Mulheres poderosas da música brasileira contemporânea


Créditos: Divulgação/Bueno

De tempos em tempos, novas cantoras surgem na música brasileira e as comparações começam a emergir. Não espere encontrar em Marcelle, no entanto, a nova Céu, Tulipa Ruiz ou, muito menos, Elis Regina, Clara Nunes, Gal Costa, Maria Bethânia, Elizeth Cardoso e toda nobre estirpe da nossa música popular.

Para começar que a sergipana Marcelle canta em inglês. E suas primeiras referências, introduzidas pelos pais na infância, passam longe deste manancial: Tina Turner, Michael Jackson, Queen.

Ainda assim, em 0ne Oh 1, produzido por Dustan Gallas e Bruno Buarque, por traz dos azuis em torno dos quais o álbum gravita, como ela conta poeticamente ao Virgula Música, é possível perceber o Brasil, Nordeste e São Paulo, onde Marcelle mora há seis anos, cidade em que o disco foi gravado, no Minduca, estúdio de Bruno Buarque. Ele e Dustan são figurinhas presentes em uma série de projetos da MPB indie e do rock que vêm despontando nos últimos anos.

“Tem toda uma cena trabalhando junta. E pela primeira vez tem várias cenas se juntando. Então, não existe um medo de mistura de ninguém, está todo mundo se misturando”, diz a cantora.

E ainda que os azuis sejam raros em São Paulo, às vezes, é preciso alguém como Marcelle para lembrar da sua onipresença. Leia a entrevista concedida por telefone de uma praia na Bahia.

Veja acima galeria de foto e vídeos com 11 cantoras brasileiras

Este é seu primeiro disco?

Sim, é o primeiro disco, foi gravado em 2010, 2011. Eu busquei o Dustan e graças a Deus consegui, eu cacei, catei, enchi o saco dele pra gente trabalhar junto e a gente passou muito tempo numa pré-produção, com as músicas todas e todo este processo foi muito bom de passar com ele. E com o Bruno também. Foi uma delícia de gravar.

O álbum é bem amarrado, como que você conseguiu esta unidade?

Isso tudo foi uma preocupação nossa desde o princípio, na verdade. Meu maior medo era fazer um álbum desconexo, que a gente tivesse encaixado muitas referências porque a gente tinha pensado em muita coisa. E a gente estava ouvindo muita coisa, brisando nas mesmas coisas. Então, eu tive muito medo de acabar entregando um disco que não tivesse começo, meio e fim.

Então, a gente pensou muito nisso quando foi gravando as músicas e quando os meninos foram compondo e eu fui acompanhando o processo. Tudo isso foi uma preocupação desde o começo, principalmente na sonoridade do disco, mais do que letras, enfim.

Quem são suas referências, quem você acha relevante hoje?   

Cara, relevante hoje, como referência do disco, acho que Júpiter Maçã. A gente estava muito nesta brisa na época que a gente gravou o disco. E buscando referências que fosse neste caminho. E as outras referências que a gente teve não foi nada muito novo. A gente brisou muito numa música do Lou Reed, por exemplo, às vezes a gente optou por um caminho muito singular. Então, as referências nem foram muito ressaltadas no final das contas.

Acabou ficando com a sua cara…

Exatamente. A gente acabou soltando e desamarrando um monte de coisa neste momento em que a gente encaixava os metais, que conseguia deixar tudo um pouco mais suingando, às vezes. Era quando a gente tentava fugir do óbvio porque as referêrencias são várias, são muitas e são sempre. É Jorge Mautner, estas coisas que a gente sempre procura e busca ouvir.

Eu, Dustan e Bruno tentamos fazer uma coisa que fosse nossa, óbvio, mas que respeitasse o parâmetro de arte mesmo, mais do que música, matemática, sabe? Então, a sonoridade é o grande fator, eu acho, pessoalmente…

Você canta em inglês no disco, sempre cantou em inglês?

