Entrevista exclusiva com Dudu Marote
Créditos: Gabriel Quintão
Dudu Marote e eu estamos dançando. A entrevista no estúdio Dr. DD, um prédio de arquitetura fantástica que lembra um navio, não poderia terminar de maneira melhor. “Uma música só não faz mal”, afirma ele, mais para si próprio que para mim, antes de apertar o play em uma faixa do novo álbum do Aldo, uma das maiores apostas do novo selo dirigido pelo produtor, o Ganzá, da Skol Music.
Em seu “bunker” no Sumaré, em São Paulo, o Midas do pop recebeu o Virgula Música para uma conversa sobre os caminhos da música, que envolvem pré-produção, mixagem e masterização.
O produtor, que foi um dos pioneiros do rap paulistano e trabalhou com Skank, Pato Fu, Jota Quest, Adriana Calcanhotto, entre outros, alcançando vendas astronômicas, algo que ficou emoldurado no passado, assim como os discos de ouro e platina que se acumulam em seu escritório.
Dudu falou também sobre o mercado musical hoje, os métodos que emprega em seu trabalho, o projeto VCO Rox, seu xodó, entre outros assuntos. Leia a conversa que rolou dentro da técnica, lugar que guarda algo de laboratório de um cientista maluco.
Existe alguma diferença, quando você vai produzir uma música, de você fazer um grande hit ou você fazer uma música bem feita. Ou isso independe do seu esforço, da sua intenção?
Primeira coisa, música é loteria. Ninguém sabe se uma música vai ser sucesso ou não. Às vezes, uma música parece que vai ser um hit e não é. E às vezes uma música não parece nada e é um hit. Então, essa fórmula do sucesso, se houvesse, alguém ganharia muito dinheiro com ela. Até porque a música pra ser hit é uma coisa que vai mudando.
Conforme o tempo passa, às vezes em questão de meses, muda o que é. Um bom exemplo é a gente pegar, nos últimos anos, uma música que “causasse”, até uma coisa mais de rede social, era o que estava fazendo sucesso. Aí o Daft Punk, o Pharell Williams conseguiram trazer um pouco pra música mesmo.
Então, eu contrasto o que foi o Psy, com Gangnam Style, e alguns meses depois, tipo uns oito meses depois Daft Punk com Get Lucky e depois o Pharrell com Happy. Engraçado porque o Gangnam Style era muito mais a causação, vídeo, o entorno na música e a música em si era parte da parada. E quando chega o Daft Punk e Pharrell é até uma coisa retrô, onde a música é a parada. E deu muito certo.
Você certamente deve ter um feeling a respeito disso?
A gente tem alguns feelings, mas não certeza.
Se você for muito visionário também…
Chega antes da festa começar. Já aconteceu isso comigo várias vezes. Mas eu acho que tudo depende da vibe da música. Eu classifico as músicas por vibe. Se é uma música que levanta, uma música que dá coragem, que deixa as pessoas felizes, uma música que dá um alento pra quem tá triste, uma música que é mais tristeza ainda, uma música que é meio “brisada”, como o reggae, como dub. São várias vibes. Então hoje como a gente necessariamente não tem mais o meio de comunicação de massa dominando a música, como era antigamente, você pode ter vários tipos de música ao mesmo tempo para vários tipos de pessoas.
Tudo bem você fazer uma música para os que estão buscando um alento, um alívio, que estão tristes, mas elas não são pessoas que vão ouvir rádio, vão ver TV, vão só para aquele ladinho, mas que vão acabar sendo seu seguidor, indo no seu show. Essa história da música que faz sucesso é uma história do século passado. É claro que ainda existe, mas não existe só isso.
O que te deixa mais feliz como produtor, quando você termina uma música?
