Cerca de 50 mil portenhos, argentinos do interior do País, turistas europeus, chilenos, peruanos, uruguaios e brasileiros – estes em maioria inconformados com a carência de um festival de música eletrônica tupiniquim decente – fizeram no último sábado (8) o público da oitava edição do Creamfields Buenos Aires, hoje o maior festival do gênero na América Latina, versão do megaevento originário de Liverpool, Inglaterra. Com expectativa de faturamento de cerca de 10 milhões de pesos, segundo a produção, e realizado no Autódromo de Buenos Aires, a gigantesca festança abraçou um formato cosmopolita e eclético, firmando a marca Creamfields Buenos Aires não apenas como um evento dos hermanos, mas orgulho da pátria sul-americana.

Divididas em um palco principal e sete arenas, mais de 100 atrações inglesas, americanas, francesas, alemãs, canadenses, brasileiras, uruguaias, espanholas, japonesas e argentinas deram o tom multinacional do festival. A diversidade foi também rítmica, visto que os presentes puderam curtir muito mais do que o arroz com feijão 4×4 da house e do techno.

O melhor e o pior da edição 2008 do Creamfields Buenos Aires

Veja imagens do Creamfields Buenos Aires 2008

O tango contemporâneo do Bajofondo, orquestra encabeçada por Gustavo Santaolalla, ganhou participação nos vocais de Gustavo Cerati, dos populares roqueiros argentinos Soda Stereo, acompanhado por violino, acordeões e DJ. Havia o reggae-hip-hop-downtempo esfumaçado do clássico inglês Nightmares On Wax, liderado por George Evelyn, acompanhado por três vocalistas. O dub também figurou em uma apresentação regular do pioneiro 808 State, que não conseguiu prender a atenção dos que prestigiavam o palco principal.

Micos, ratos e gorilas

Teve também o synth-pop mais agressivo do Crystal Castles. Quem compareceu ao Autódromo apenas para ver de perto os canadenses se decepcionou. Após abrirem com seu remix para Atlantis to Innerzone, dos Klaxons, Ethan Kath e Alice Glass – eleita celebridade mais descolada de 2008 pelo semanário inglês NME – começaram a causar um pouco além da conta. Glass começou a trepar nas caixas de som e, na segunda música, já atacava o equipamento do Nightmares On Wax, que se apresentou em seguida. Deu no que deu: os seguranças tentaram conter os excessos da vocalista, que foi defendida por Ethan, e o show acabou suspenso na altura da execução da segunda faixa. Mico total.

Conterrâneo de Glass e Kath, a revelação do progressive Deadmau5 atraiu uma gorda multidão ao palco principal. A eufórica ovação ao houseiro, das 21h30 as 22h30, lembrou os mais fanáticos torcedores de times de futebol. O mais engraçado era ver os admiradores que reproduziram a enorme cabeça de rato vermelha que é símbolo do alter-ego de Joel Zimmerman. Depois de cair na graças do roedor da vez, a rota óbvia era em direção à Arena 1, cuja lotação já transbordava por conta do set do soundsystem da banda virtual de Damon Albarn, o Gorillaz. Sem o líder do Blur, quatro DJs e alguns MCs representaram uma fusão lúdica entre ragga, batidas caribenhas, hip hop, ambientada por telões preenchidos pela estética de desenhos animados divertidos e insanos dos personagens do projeto.

Experimentando

Com uma pegada mais pesada, quebrada e veloz, quem também brincou com o ragga foi a dupla alemã Modeselektor. Poucos assistiram às distorções malucas do projeto mais experimental do selo Bpitch Control, da alemã Ellen Allien, na Arena 4. Os que permaneceram na tenda, porém, mostraram devoção à dupla que caiu nas graças de Thom Yorke, do Radiohead. Havia meia dúzia de fãs com a camisa da dupla e até Chucky, o boneco assassino, apareceu (vide galeria). Colega de selo do Modeselektor, Sascha Ring, o Apparat, protagonizou um dos momentos mais emocionantes da Arena 4, destacando faixas compostas em parceria com Ellen Allien e lançadas no álbum Orchestra of Bubbles, de 2006, com Jet e Way Out levando a tenda abaixo.

James Ford e James Ford, do Simian Mobile Disco, resolveram experimentar com um laboratório que ocupou o centro das atenções do palco principal. Uma mesa de som futurista arquitetou uma série de hits da dupla mais bombada do electro-house inglês, com Hustler, I Believe e It’s The Beat entre os mais agraciados. A cena ficou quente para receber o UNKLE, de James Lavelle. A banda que costumava fazer apresentações típicas baseadas no hip-hop, com toca-discos e vocalistas convidados, acabou remodelando seus shows com uma aura mais roqueira e colossal após o lançamento do álbum War Stories, em 2007. Estrobos, iluminação psicodélica e enormes telões fizeram a ambientação do palco principal durante o show, que bombou durante a execução de Hold My Hand.

Nação Get Physical

Se o Simian Mobile Disco mostrou o que o electro-house da Inglaterra tem a oferecer, Booka Shade, DJ T e M.A.N.D.Y, trio fundamental do selo Get Physical, foram a Buenos Aires levantar a bandeira das batidas da Alemanha. Arno Kammermeier, em sua impressionante bateria eletrônica, e Walter Merzig, responsável por teclados e programação, fizeram um dos momentos altos do palco principal, mostrando sons como In White Rooms e outros do álbum The Sun & The Neon Lights.

DJ T e M.A.N.DY comandaram uma Arena 4 lotada de 0h15 às 3h00, divertindo o público com caras e bocas e muito bom humor. O auge das discotecagens do time Get Physical veio com o sucesso O Superman, versão dos M.A.N.D.Y. em parceria com Booka Shade para o clássico de Laurie Anderson, de 1982.

Derretendo

No palco principal, a despedida deste Creamfields 2008 ficou por conta de Erick Morillo, que mandou desde remixes do U2 (With Or Without You e New Year’s Day) e Eurythmics (Sweet Dreams), até uma exótica cumbia. Único brasileiro a se apresentar no evento, o paulistano Gui Boratto assumiu o encerramento da Arena 4 com melodias radiantes que garantiram as boas vibrações no derretimento do clubbers mais guerreiros. Destaque para o hit Beautiful Life.

Os franceses Cassius cuidaram dos humores de fim de festa na Arena 1, revisando clássicos como Feeling For You (de autoria própria), Hey Boy Hey Girl (dos Chemical Brothers, que se apresentaram no Creamfields Buenos Aires 2007) e a mais recente My Moon, My Man, de Feist, em remix do Boys Noize.

Satoshi Tomiie, o mais argentino entre os DJs japoneses (dado o culto dos hermanos em torno do progressive), lotou o fechamento da Cream Arena, que já tinha tido momentos altos com o Deus local Hernan Cattaneo (tão popular quanto Maradona entre os clubbers argentinos) e o inglês Steve Lawler.

A seqüência matadora de Carl Craig e Derrick May das 2h30 às 6h00 da manhã na Arena 2 coloriu o Creamfields com um techno orgânico, percussivo, enriquecido por nuances de soul e jazz. Com expressão perversa, de quem tinha o dom de manipular a pista a seu bel-prazer, os macumbeiros do techno de Detroit mandaram clássicos como The Bells, de Jeff Mills, e Rock to the Beat, de Kevin Saunderson. Uma experiência espiritual.

*** O Virgula Música foi ao Creamfields Buenos Aires a convite da CI


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Creamfields Buenos Aires dá aula de festival de música eletrônica

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