Eu sempre cantei, ponto. O que vem de inglês é que eu ouvia muito com os meis pais e esta referência sempre foi americana e mais pop. A gente ouvia Tina Turner, Michael Jackson, Queen. Então, tudo isso sempre foi muito forte para mim.

Quando a gente foi fazer o disco e quando a gente começou a receber as melodias e trabalhar com ela, a gente ia percebendo que as sonoridades faziam mais sentido e as músicas ficavam menos bobas se a gente fizesse em inglês.

Se a gente traduzisse tudo, talvez o sentido ficasse amarrado numa cultura nossa. Foi uma coisa completamente natural. E o disco foi inteiro assim, todo ele foi produzido aos poucos, a gente demorou muito percebendo que podíamos acrescentar alguma coisa. Todo ele foi gravado com este cuidado.

Nos últimos anos têm aparecido muitas cantoras, sempre existem algumas cantoras do momento. você se incomodaria de entrar neste esquema, passar por comparações? 

Não, eu não me incomodaria com isso. Eu acho que tem muita gente bacana no mercado, tem muita coisa acontecendo na música brasileira. E acaba que, não sei por que motivo especificamente, criou-se este ranço de cantoras brasileiras e da nova safra da MPB, que eu acho uma grande bobagem.

Na verdade, para mim isso não existe. Tem toda uma cena trabalhando junta. E pela primeira vez tem várias cenas se juntando. Então, não existe um medo de mistura de ninguém, está todo mundo se misturando. E está todo mundo fazendo sons que são, pelo menos as coisas que eu tenho ouvido, experimentais o suficiente para serem novas. Eu não me incomodaria de estar neste meio. Acho que é um grande tempo para a música brasileira.

Na hora que eu peguei seu disco, a capa do mar, eu pensei, ah, mas uma cantora de MPB… Mais do mesmo… E na hora que ouvi você cantando em inglês e os arranjos, vi que era outra coisa.

Bacana tu falar nisso. O encarte do disco surgiu a partir de Solar Promisses, na verdade. A última faixa do disco foi a primeira faixa que a gente teve certeza que a gente gravaria. Uma faixa do Dustan, que ele já tinha há muito tempo. E quem fez a direção de arte do disco foi a Isadora Gallas, que é a mulher do Dustan.

Quando eu ouvi aquela música, eu falei, eu quero gravar. E quando eu contei para Isadora que eu tinha gravado, ela me contou de uma ideia que ela tinha de trabalhar com cianômetro (instrumento que mede a intensidade do azul do céu) e com tons de azul. Tudo do disco partiu do azul, a partir deste momento. Porque eu entendi que realmente tinha muito do Dustan, que compôs umas três faixas para o disco e esta história do azul se encaixava em tudo que a gente tinha pensado antes.

A partir disso a gente começou a imaginar uma nova ideia de geometria para capa. A gente preferiu fazer uma capa com paspatur, ainda que fosse soar clichê como tu pode ter achado. Na verdade era bem essa a ideia.

No final das contas, tu abre o disco e aí o CD propriamente, ele é um cianômetro, impresso com os tons de azul, do mais claro ao mais escuro, e o encarte a gente tentou fazer ele com pedaços de coisas. Só para fragmentar o que já estava sonorizado no disco, que são fragmentos de coisas que significam a história do disco. Todo aquele ano que a gente passou trabalhando nele.

Você concorda que é um disco de verão? 

Eu concordo, mas eu acho que é um pouco pretensioso para eu afirmar. É um disco que foi feito para ser ouvido em conjunto, não é um disco que pretende te fazer pensar em alguma coisa, só pretende te mostrar um horizonte.

É um disco solar, são promessas de uma história nova. A gente tentou mostrar isso em tudo do disco, tanto no encarte, quanto nas músicas, nas letras, nos arranjos. É sim, um disco solar. 

Veja o primeiro clipe de Marcelle, Never Never 




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