Eu lembro que quando eu produzi Garota Nacional, que foi a música que eu fiz que mais tocou em um curto espaço de tempo, a que tocou por um longo espaço de tempo foi Partida de Futebol, do Skank, que ela foi a música que fez sucesso e continua um sucesso, ela virou um clássico na minha opinião. Já Garota Nacional não virou um clássico, foi um hit da época. Por cinco anos foi a música mais tocada no Brasil, foi primeiro lugar no Chile, na Espanha, em Portugal.
Eu lembro que quando eu terminei a mixagem de Garota Nacional, eu tinha tanta certeza que eu ouvi a noite inteira a mixagem. Saiu eu, o cara engenheiro de som, a gente saiu com umas amigas de carro e gente ficou rodando São Paulo a noite inteira, ficando bêbado, com toda certeza que a gente tinha acertado na música.
Como já aconteceu de eu ter uma faixa que eu tinha feito meio de brincadeira, que era uma faixa meio obscura e a gente deixou ela meio obscura de propósito. Todos os meus amigos diziam que a faixa era uma bosta e de repente, um DJ gringo descobriu, adorou e a música foi, foi, foi e ela é tocada até hoje no underground.
Do Jamanta?
Não era do Jamanta não, era uma coisa que foi uma coisa minha em parceria com Nego Moçambique, uma música que chama Bonde Fumegante. E essa aí ela perdura também e era uma música que todos os meus amigos diziam que era uma bosta. E aí eu fiquei na dúvida também, é engraçado.
Como é o processo de feitura de uma música desde a gravação até ela ser lançada?
Depende do tipo de música. Quando ela é hip hop, quando ela tem uma batida eletrônica, basicamente, ela vai começar de uma batida. No hip hop, geralmente é numa MPC, se for música eletrônica, pode ser no computador, com Ableton Live, Logic, até com Fruit Loops.
Aí a pessoa vai programar, um loop, no início, aí surge em baixo sintetizado, tal, e aí vão vários elementos que vão compor essa música. Quando é uma música pop, normalmente, ela começa como uma canção, que pode ser feita com voz e violão, às vezes voz e piano. Rolling in The Deep, da Adele, ela começa com voz e piano e vai voz e piano até o final.
O Skank, não, o Samuel, ele compõe as músicas no violão ou na guitarra e ele pede pra alguém fazer a letra pra ele. Faz uma melodia, às vezes, em inglês, às vezes meio macarrônico, enrolation, e alguém faz uma letra. Têm vários métodos de composição. Eu acabei de fazer um trabalho com uma menina chamada Aline Muniz que eu, justamente, fazia sempre um voz e violão para entender como que a voz encaixava na voz dela. E aí do voz e violão, a gente passa para a fase seguinte que é o chamado arranjo. O arranjo nada mais é do que a gente entender que instrumentos vão tocar o que, que partes.
Então, por exemplo, se for uma gravação mais assim, a gente vai ter primeiro uma sessão em que a gente vai gravar o que a gente chama de base. Base, normalmente, uma coisa bem básica. Eu tenho aqui um estúdio com várias salas e todas as salas se veem. Na primeira sala, eu coloco bateria, na segunda, eu colocaria violão, na terceira, voz, e aqui na técnica ficaria o baixo. Toca todo mundo ao mesmo tempo, como uma banda mesmo, batera, baixo, violão e voz ou batera, baixo, guitarra e voz, ou batera, baixo, teclado e voz.
Dessa sessão, com certeza a batera vai valer. Dependendo do que vai ser feito, às vezes, o violão, o baixo pode valer ou você refazer e você vai fazendo os outros detalhes. E também faz uma voz guia. Tem voz guia que já vale porque tem cantor que rende mais com a base do que cantando sozinho. Paulo Miklos é um deles, uma vez eu fiz um solo do Paulo Miklos e sempre que ele cantava com a base, ele cantava melhor.
Já o Samuel, não, rende melhor sozinho. E aí você tendo a base e a voz guia, você começa o arranjo, põe um teclado aqui, uma outra batida ali, uma percussão, uma pandeirola, você meio que colore todo o arranjo para todas as partes, para que a música fique interessante do começo ao fim. Faz uma introdução que, às vezes, se não foi feito com a base, grava em seguida. Grava os outros instrumentos.
