Cantores e compositores da MPB indie


Créditos: Divulgação/Nina Gaul

Se alguém tinha alguma dúvida sobre o talento de Marcelo Frota, o Momo, o quarto álbum do músico mineiro de 34 anos radicado no Rio de Janeiro, Cadafalso, que pode ser baixado aqui, caiu como uma âncora na cabeça. 

Não que a opção de dispensar a banda e gravar um disco inteiro apenas com voz e violão e em mono – sistema de gravação “obsoleto” em que todo som é registrado em um único canal – tenha sido fruto de algum exibicionismo. Momo é como a bossa nova, muito natural.

“Compor para mim é uma válvula de escape mesmo, de descarregar alguma coisa, quando não tem mais jeito mesmo, não tem mais saída. Quando está ficando apertado. O meu lance é muito sentido, é muito na veia mesmo”, afirma o músico, que elogia seus pares Wado e Marcelo Camelo e vê a geração atual com uma liberdade e uma vontade de fazer capazes de gerar uma nova complexidade na música, ainda que ela não tenha sido assimilada pelo mercado.

Ouça o álbum Cadalfaso



Leia a entrevista concedida por telefone ao Virgula Música, em que Momo fala sobre seu processo, sua “política” de não entregar nada muito mastigado para os ouvintes e recusa a ideia de fazer música cabeça: “Acho que meu trabalho é música pop”.

Quando você faz um disco novo, começa do zero ou parte de onde tinha parado?

O grande desafio neste disco foi deixar a banda de lado. Não usar uma banda no disco, que teve voz e violão gravado ao vivo. Realmente, fazer um disco que soasse interessante nesse formato era um baita desafio porque o que eu pensava junto com o produtor do disco, meu camarada Gilberto Fortes, era que a gente tinha que fazer um disco voz e violão interessante, que não fosse uma coisa cansativa.

Então, é um disco que, por isso, tem vários caminhos, várias nuances, muito clima, quebra de ritmo, quebra de compasso. Afinações diferentes. Tem três músicas que eu mudo a afinação do violão.

A ideia era meio que driblar essa coisa, já que vai fazer voz e violão, fazer um voz e violão apertar play e rec não tinha graça. E também não tinha graça se eu gravasse primeiro tocando  e depois botasse a voz, gravar em multipista, que é aquela gravação que você grava e bota uma coisa em cima, faz overdubs.

Esse disco foi gravado voz e violão simultâneo. Para poder mostrar uma coisa só. Quando você toca o violão e canta é um “acontecimento”. Diferente de você pegar um violão, gravar, depois botar a voz, preocupado em como é que você vai cantar, como vai afinar.

Então, é um disco bem fluido. De uma certa maneira eu tinha tentado fazer isso nos discos anteriores, nunca gostei de editar, de colar parte de música. Eu tenho uma filosofia meio, digamos assim, naturalista do processo.

E se aproxima da maneira como você toca em casa, como criou as composições para esse disco?

Depois que a gente tinha pensando em gravar e eu já tinha umas duas ou três músicas, comecei a compor e tocar ainda mais. Duas músicas eu fiz durante a gravação. O disco foi gravado em quatro dias.

Eu gosto dessa coisa de compor durante o processo do disco, deixar sempre um espaço porque essas músicas são influenciadas pela atmosfera do trabalho. No estúdio é que a coisa acontece. Então Copacabana e Coragem, as músicas que abre e fecha o disco, eu fiz durante a gravação.

Que sensação você espera que a pessoa que ouve seu disco sinta, que clima você gostaria que ela entrasse?

A primeira coisa, que não se sinta tão fascinado, tão amando aquilo de primeira vez, na primeira audição. A ideia é de que com o tempo, a pessoa passe a consiga ir percebendo tudo isso que foi trabalhado no disco, sentindo, todos essas nuances, esses climas.  Porque não é uma música para pular, para dançar, é uma música contemplativa.

E que tenham um tempo para escutar, para absorver. Não falo isso de forma pedante, mas eu sempre me interesso quando estou vendo um filme, lendo um livro, escutando um disco, gosto dessa obra que vai te convencendo, te ganhando aos poucos.

A minha ideia é nunca entregar tudo com muita facilidade, tudo muito nítido, claro. É um trabalho de uma certa forma obscuro, tem muito clima, muita nuance. E também espero que a pessoa goste do trabalho, claro.

Mas esse disco voz e violão, a gente optou por fazer um disco mono, que basicamente, o voz e violão está no meio da caixa de som. Não tem violão para um lado, voz para o outro. Quando você escuta essas produções de agora, você tem muito truque de mixagem. O cara põe a caixa de um lado, bota a bateria não sei para onde, uma coisa para direita…

O ouvido do ouvinte hoje ele já pede um som estéreo. O mono é como aqueles disco ali dos Beatles dos anos 60, pode até ser ouvido como uma coisa menor, mais pobre. E esse disco a gente quis fazer mono exatamente para causar esse estranhamento de cara no ouvinte.

O estéreo é muito afetado, muito acontecimento, R-L, R-L (direita-esquerda). A gente escolheu botar mono porque a gente queria que ficasse uma coisa ali no meio. Uma coisa bem centralizada. A sensação mais naturalista possível, como eu te falei, não ter esses truques. É um disco bem direto, é o disco mais direto que fiz, eu acho.

Eu não usei nem fone para gravar o disco, é como se eu estivesse assim tocando em casa. Escutava só o som do violão normal.

Quem você acha relevante na música hoje?

Olha, tem Wado, Marcelo Camelo… Acho que são dois que eu gosto bastante.

Você como compositor como cria? Naturalmente vão surgindo as ideias e você vai registrando, ou precisa ter uma pressão pra algo sair?

