Egberto Gismonti como revelação. “Tenho a impressão que este ano
eu, o Zé Nogueira e o Pedro Albuquerque, que são meus companheiros de
curadoria, fomos muito felizes. Isso depende às vezes de agenda, a gente quer
um artista e você não consegue ter. Mas desta vez a gente conseguiu reunir um
elenco muito equilibrado e que, em várias vertentes do que acontece hoje em dia
no jazz, inclusive a atração brasileira, o Egberto Gismonti e aquela Orquestra
Corações Futuristas foi descomunal, foi uma verdadeira revelação para gente”.
Mello viu ainda a desconstrução promovida por Mehldau como
uma metáfora do jazz. “O Brad Mehldau Trio foi encantador, aquele Chico
Buarque, Francis Hime que ele tocou. O Blue Moon foi uma coisa maravilhosa. Blue
Moon, por sinal, é uma música meio sem graça, vulgar quase. E você vê o que ele
consegue fazer? Quer dizer, essa reconstrução e essa reconstrução de uma outra
maneira, em que ele faz, basicamente, ele usa um improviso sobre o tema todo. E
depois que ele repete o tema, ele faz um improviso sobre um pedacinho, dois ou
três compassos como ele fez na música do Paul McCartney. (Cantarola) Só esse
pedacinho dá cinco minutos de improviso. Isso mostra uma percepção musical e
aquilo que eu e Zé estávamos comentando. É uma reconstrução em que ele que ele
acaba que sendo um compositor novo. Isso, no fundo, é o jazz. O jazz dá a
possibilidade do músico reconstruir uma coisa que já foi feita, foi tocada e
foi cantada”, afirma.
Segunda atração da noite, Johnatan Blake apresentou
repertório baseado no álbum The Eleventh Hour ao lado de Dayna Stephens
(saxofonista tenor), Luis Perdomo (piano) e Ben Street (contrabaixo). Completa o time Jaleel Shaw (sax alto), que deixou o público boquiaberto com sua rapidez e técnica e construía
camas e climas com os dois saxes fazendo frases em uníssono, ao lado de Stephens. “É resultado de muita prática, moramos no mesmo prédio”,
comentaram, animados, para fãs que os cercaram ao fim do show, próximo de
onde CDs deles eram vendidos. Esta possibilidade de conversar com seus ídolos,
aliás, é uma coisa que músicos de pop e rock poderiam aprender com os de jazz.
Blake, herdeiro de uma tradição de grandes músicos da Filadélfia,
como o baterista de Miles Davis nos anos 50, Philly Joe Jones, disse ainda ser amigo
de infância de Shaw. Sorridente, ele contou que aprendeu música praticando com
um grupo. “O mais importante é ouvir”, deu a dica.
No terceiro show da noite, o quinteto de Joe Lovano (sax) e Dave
Douglas (trompete) revelou para quem não conhecia a talentosa baixista Linda Oh. Nascida na Malásia de pais chineses, ela incorpora outra metáfora do gênero, surgido a partir de cruzamentos culturais protagonizados pelos negros norte-americanos, como King Oliver e Louis Amstrong. A de que o jazz é música feita por todos e para todos. É uma expressão da alma humana.