E aí, vai gravar a voz definitiva se a voz da guia não tiver ficado perfeita. Dá uma limpada no arranjo, fecha uns detalhezinhos, às vezes, para ganhar mais espaço e essa música está gravada. A mesma coisa quando é uma música com batida, você fez a batida e aí vai fazer a voz guia. Você vai complementar o arranjo, às vezes, tocando, às vezes, programando.
Eu fiz um rapper da Bahia chamado Mr Armeng, há pouco tempo, que as batidas foram programadas. Mas baixo, guitarra e violão, quando tinha, era sempre tocado e depois eu editava tudo. Eu gosto de editar tudo, eu meio que dou acabamento final em tudo. Fez a batida, gravou guitarra, violão, baixo de verdade, depois eu voltei, montei tudo isso, recortei, fez a voz definitiva e tá pronto a parte de gravação. Aí, vamos pra mixagem.
A mixagem é um momento onde eu pego todos esses canais separados e vou combiná-los colocando efeitos, se eu não coloquei os efeitos na parte da base. Eu sou um cara que vou meio que preparando tudo desde o início, que é um jeito atual de se produzir, que você já vai tirando som enquanto vai gravando. O jeito antigo, primeiro você grava, depois vai tirar o som. Atualmente, você já vai tirando o som tudo ao mesmo tempo.
Aí, vamos dizer, na mixagem, vai, vou acrescentar delay, um ambient, uma distorção, às vezes, não é uma distorção que nem metal, são leves apimentadinhas de distorções que fazem a música ganhar mais corpo. O resultado dessa mixagem já vai ser dois canais, já é um negócio que você dá um play e já são dois canais. Aí, você vai pra fase final, que é a fase de masterização, que é onde o engenheiro de masterização vai comparar essa mixagem com a maior parte das músicas que tem a ver com a sua e ver se tá passando grave ou tem grave a menos, tem um médio-agudo que tá chato.
Então, é uma microequalizadinha, uma microcomprimida, ganha um pouquinho de volume também. Já teve uma fase em que o pop existia o loudness war que deixa a música mais alta. Mas eu acho que isso não tá na moda mais, isso já foi. A galera gosta de deixar alta porque como a maioria das pessoas ouve em computador ou nos seus devices, às vezes, ouve no falantinho ou mesmo no fone, então, a galera gosta de ouvir num volume bom. Nesses equipamentos que não são muito potentes, você pode dar play e mesmo que você aumente o volume não vem. Aí, a masterização termina e a música tá pronta. Basicamemente é uma fase de pré-produção, onde eu vou fazer um voz e violão ou montar uma batida e voz, aí eu gravo e arranjo, coloco tudo, mixo e aí masterizo. Essa são as fases de produzir uma faixa.
Não dá dó pra você que tem tudo isso aqui no estúdio saber que sua música pode ser ouvida em uma caixinha de computador?
Essa questão de “ah, você arrebenta e depois a pessoa ouve tosco”, eu não concordo muito, eu acho que isso sempre existiu. Nos anos 1970 também, ok, tinha gente que tinha altos equipamentos, mas era 1% da população, a maior parte ouvia naquelas boombox, que era tosco pra caramba, ouvia coisas piores. Então, isso de você ouvir em lugares ruins, é claro que seria melhor, ah, podia ter uma coisa melhor que MP3? Podia e acho que vai ter. Assim que o 4G espalhar bastante, vai ser superviável um MP3 HD.
Porque como muito gente está começando a escutar a música em streaming e o principal lugar que as pessoas ouvem streaming é o YouTube hoje, mais que Spotify, mais que todos os serviços de assinatura, então, o que você tocar, o streaming não pode parar e para você ter mais alta qualidade, com menos compressão, só vai dar certo se a velocidade da internet for mais alta, que aí o streaming pode ser de mais alta qualidade sem parar. Isso está acontecendo com o vídeo e com o áudio em streaming na internet que tem que ser menos qualidade.