Cara, eu componho e quase sempre vem a ideia de fazer um disco. Eu fico ali esperando vir a inspiração, essa coisa romântica, mas depois que eu sinto que chega este momento, eu fico ali cutucando, não paro, fico todo dia ali. Pego o violão, vem uma melodia ali, gravo. Eu tenho milhões de gravações no meu telefone.

Acho que primeiro parte de um processo de inspiração mesmo, de uma coisa inexplicável até, mas depois entra um pouco de objetividade. Compor para mim é uma válvula de escape mesmo, de descarregar alguma coisa, quando não tem mais jeito mesmo, não tem mais saída. Quando está ficando apertado…. As coisas começam a apertar e eu acho que é por aí. O meu lance é muito sentido, é muito na veia mesmo.

É tudo muito, muito sentimento. Eu sou uma pessoa assim, então quando eu começo a compor geralmente é por isso. Eu não sou um cronista, um cara que olha uma situação na ria e faz uma música. Não tenho esse tom do humor, que não é uma veia que eu uso com frequência. É sempre geralmente uma coisa existencial, de vida, de amor.

Quando a vida começa a perder totalmente o sentido, aí eu tento tirar umas ideias de umas melodias e e venho com a alguma coisa para fazer sentido novamente.  Eu sei que isso é uma visão romântica de fazer música, de fazer arte, mas é assim que funciona comigo.

Esse romantismo influencia até mesmo a produção da atual geração, não é? Que não tem marra e faz as coisas do jeito que consegue, está mais ligada ao fazer.

É o que você falou, se tem alguma coisa em comum, que vai além de escolhas estéticas, conceituais no trabalho, é essa necessidade de conseguir fazer com liberdade. É uma geração que tem um estúdio em casa ou tem o estúdio de um amigo e não está muito preso a produtor, a selo, empresário. É uma galera que produz com liberdade. Então você tem uma riqueza, uma multiplicidade, uma produção muito bacana, interessante.

Um cara com um microfone de computador e um programa de computador pode fazer um disco de rap lá no Amapá, entendeu? E por que não? Ainda tem isso, não precisa nem estar inserido naquele contexto social do rap ou do funk, aqui no Rio de Janeiro, ou do samba.

Até por que tem informação. Essa geração mais nova que a minha, eu tenho 34 anos, essa de 23, 24, ela está absorvendo muita informação que chega através de internet. Enfim, eu acho que tem uma galera que está produzindo bastante também.

E o que falta para que essa música, que é indiscutivelmente boa, elegante, refinada, ser também popular e ouvida pela massa? Tem uma saída ou isso é um caso perdido?

Eu acho que para chegar em um público maior é uma questão econômica mesmo. Uma questão de dinheiro porque, por mais que você fale que tem internet, ela chega para quem tem em casa. Como é que vai ouvir o disco do Momo se não receber um spam, ou um anúncio pago no Facebook? É difícil.

Talvez ainda esses meios para chegar a este público são aqueles que predominaram na década de 80 e 90, que a gente sabe que continua sendo o rádio, a televisão, novela, não é isso?

O que eu sinto dessa turma que consegue descolar um pouco dessa geração é uma galera que tem patrocínio de empresas, dessas multinacionais, editais, investimentos, você consegue uma projeção, publicidade, consegue tocar mais em rádio, chegar mais nos lugares. Talvez esse seja o grande ponto que ainda tem que ser pensado.

Tem os fenômenos de internet que você vê, sei lá, artistas que através de Facebook conseguem uma projeção. Mas  como você falou, ainda é pouco, acho que eu sou um cara, sinceramente, que tenho um reconhecimento, muito por parte de crítica. Mas achar esse público e falar com essas pessoas ainda é um grande desafio.

A questão para mim não é muito a música, isso que você falou, é uma questão de dinheiro. E aí entra tudo, contato, lobby, não sei. É uma coisa que sinceramente, vou falar, se eu for para para pensar nisso, fica difícil eu parar para compor e criar. Porque é difícil, não é cara?

Agora, eu não posso ser hipócrita e dizer que não é muito bom tocar para uma galera. É muito bom falar com mais gente. E, inclusive, eu ainda acho que o meu trabalho é pouco cabeça, cabeção. Acho que meu trabalho é música pop.

Lógico, voz e violão, gravado ao vivo, a pessoa parar para escutar. Primeiro que você precisa de um puta de um silêncio, onde você está. Mas o legal de fazer música é isso, convidar e inserir as pessoas. E conseguir se colocar em lugares que a gente ainda não percorreu. E eu acho que esse disco é uma coisa assim, gosto de criar um certo desconforto no ouvido da pessoa. Porque eu gosto de ser surpreendido quando eu estou escutando música.

É como o David Lynch, quando perguntam para ele, não entendi o seu filme, ele responde, mas quantas vezes você viu?

É, pois é, não é legal você sair do cinema sem ter uma ideia fechada, sair de lá pensando. Muita gente se acha burro, incapaz. Tudo isso é uma grande curtição, mas não no sentido de brincar. Tem consistência, pegada, ideia.

Então, eu também gosto muito de pensar os discos assim, sabe? Gosto de pensar música por música, pensar em ordem, capa, produção, mixagem. Outra coisa boa é que o artista hoje em dia pode participar disso tudo. Não tem um cara ali diretor de arte aqui é o fulano. Isso já é um ganho muito grande, artisticamente.

Agora, essa questão do mercado, acho que é o ponto aí que essa geração vá encontrar ou talvez nem vá. Se você for pegar os discos do Caetano dos anos 60, 70, não vendiam muito.

Ouça Momo em Tenho que seguir



Veja Momo em Tristeza




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