O disco de Saulo Duarte e A Unidade não se chama Quente à toa. Aos 27 anos, Saulo, que venceu o Prêmio da Música Brasileira este ano, é um dos caras mais legais da nova música brasileira. Curumin, Russo Passapusso e Anelis Assumpção estão bem ligados nisso e o chamaram pra tocar com eles.
Cantor e guitarrista, nascido no Pará, Saulo se mudou para Fortaleza aos 13 anos e aos 20 se mudou pra São Paulo. “O Quente, é muito ligado ao Brasil amazônico e ao Norte do país, que dialoga ali com a Colômbia, o Equador, com a América Latina. Mas o próximo pode vir totalmente contemporâneo, totalmente ligado com São Paulo, que é a cidade em que eu moro”, disse o futuro astro ao Virgula, quando a gente se encontrou após seu show no Vento Festival, em Ilhabela, no meio de julho.
Ouça Saulo Duarte e A Unidade
Você tem em você uma questão do Brasil bem particular, você é paraense, mas foi ainda adolescente pra Fortaleza, você acha que isso aparece na sua música de que maneira?
Saulo Duarte – Ser filho do Brasil é isso. Às vezes, você é de Rio Branco e nasce pra fazer forró, que é do outro lado. A música é um assunto subjetivo, é meio uma nuvem de inconsciente coletivo e o Brasil goza de um inconsciente coletivo gigantesco. Isso é maravilhoso. Porque é um país continental, onde você pode se apropriar do vanerão do Rio Grande do Sul e dizer que é seu sendo do Mato Grosso, que é o meio disso tudo.
Eu tento me apropriar disso com o máximo respeito, pra não dizer também que eu tenho propriedade pra falar naquele assunto. Mas eu também tenho propriedade de ser brasileiro e de poder dialogar com isso, transitar livremente porque isso é o meu país. Isso eu tento agregar da forma mais positiva possível.
Nosso segundo disco, o Quente, é muito ligado ao Brasil amazônico e ao Norte do país, que dialoga ali com a Colômbia, o Equador, com a América Latina. Mas o próximo pode vir totalmente contemporâneo, totalmente ligado com São Paulo, que é a cidade em que eu moro. Eu tento me aproveitar positivamente disso que você tá falando, de ter nascido em um lugar, ter morado em outro.
Você tá em São Paulo há quanto tempo?
Saulo – Há sete anos.
E você já se sente em casa?
Saulo – Muito, mais que em qualquer lugar. É impressionante porque é uma cidade em que concatena muitas ideias e objetivos em comum. Eu sinto que em São Paulo é uma cidade que coroa as relações, essa coisa da arte subjetiva, de você trabalhar com música, artes plásticas, artes cênicas, fotografia, jornalismo, que também é uma arte.
É a sexta maior cidade do mundo. A informação circula de uma forma muito livre e muito rápida. Eu tento me nutrir de tudo isso que São Paulo me dá, que são as relações, as pessoas, que acabam te dando a oportunidade de mostrar seu trabalho, de falar com mais gente, de estar aqui na Ilhabela, de estar conversando aqui com você, a partir do momento em que existem muitos mais veículos de propagação de informação, para as coisas que quero dizer.
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Você toca com o Russo Passapusso. O pessoal te chama bastante pra projetos, como é esse lance. A própria A Unidade praticamente é a banda de apoio de alguns artistas, principalmente da YB…
Saulo – A música te permite essas relações, você mergulhar nisso, você ter a necessidade de conhecer alguém tocando, porque você vai ter aquele show e a coisa que te obriga a estar no tête-à-tête, conhecendo aquela pessoa e dizendo, “ó, cara, vamos fazer dó menor ao invés de dó maior, vamos fazer 4 por 4 ao invés de 3 por 8”, é maravilhoso. Eu só tenho a agradecer, eu trabalho com Curumin, Russo Passapusso, Anelis Assumpção, artistas que eu admiro bastante, isso me deixa muito honrado de estar nesse time.
