Foi das coisas mais lindas que alguém já fez por mim, na madrugada de natal me ligou bêbada e deixou um recado na caixa-postal cantando. Nunca a ouvi cantar antes e sua voz infantil e estridente foi o mais belo presente.

No outro dia ela mandou um torpedo pedindo desculpas e nunca mais nos falamos nem nos vimos. Quantas pessoas existem dentro de uma só pessoa? Qual delas eu amei? Qual delas me amou? Foi assim que saí de férias. Me isolei numa vila no Sul da Bahia durante dois meses. Fui enfrentar meus demônios. Alguns eu venci, outros fugiram pro mato e estão à espreita. Eu também os espero e eles sabem que sou duro na queda !

Esse tempo todo passei sem ver tv nem li jornal algum e confesso que me fez muito bem… ou melhor: não me fez falta alguma.

Grande parte das pessoas são realmente muito rasteiras e é o que faz desse belo mundo um lugar difícil pra se viver. Mesmo lá, um cantinho paradisíaco, pude encontrar toda espécie de iniqüidade humana. O que me fez ter a certeza que a felicidade é uma capacidade e não um estado de espírito. Numa beleza tão exuberante como naquela existem tantas figuras tristes em si. Um retrato microcósmico da nossa selva-de-pedra em meio a uma reserva ecológica com todos seus bichos: fofoqueiros provincianos, traficantes, empresários desonestos e comerciantes exploradores de nativos. Há também espécies inofensivas como o pseudo-poeta ou poeta-light. Uma mutação de filhinho-de-papai. Só que fashion, neo-hippie, tecnicamente falando.

Vejam só: Vladimir Maiacovski foi dos maiores poetas de todos os tempos! Maiacovski pegou em arma e lutou pela revolução Russa. Bebia até cair e invariavelmente arranjava uma briga no final da balada. Maiacovski era mulherengo e habitué dos prostíbulos de São Petersburgo.

Ele escreveu: “Ó delicados! Vós que pousais o amor sobre ternos violinos ou, grosseiros, que pousais sobre os metais! Vós outros não podeis fazer como eu, virar-vos pelo avesso e ser todo lábios!”

Maiacovski não era chegado em saraus, era chegado em surubas!

Pobre de nós! Hoje em dia além do café descafeínado, da coca diet, temos o poeta-light!
Mas conheci pessoas legais também… Nativos, funcionários, índios pataxós, alguns vizinhos e turistas de passagem.

Nasci de novo quando tentei atravessar à noite o Rio Caraíva na maré vazante. Meu segundo aniversário é 6 de janeiro.

E tive uma experiência mística! Em agosto do ano passado eu matei, a contragosto, a pedido dos vizinhos, uma jararaca-açú em frente à minha casa. É uma jararaca maior e mais venenosa. Guardei-a num vidro mergulhada em uma cachaça que outra jararaca (essa com duas pernas) deixara em casa.

No 13ª dia, do sétimo ano deste século eu a bebi. Coisas estranhas aconteceram. Perdi a consciência, passei dois dias em estado alterado e coração disparado! Queimei muita coisa do meu passado. Hoje sou outro homem. Sou um homem melhor… e mais perigoso!
Sou o homem-cobra!


Nasi é vocalista do grupo Ira!, são-paulino fanático e colunista do Virgula
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Coluna do Nasi - O Homem Cobra

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