Em 1976, quando lançou a canção ‘Meu Mundo e Nada Mais’, Guilherme Arantes era um jovem músico procurando seu lugar ao Sol. A canção entrou na trilha da novela ‘Anjo Mau’, estourou nas paradas musicais e projetou seu compositor e intérprete ao estrelato nacional. Hoje, 40 anos depois, o músico de 64 anos revisita sua obra em uma caixa com 22 CDs e um libreto escrito à mão em que ele lembra os bastidores de cada canção. “Ficou charmoso”, avalia. Em entrevista ao Virgula, Arantes fala sobre sua trajetória e afirma que não sabe se seus hits fariam o mesmo sucesso no cenário musical atual. “Hoje em dia, agradar tem outro significado tem que funcionar numa balada. Não sei se meu trabalho funcionaria, diz. Sobre seu processo de criação, diz que não há fórmula para se produzir um hit e que sofre para compor. “Há um sofrimento em cima. Você tem que se entregar, mas é prazeroso também”, diz. Confira a conversa.
Você completou 40 anos de carreira no ano passado. Qual o saldo?
É um saldo positivo, de gratidão. É legal ver que deu tudo certo a longo prazo. Olho para trás com generosidade e certo de que ainda dá para fazer muita coisa. A música é uma alegria muito grande. Fico assustado com a quantidade de coisas que eu fiz.
Por que lançar uma caixa?
É uma forma de amarrar tudo, de me libertar da história, virar uma página. Fechar um box e me liberar para continuar. Tudo começou com os vídeos que fiz para o meu canal no Youtube. Eu tinha premência de contar as histórias das músicas em vídeos. Essa era a primeira ideia. Queria receber no estúdio as pessoas que fizeram parte da minha trajetória como se fosse uma visita, uma coisa intimista, cara a cara com a câmera.
E como surgiu a caixa?
Fui na Sony para ver se eles estavam interessados em fazer uma caixa. Eu não queria um produto curto, queria ser extensivo. Porque muita coisa ficou para trás em prol do sucesso, aquela história dos 20 sucessos que normalmente os artistas lançam. Mas a carreira é mais que isso. A caixa traz um libreto com as historias das gravações das canções. É uma coisa complementar ao vídeo. Ele é manuscrito, eu mesmo escrevi, ficou charmoso.
O que entrou e o que ficou de fora?
A caixa reúne 21 discos, todos os álbuns autorais estão ali, com exceção de um ao vivo que lancei em 2001. Juntamos compactos como ‘Deixa Chover’ e ‘Terra, Planeta Água’, são canções importantes que não estavam em discos. Fiquei bem satisfeito, em geral, existem muitas criticas nas caixas de artistas, mas, no nosso caso, houve um capricho muito grande. Não posso reclamar. A caixa vai trazer muita lembrança para o público. Muita gente fez caixas: Rita Lee, Djavan, Gil, Chico Buarque, estava com inveja de todos eles! Agora chegou minha vez de ter uma caixa! As histórias que conto são generosas com a indústria, não têm nada mordaz, com tempero de insatisfação. É agradável. Redescobri muita coisa nesse processo.
O quê, por exemplo?
Um disco chamado ‘Romances Modernos’, de 1989, que teve coisas bem legais para lembrar. Tinha uma música chamada ‘Voo’, que era inspirada em São Conrado, bairro do Rio de Janeiro. Trata-se de um voo de asa delta por cima do Rio e os contrastes da cidade: riqueza e pobreza, montanha e mar. Aquele lugar é um emblema do Rio. Descobri a beleza da música, muito bem feita. No meu segundo disco da carreira tem a versão integral de ‘Amanhã’, com toda parte instrumental: aquele som incidental que aparecia na novela ‘Dancin´Days’ (1978) está ali e é muito forte.
Você emplacou muitos hits nas paradas, muita música em novelas. Qual a receita para produzir um hit, se é que isso existe?
Não sei… Acho que o mais importante é o prazer de fazer algo que você ama fazer. Você tem que estar num estado de generosidade. Precisa ter paciência para construir lentamente, músicas demoram tempo para ficar redondas. Existe a empolgação da inspiração, mas existe um trabalho em cima para polir aquilo, deixar redondo. É bastante trabalhoso. Estou fazendo músicas novas e estou nessa agonia. Porque criar é uma agonia. Há um sofrimento em cima. Você tem que se entregar, mas é prazeroso também.
Mas pensa em rimas, refrões que acha que vão pegar?
Já tive essa ilusão também, mas essa coisa do ‘faro’ me cansa… De um tempo para cá, relativizei essa prioridade de me preocupar com o que vão achar. Tem que desligar a cabeça e escrever uma cosia sincera e desapegar dessa busca. Ficar nessa ilusão de coisas que vão dar certo é uma ilusão. E o que emplaca, o que dá certo muda o tempo todo. Hoje em dia existe o mundo sertanejo. Não sei se eu teria talento para entrar nesse mercado. É muito especifico.
Hoje suas músicas seriam sucesso?
Não sei se teria chance no mercado atual, acho que não. Existe a vaidade de querer brilhar, lógico que tem essa questão. Mas chega uma idade que é meio relativo isso tudo.
Existia pressão de gravadora por hits?
Não. Era algo interno, meu. Porque a gente procura sobreviver também, então procura agradar. Hoje em dia, agradar tem outro significado: tem que funcionar numa balada. Não sei se meu trabalho funcionaria hoje em dia.
Falando de carreira, o que lembra de muito legal e o que foi erro?
Te discos que foram de passagem. Em 1979 lancei marchinhas de Carnaval. Podia não ter isso na carreira. Mas, às vezes, é preciso ciscar para se encontrar…
Como vê a música hoje no Brasil?
Em muita coisa boa surgindo. Agora, a Luíza Possi gravou ‘Trem Bala’. É demais, uma música muito bonita!
O que não curte?
Não curto coisas utilitárias, a música que tem a finalidade comercial de ganhar dinheiro e não sai daquilo, não tem algo mais. São vários os gêneros que têm esse utilitarismo, para festas bailes. Parece barra forçada.
Você já disse em entrevistas ser uma pessoa de temperamento difícil. É verdade?
Eu era muito personal, tinha uma definição clara do que eu queria. Todo mundo sofre para expor sua personalidade. Mas, hoje, olhando para trás, vejo que não foi tão difícil meu contato com as pessoas. Sofria mais no campo familiar, com meu pai, a luta para virar cantor, a falta de apoio da família… Meu pai era contra eu ser cantor. Mas passou, depois fiquei muito bem com ele.
Ele sentiu orgulho quando estourou?
Mais ou menos. Esse reconhecimento dele foi mais pra frente, no final dos anos 80. Demorou. E, no começo, isso me atrapalhou, as coisas poderiam ter sido mais fáceis.
Há anos você se mudou para a Bahia. Por quê?
Vim pra cá em 2000 porque a vida no Sudeste me cansou. Vim para a Bahia porque é tropical, é diferente. A Bahia é leve, alegre.
Quais são os planos para este ano?
Estou fazendo música, vamos ver o que vai dar. Ainda não sei se sai um álbum. E estou sempre fazendo show. Sou trabalhador, não vou parar.
Guilherme Arantes em discos
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