Roger Waters apresenta The Wall ao vivo no Morumbi - São Paulo, 01/04/2012


Créditos: Divulgação/T4F

Desde que Roger Waters, ex-Pink Floyd, estreou a turnê The Wall Live em 2010, muito se leu, viu e ouviu sobre a megalomania e a perfeição milimétrica do espetáculo. A iluminação magnífica, o som impecável, e claro, o famoso muro, erguido “tijolo por tijolo” durante o show, antes de ser derrubado. Mas não importa o quanto você sabe sobre a performance; é simplesmente impossível não se surpreender e não deixar o queixo cair durante as quase 2 horas e meia de apresentação. Para as milhares de pessoas que lotaram o estádio do Morumbi neste domingo (1º), em São Paulo, não foi diferente.


The Wall, o disco, narra a saga de Pink, um jovem que cresceu oprimido por um rígido sistema de ensino, protegido por uma mãe excessivamente zelosa, e saudoso do pai, morto em guerra. D
esequilibrado por um casamento falido, Pink torna-se uma estrela do rock que, perdido entre conflitos externos e internos, constrói um muro psicológico para escondê-lo da realidade.

Lançado originalmente em 1979, o disco se tornou – além de um marco na música popular – emblema do ativismo político de Waters, admirador público da arte usada como manifesto social. The Wall com certeza não é um disco simples de ser absorvido, sentido, compreendido; mas é aí que o espetáculo apresentado nesse domingo entra em ação.

Em São Paulo, a exemplo do que ocorreu em Porto Alegre (28) e Rio de Janeiro (29), The Wall Live instigou reflexões, gritos, palmas e sorrisos em fãs de todas as idades. O show começa com a clássica In The Flesh?, que impressiona imediatamente com belíssimos fogos de artifício e a explosão de uma réplica de um avião de guerra, que desaparece em uma enorme bola de fogo após chocar-se com o muro.

Quando o público começa a entender a magnitude da performance a que assiste, The Thin Ice dá lugar à tensão de Another Brick In The Wall, Pt. 1, recebida efusivamente. Como no álbum, a próxima é The Happiest Day Of Our Lives, seguida diretamente por um dos maiores sucessos do grupo: Another Brick In The Wall, Pt. 2.

Um boneco inflável gigante dá vida ao professor abusivo que provoca a ira de Pink, sem dúvida um dos grandes momentos do show. É o trecho mais “brasileiro” do concerto; além do coro formado por crianças da Escola de Música da Rocinha, é nessa hora em que Waters homenageia o brasileiro Jean Charles de Menezes, morto pela polícia londrina em 2005 após ser confundido com um terrorista.

Pela primeira – e única antes do fim do espetáculo – o show para e Waters interage com o público. “Estou muito feliz por estar aqui”, se declarou com um português arrastado. “Quero dedicar este concerto a Jean Charles de Menezes, à sua família e a todas as vítimas do terrorismo de Estado em todo o mundo. Quando escrevi [The Wall], pensei que era sobre mim, sobre meu pai, mas hoje percebo que é sobre nós. Sobre todos nós”.

Armado com um violão, Roger dá a deixa para a belíssima Mother, outro clássico inquestionável da discografia do Pink Floyd. Após o verso “Mother, should I trust the government? [Mãe, eu devo confiar no governo?], o telão dá a resposta em letras vermelhas garrafais, com português agressivo: “NEM F**ENDO“.

O tom político segue em Goodbye Blue Sky. Uma animação mostra bombardeiros despejando, em vez de bombas, cruzes, foices, martelos, estrelas de Davi, cifrões, e marcas de empresas ligadas à exploração de petróleo. Mesmo composta há mais de 30 anos, a narrativa de The Wall a todo momento é trazida para o século XXI, citando tragédias recentes e apontando incessantemente o caráter consumista da sociedade atual.

O muro vai se fechando faixa por faixa, nota por nota, e é selado ao som de Goodbye Cruel World. Durante um intervalo de 20 minutos, o muro transformado em telão exibe imagens de pessoas de diversas idades, nacionalidades e motivações políticas mortas em conflitos armados, e enquanto parte dos presentes corria de volta dos bares e banheiros espalhados pelo estádio, o show recomeçou com Hey You.

Neste momento, apenas Waters é visto pelo público, enquanto a banda toca escondida por 424 tijolos unidos em um paredão de 137 metros de largura por 11 de altura. Em Nobody Home, parte do muro dá lugar a uma imitação de quarto de hotel, em que o músico canta sentado em uma confortável poltrona enquanto finge assistir TV.

Após o emocionante hino antibélico Bring The Boys Back Home, a plateia é levada ao êxtase com uma versão incrível de Comfortably Numb, que apesar de tecnicamente idêntica à versão original, não consegue afastar o fantasma do guitarrista David Gimour – é impossível assitir ao solo da música, um dos mais memoráveis de todas as eras do rock, sem imaginar Gilmour empunhando a inseparável Stratocaster preta que popularizou.

Após uma sucessão de efeitos visuais estonteantes, o show entra na reta final, com a banda executando The Show Must Go On em uniformes militares. Em In The Flesh e Run Like Hell, Waters incorpora a ilusão de Pink, que passa a se apresentar como um ditador implacável. Um porco inflável, controlado por controle remoto, passeia sobre a plateia carregado por mensagens políticas, com destaque para uma frase que arrancou muitos aplausos da plateia brasileira: “O novo código florestal vai matar o Brasil”.

Waiting For The Worms e Stop abrem caminho para a impactante The Trial, o duelo final entre Pink e o muro. O estádio praticamente todo atendeu aos apelos de Waters e entoou o verso “Tear down the wall!” [Derrube o muro!, em português], e com um forte impacto, os tijolos brancos desabaram, uns por cima dos outros.

Sorridentes, os integrantes da banda subiram à frente dos tijolos, liderados pela grande estrela da noite. Waters agradeceu ao público paulista e puxou uma versão dispensável da tradicional Ole, Ole, Ole, que cativou a empolgada plateia, antes de encerrar os trabalhos com a sutileza de Outside The Wall.

No fim das contas, o sentimento era um só: quem viu The Wall de perto, viveu um dos espetáculos mais bem feitos do show-business. Quem não viu, tem duas opções: encontre uma forma de assistir à segunda apresentação de Roger Waters no Morumbi – nesta terça-feira (3), com ingressos quase esgotados – ou bote The Wall para rodar em casa e apele para a imaginação. Mas um alerta: ainda assim, dificilmente será a mesma coisa.

Set list:

Parte 1
01) In the Flesh?
02) The Thin Ice
03) Another Brick in the Wall, Part 1
04) The Happiest Days of Our Lives
05) Another Brick in the Wall, Part 2
06) Mother
07) Goodbye Blue Sky
08) Empty Spaces
09) What Shall We Do Now?
10) Young Lust
11) One of My Turn
12) Don’t Leave Me Now
13) Another Brick in the Wall, Part 3
14) The Last Few Bricks
15) Goodbye Cruel World

Parte 2
16) Hey You
17) Is There Anybody Out There?
18) Nobody Home
19) Vera
20) Bring the Boys Back Home
21) Comfortably Numb
22) The Show Must Go On
23) In the Flesh
24) Run Like Hell
25) Waiting for the Worms
26) Stop
27) The Trial
28) Ole, Ole, Ole / Outside the Wall


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Com espetáculo indefectível, Roger Waters deixa São Paulo de queixo caído

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