Mas conforme a internet tá avançando, tá melhorando a qualidade do vídeo e o áudio também vai melhorar. É só uma questão de tempo, que é interesse de todos.
Você começou nos anos 1980?
Comecei a produzir em 88, mas eu comprei meu primeiro sintetizador em 80. Peguei bastante coisa de tape, de fita de duas polegadas e tal. Até o final dos anos 90, eu ainda fazia muito coisa em tape.
Você aprendeu a produzir sozinho?
Não. Eu não fui em escola, eu tive uma escola de síntese, de programação de sintetizadores que era uma escola que era tipo uma tropa de elite de alunos, todo mundo que saiu de lá, saiu muito bem, chamava Synthesis, ficava ali no Pacaembu, entre 85 e 88.
Eu fiz faculdade de música, composição e regência na Unesp, só que eu não me formei. Comecei a trabalhar, eram seis anos, eu fiz até o quarto ano, faltou uma matéria, acho que regência que eu não sei muito bem.
No quarto ano, eu comecei a faltar demais e desencanei. Mas foi muito bom, pro que eu preciso, tá ótimo. Foi importante ter feito faculdade de música, eu recomendo a todo mundo que quer trabalhar com música, fazer faculdade não pega mal nenhum, é bem legal. E eu peguei toda fase da chegada da internet, uma fase sem computador, sem internet e sem TV a cabo.
Eu trabalhei no início da MTV, eu fiz o remix de Garota de Ipanema, para Marina Lima, que foi a primeira música que passou na MTV. Olha a fase que eu peguei! Eu sempre fui um cara que prezei usar computadores na produção, sempre foi um diferencial meu e continua sendo, eu sou um cara muito ligado à tecnologia musical, mas não à tecnologia musical como bandeira, mas como instrumento.
Mesmo para fazer uma coisa superacústica, que eu gosto de edições, de montar. Eu vejo um pouco como cinema. No cinema você filma, filma, filma e depois monta e faz seu filme. Eu gosto dessa ideia com música. Eu gosto de montar.
Claro que agora eu acabei de fazer um curso com um cara que é o Steve Albini, produtor de Nirvana, Jimmy Page e Robert Plant, Sonic Youth, Pixies, Stooges e ele é ao contrário, acha que não tem que editar nada. Editar só se for com a gilete na fita. Mas é uma forma de editar. Mas eu gosto de editar, de montar, se eu trabalhasse no cinema com certeza eu seria montador, eu acho a arte de montar maravilhosa.
Você está com o selo Ganzá agora, por que entrou nesse projeto?
A Skol Music lançou três selos, um selo de “indie coisas”, que é o Miranda que leva, chama Tralálá, um selo que eu chamo de pós-hip hop, bass, trap e também hip hop, que é o Zé Gonzalez, não poderia estar em melhores mãos, e o outro, o selo de música eletrônica, o Ganzá, que eu comando, que busca ser um selo amplo, que eu acho que há muito o que se fazer na música eletrônica do Brasil.
A gente tem alguns produtores, alguns artistas sensacionais, reconhecidos internacionalmente, Gui Boratto, DJ Marky, Patife, Renato Cohen, sei lá, a gente pode falar de um monte aí, mas eu acho que ainda falta muito como cena, de virar um cena de verdade, como o rock é uma cena. Eu acho que a música eletrônica do Brasil tem criatividade para ser tão grande quanto o rock, quanto o pop, sem deixar de ser música eletrônica, sem tem que virar pop.
Eu espero que o Ganzá possa ser um catalizador pra ajudar a cena a evoluir cada vez mais. Porque como música eletrônica é uma parada coletiva, não é de indivíduos, não é egocêntrica, quando a gente conta os artistas nos dedos é sinal de que o coletivo ainda não floresceu tanto quanto ele ainda pode florescer.
