A música brasileira vive seu melhor momento da história. A tese defendida por alguns críticos e músicos entra 2014 ganhando força. Por isso, o Virgula Música selecionou seis nomes da nova safra que a comprovam: Tássia Reis, Alice Caymmi, Galego, Zulumbi, Paula Tesser e Raphael Costa.
O novo paradigma emerge com o aparecimento incessante de novos talentos em todo Brasil. Não apenas sob o nome de Caetano Veloso escrito em letras garrafais no line-up de um dos principais festivais da Europa, o Primavera Sound, de Barcelona, conhecido por privilegiar nomes indies. .
Se na primeira década do milênio, os nomes que surgiam vinham sob a sombra do tropicalismo, hoje, eles inverterm essa influência. Caetano chegou lá após ter sido reabilitado entre as novas gerações com uma ajudinha de músicos que formam a banda Cê. Quando estão sem Caetano, eles são a banda Do Amor.
Tássia Reis – Bêbada de Feriado
“A Tássia Reis é um talento que me chamou atenção, tem uma voz bonita, malandragem na levada, letra esperta, energia boa e elegância. O Russo Passapusso, da Bahia… Alguns amigos me disseram que a Alice Caymmi arregaça, ainda não ouvi, mas boto fé. Tem o Ogi, que não é exatamente novidade, mas é monstro no microfone”, afirma Rodrigo Brandão (ex-VJ da MTV e ex-integrante do Mamelo Sound System), que forma o Zulumbi com Lúcio Maia (Nação Zumbi) e DJ PG (Elo da Corrente).
Brandão cita ainda Juçara Marçal, cujo álbum Encarnado foi recebido com festa pelos críticos e colegas. “Juçara Marçal, que está com disco novo, sempre me emociona, e tô na expectativa forte pelo disco do Elo Da Corrente, de quem sou suspeito pra falar, porque são meus comparsas, mas vale citar de qualquer modo. E o Afrobombas, do Jorge Du Peixe, com a Lula, sobrinha dele, é ‘daora’ também”, indica.
Veja vídeo do Zulumbi
Com um esperado disco de estreia produzido por dois músicos do Bixiga 70, Cris Scabelo e Mauricio Fleury, Galego também prevê um ano marcado por novos nomes que transitam entre o rock e a MPB indie: “Teremos bons lançamentos em 2014, indico o Zé Pi que vai lançar seu primeiro disco solo ainda no primeiro semestre e que compõe canções muito bonitas, o Rafael Castro com a sua fusão musical e o Gustavo Galo que lançou recentemente seu primeiro solo. Indico também o Tom Custódio da Luz, um menino muito talentoso, muito bom compositor e, pra finalizar, se liguem também no som do Bruno Roberti e do Danilo Morais, parceiros muito bons”, elenca.
Alice Caymmi – Unravel (cover de Björk)
Voz destoante, Alice Caymmi, que é neta de Dorival Caymmi e foi elogiada por ninguém menos que Björk, recentemente, elege Do Amor, Letuce, Filipe Catto, Ava Rocha, Negro Léo e Baile Primitivo, mas não vê uma cena configurada. “Não enxergo dessa maneira, cada artista é um, não existe uma cena compacta e coerente, somos apenas artistas coexistindo e trocando quando possível”, argumenta.
Já o pernambucano e parceiro de Marcelo Jeneci, Raphael Costa, traz nomes nordestinos para lista: “Breculê (CE), Zé Manoel (PE) e Lucas dos Prazeres (PE). É preciso e urgente conhecê-los. Faz diferença”, afirma. Jeneci, ícone da nova música brasileira, já anunciou que irá produzir um disco do rapaz.
Parceria de Raphael Costa com Marcelo Jeneci – 9 Luas
Para Raphael, o espírito do tempo, “zeitgeist”, indica o fim do medo de ter a sombra João Gilberto, do tropicalismo, de Tom Jobim e tantos gênios do passado. “Todos nós somos essencialmente livres. Isso tem a ver com a internet, com os novos ares”, opina.
Mesmo sendo um trio, em seu trabalho de estreia o Zulumbi teve participações de Juçara Marçal, Anelis Assumpção, Rob Mazurek, Jason Adasiewicz, Yarah Bravo, Thiago França e Marcelo Cabral. Para Rodrigo Brandão, a reunião de nomes tão variados, em um arco que vai da música popular ao experimental, mostra como as colaborações transformaram a atual produção brasileira em uma círculo de excelência, conectado com ramificações mundiais.
“Me parece que é um fenômeno global, não só daqui (do Brasil). Tenho a impressão de que é uma consequência da dinâmica de vida nesse período pós-futuro que vivemos. A internet funciona de modo viral e isso se reflete nas relações humanas e artísticas”.
Paula Tesser – Tudo Blue
Com um doutorado em sociologia sobre Chico Science, Paula Tesser defende que o poder agregador do poeta do mangue a conquistou, “não só pela mistura de estilos musicais que ele trouxe no som do mangue beat, mas pela sua vontade de alavancar uma cena que estava estagnada”, avalia a franco-cearense.
“Ele soube acordar, mas também apaziguar e encantar, integrando à sua música a emoção, o cotidiano, o imaginário, e também a lama, o caranguejo, a tecnologia, o maracatu, o funk e o hip hop! Um artista que soube magistralmente juntar em um mesmo momento elementos de ordem estética e social, captando a sensibilidade contida no popular como uma forma de recusar todo poder imposto e onde o cotidiano se mostrou ser um espaço privilegiado de resistência”, defende Paula.
Ela ainda cita o sociólogo italiano Michel Maffesoli, que foi seu orientador em Paris: “A planta humana só é compreensível em função do húmus em ela nasce” (Le Rythme de la Vie – Variations sur les Sensibilités Postmodernes, editora La Table Ronde). Sendo assim, com tantos talentos e tanto húmus, não se pode esperar outra coisa da música brasileira, que viver seu melhor momento.
Como diz Mistério do Planeta, dos Novos Baianos: “Vou mostrando como sou/ E vou sendo como posso/ Jogando meu corpo no mundo/ Andando por todos os cantos/ E pela lei natural dos encontros/ Eu deixo e recebo um tanto/ E passo aos olhos nus/ Ou vestidos de lunetas/ Passado, presente/ Participo sendo o mistério do planeta”.
“Acho que a palavra que é comum entre essas pessoas é originalidade. São pessoas que fazem suas respectivas músicas, baseadas nas suas experiências, com as suas referências, geralmente são referências lá de trás e isso traz uma segurança na música que eles fazem, aquela sensação de que estão acreditando nas suas verdades. É como faço minha música, então eu me vejo entre essas pessoas”, define Tássia, do alto dos seus 24 anos.