E a banda eu fico mais feliz ainda de ver que os meninos estão conquistando esse espaço que eles realmente são uma banda maravilhosa no sentido de acompanhar artistas.
Com quem eles estão tocando atualmente?
Saulo – Nós temos um projeto que se chama Massa Rara, que é o mesmo núcleo do A Unidade, e que toca com muita gente, com Alex (Tea), um cantor dos Estados Unidos, quando ele vem, nós fazemos com ele. A gente toca com um MC angolano chamado Pitchu, que a gente lançou o disco dele e faz com ele. A gente fez a banda de apoio do Victor Rice, que ele tem a banda dele, maravilhosa, a gente fez a Marietta Vital, que é a Massarock.
Filha do Guilherme Arantes…
Saulo – Exatamente. Ela tem um trabalho de reggae maravilhoso. A gente fez com a Laylah, uma menina do reggae de São Paulo, com Daniel Groove. Muitas coisas que aconteceram ao longo desses sete anos e a gente não se omite, a gente se alimenta de música.
Vocês já estão pensando em novo disco?
Saulo – Estamos. A gente escreveu em certos editais, então essa coisa faz com que você tenha que agilizar o processo. A gente já tem seis, sete canções de um disco que a gente quer fazer com nove, então, já estamos muito confortáveis com esse novo repertório. Aí, o final desse ano vai ser pra pra testar tudo isso, ir pra estúdio, tocar livremente, sem compromisso. Tocar, simplesmente.
Como é que vocês compõem?
Saulo – Geralmente, eu trago muita coisa que eu gosto, dos recortes que eu quero de letra. Letra eu sempre trago já pronta porque é muito uma coisa que eu quero dizer. Eu trago essa fotografia pra galera e a galera bota os filtros, digamos assim. Porque eu trago aquela fotografia daquela letra, daquela harmonia, mas se vai ser um reggae, um samba, um rock, eu gozo dessa liberdade, de realmente poder deixar na mão da galera que trabalha comigo.
Eu também tenho essa liberdade e gosto de levar uma coisa uma coisa ou outra para um caminho, de dizer, olha, isso é um reggae, isso é uma cúmbia, isso é outra coisa. Mas, acima de tudo, eu gosto de deixar o Brasil dizer o que é a canção. Nisso, os meninos sempre me ajudam, a gente tem sido feliz.
Saulo Duarte no Spotify
Em que momento da sua vida você soube que seria músico?
Saulo – Faz tempo, com 12, 13 anos de idade eu tinha uma guitarrinha, meio que de brincadeira, mas eu já dizia pra minha mãe, eu vou tocar, eu vou ser músico, eu vou brincar com essa coisa a sério. E aí é engraçado porque eu lembro disso. É mais ou menos daí que eu costumo dizer que eu tive coragem de dizer que eu ia ser isso, que eu ia trabalhar com isso, que eu ia assumir isso aí pra mim, sabe?
E músico profissional mesmo?
Saulo – Com uns 17, há uns dez anos. Eu compunha desde os 14, 15, essa coisa de dizer o que eu quero, do meu jeito.
Você saiu do Pará com que idade?
Saulo – Com 13. Eu fui pra Fortaleza e lá em Fortaleza esse processo de mudança foi significativo pra mim no sentido de escrever, pensar e dizer, ah, eu também sou protagonista, eu também posso contar história do meu ponto de vista. Isso tudo me fez enxergar como um modo de também desaguar as coisas que eu sinto.
A música serve pra gente como um psicólogo, como eu não tenho um analista pra desaguar as coisas que eu sinto, eu digo na música. E quando eu vejo que eu tô no palco e tem gente entendendo o que eu tô falando o que eu tô sentindo, as mazelas que eu tô vivendo, eu me realizo, tá tudo certo. Eu vejo que a galera tá no sofrimento igual. Eu sou aquele povo e aquele povo sou eu. Se a gente tá realizado, tá dizendo o que quer, tá pleno. Eu procuro estar sempre assim, pleno, 100% no lugar que eu tô.
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Créditos: Caroline Lima