Eu costumo dizer que o Tomorrowland vai ser o Rock in Rio da música eletrônica. Acho que vai ser um grande divisor de águas em 2015 e acho que o Ganzá está chegando em muito boa hora. A gente vai trabalhar com coisas quase pop até coisas absurdamente cabeçucas. Pista, não pista.
Tem muita coisa a fazer pela música eletrônica do Brasil e muita gente boa produzindo em quartos e salas do Brasil inteiro e essa gente não tem por onde soltar sua música. A gente espera ser um canal muito democrático, não vai ter máfia, não tem preferência, não é na amizade. É pelo merecimento mesmo. Tipo, a sua música é demais, vamos lançar. E trabalhar para que essa música se espalhe.
Nosso foco é trabalhar bastante no Brasil em um primeiro momento e em um segundo momento no exterior também. Mas primeiro a gente quer fazer a base aqui no Brasil.
O nível das produções no Brasil precisa melhorar em relação ao resto do mundo?
É uma boa questão. Eu gostaria de ver um sotaque na música eletrônica do Brasil, o sotaque brasileiro não significa coisas do Brasil ou ser cantando em português. Significa uma música eletrônica que converse mais com os brasileiros, do mesmo jeito que a gente tem um rock brasileiro que conversa com os brasileiros.
Eu queria ter uma música eletrônica que fosse menos cultura cópia e mais identidade. Meio que como o Gui Boratto fez. O Gui Boratto não soa como ninguém.
Agora mesmo, eu estava fazendo esse curso na França e um francês veio me dizer: “Nossa, pra mim, o Gui Boratto é tão foda, você é amigo dele?”. Claro que eu conheço. “O cara é maravilhoso”. Então ele é reconhecido mundialmente e ele fez uma coisa da cabeça dele. Até ele foi mal entendido no começo aqui no Brasil. Só depois de fazer sucesso lá fora que ele foi reconhecido. E eu espero que com o Ganzá a gente possa ajudar a criar uma ponte para que a música eletrônica do Brasil possa fazer sucesso aqui no Brasil, sem depender de ir pra fora. Ir pra fora seja uma consequência. É um sonho, vamos tentar, não sei se a gente vai conseguir.
Tem muita cópia no Brasil ainda?
Cultura cópia? Existe, claro. O rock brasileiro no começo dos anos 80, ele era muito cultura cópia, sempre tinha um riff roubado dali, sem ser plágio, mas muitas ideias, uma soava meio Police, outra soava meio The Beat. Acho que na música eletrônica, no Brasil, acaba acontecendo isso um pouco, vai um pouco em cima do Jaime Jones, um pouco em cima do Ten Walls.
E é natural porque se você é uma pessoa de muita personalidade e não tem por onde você ir, então você acaba tendo que fazer um pouco disso, não um cover, mas um semi-cover, para você poder aparecer. É a possibilidade atual. Pra você mudar isso, tem que mudar a cena. Faltava um agente catalisador e eu espero que a gente possa ser.
O que você canaliza no VCO Rox o que você não pode fazer como produtor?
O VCO Rox antes de tudo é uma diversão maravilhosa, primeiro porque esse é um projeto que eu tenho com a DJ Paula Chalup e a Paula tem essa parada que nem eu tenho, a Paula não pensa pra tocar, a Paula toca, como o Mau Mau toca, como o Marky toca, o Julião toca, o DJ olha pra pista e sai tocando, não tem planejamento.
Não tem aquela história de que o cara em casa fala, primeiro eu vou tocar tal faixa, depois a outra, depois a outra, aquele set meio ensaiadinho. Não, vai olhando e vai tocando, como o Richie Hawtin toca, o Ricardo Villalobos É aquele caso em que se é DJ por doença.
Qualquer festa ele vai lá, dá licença, posso tocar? O cara gosta de tocar, o cara quer tocar. A Paula faz isso perfeitamente, eu já não sei. Eu sou um cara que estou sempre produzindo. Então, eu sempre penso em ideia musical.
A gente costuma ter um começo que se repete e demora uns cinco minutos, só pra chegar. Depois disso, meu amigo, a Paula sugere uma batida, um pedaço de música, e eu começo a fazer coisa em cima. Em cima do que eu estou fazendo, ela já começa a pensar em outra coisa e eu em outra, aí vai indo.
Por causa disso, a gente começou a ter ideia de fazer música também. A gente fez um EP pelo selo da D-Edge no ano passado e agora nós vamos lançar um EP colaborativo com o Anhaguera, que é um dupla de de Ribeirão Preto, com vocais do Xis, que abre uma série de EPs do Ganzá. Uma série de EPs colaborativos em que a gente vai juntar gente diferente fazendo colaborações.
Já estamos fazendo o segundo, mas eu não quero falar ainda. Mas o segundo vai ser uma porrada. O primeiro foi meio cobaia, mas é uma música legal, vai ser divertido. E a segunda é uma doidera. Então, esse é um jeito de catalizar a cena, você juntar pessoas, sempre com vocais que nunca trabalharam. Você faz a pessoa sair um pouco da sua caixinha. Eu acho que isso agora vai acontecer muito. Tá todo mundo vendo o que tá rolando no mundo inteiro por que não começar aqui também.
Eu não sou contra a cultura cópia, eu sou a favor da antropofagia. Se você quiser engolir e regurgitar uma coisa que é influenciada mas tem a sua cara, tudo bem. Um canibalismo cultural eu acho bom. É uma coisa que está rolando lá fora e que a gente vai fazer com essa série. Pra complicar e pra ser divertido. O que vai sair? Às vezes, vai sair bom, vai sair ruim e nós vamos se divertir com isso, movimentar, sair do óbvio.
O fato de a MPB ter sido tão grande, Gil, Caetano, Chico, Tom Jobim, João Gilberto seram tão grandes causou um problema para a geração que surgiu depois, de comparações?
Eu acho que não causa problema nenhum, são épocas diferentes, sociedades diferentes. Se a gente falar, por exemplo, nos anos 1960, teve um grande agente catalizador para a MPB, que foi a TV Record. A TV Record apoiava e colocava a MPB na televisão absurdamente o tempo todo quando a TV Record era líder de audiência. Por isso que ficou tão popular. É aquilo, daquele tempo, era isso. Naquela época não existia rede de televisão, então, era um fenômeno São Paulo-Rio, que depois foi se espalhando, mas era basicamente Rio-São Paulo.
Caetano Veloso, Gilberto Gil tiveram que vir morar em São Paulo, é meio quando o artista muda, eu vou morar em Berlim. Não existia rede de televisão, não existia DDD no telefone, o DDD no telefone começou nos anos 70. Hoje é uma outra época. E o interesse das pessoas era outro.
Como se tinha menos coisas para se fazer, a música era mais importante na vida das pessoas. Hoje a música é importante? É, mas ficar mandando foto pelo Whatsapp, também é importante, ou mesmo mandar mensagem de voz, ocupa o tempo das pessoas. Sem falar de Facebook, Snapchat, as pessoas fazem um milhão de coisas e também ouvem música.
E como concorrer com isso? Nenhum problema. E para fazer uma música ser ouvida? As músicas são ouvidas. Mas elas são de maneira diferente. Porque antes você tinha um meio de comunicação de massa, que ele impunha a música.
Hoje, ainda existe isso, mas é bem menos, então, as pessoas ouvem coisas diferentes. Elas não são obrigadas a ouvir todas a mesma coisa. Esse conceito de que ah, sucesso é aquilo que tá todo mundo ouvindo, é uma coisa demais do século 20, século 21 não precisa ser assim.
O Garota Nacional foi tocado no Brasil até que ninguém mais aguentou a música, mas é por que as pessoas tinham menos acesso. No máximo uma MTV e alguns poucos canais a cabo. Hoje com a internet bombando, todos os serviços de assinatura, por que você vai ouvir a mesma música? É uma outra sociedade é uma outra relação com música.
Isso também implica em novos negócios, o branded content no clipe da Beyoncé, ela para a música e bebe uma Pepsi.
Não tenho nada a dizer, cada um faz o que quer. Eu não sou contra nada, eu acho que cada um faz do jeito que quer. Por exemplo, eu não sou contra sertanejo, eu não sou contra música hipercomercial, eu acho que as pessoas estão todas trabalhando. Eu me dou ao direito de não querer ouvir, eu gosto de ouvir o Roman Fluegel, que é um cara que fez um álbum maravilhoso. Eu não vou parar pra ouvir a Anitta, mas não é porque eu não vou ouvir, que eu não vou respeitá-la, ela tá aí, trabalhando. Eu tenho respeito, o público dela tá aí. Música é isso.
Se o cara quer botar Pepsi, se o público dele gostar, quem sou eu? É uma maneira de viabilizar aquilo. Claro, nós mesmos, a Pepsi de uma certa forma é da Ambev e a Skol está com essa ação com os nossos selos. São músicas que estão buscando apoio de empresas.
Tem várias outras empresas que estão apoiando músicas, das mais variadas formas. Isso por que a música tem uma capacidade fantástica de comunicação? Basta você ver a relação YouTube com música, que grande ela ficou. Hoje, é o principal canal de música no mundo, talvez isso queira dizer alguma coisa. Não teve a história, os dez vídeos mais assistidos do YouTube eram todos clipes, quando se dizia que o clipe tinha morrido? É sinal que a música ainda é muito forte.
O que se confunde é querer comparar a indústria fonográfica do século 20 com esse momento agora. O meio de comunicação de massa acabou, então, a divulgação de música pelo meio de comunicação de massa é importante, mas não como era. Principalmente na idade de 12 a 17 anos, eu diria, as pessoas ainda veem muita TV, ouvem muita rádio. Depois, elas entram na faculdade e começam a mudar.
Se você tivesse que definir sua missão na música, o que você diria?
Eu costumo dizer uma frase, que eu digo que é uma frase idiota, mas ela é muito verdade. Minha missão quando eu trabalho com um artista é fazer ele chegar em um lugar em que ele não era capaz de imaginar que ele seria possível. Quando ele entra, ele não consegue enxergar lá, eu tenho que enxergar, sempre tenho que fazer o negócio ir muito além. Isso não quer dizer ser grande, isso pode dizer ir além para ser mais underground, ir além no que ele for forte. Aí a minha missão está cumprida. Nem sempre dá, nem sempre é possível, pelos mais variados fatores.
Uma coisa muito importante quando você vai fazer um disco, é entender o repertório. Se você vai lançar dez faixas, é bom você ter 15, 20. Se você vai lançar três, tenha umas sete. Não precisa produzir até o fim, mas pra você entender das sete quais realmente, naquele momento, se torna importante pra sua carreira. Então, é sempre bom ter mais. Eu adoro trabalhar com compositores, pessoas que compõem por compulsão, compõem porque são duentes, que precisam compor. Você vai lá, o cara tem 60 músicas, pra escolher dez. Aí, é lindo. Ele mesmo das 60 já escolhe umas 20, das 20 você escolhe dez, aí fica bom, o negócio tem qualidade.
É que existe um diferença entre música e disco, a ordem das faixas conta uma história, acaba sendo como um filme?
O álbum é meio um longa e um EP seria um episódio de seriado. Atualmente, episódio de seriado tá melhor que longa, segundo o próprio Jack Nicholson. Eu, por mim, posso dizer também, o Breaking Bad ficou né? Eu tenho por mim que hoje as pessoas não têm mais tempo de escutar um álbum inteiro, a não ser de artistas que realmente eles seguem. O tempo que elas reservam pra música, é o tempo em que você vai dar uma viajada de cabeça, você vai botar aquele álbum que te interessa. E para cada um interessa uma coisa diferente.