Chico César

Chico César

Chico César andou sumido da mídia e o motivo foi a política. O autor de hits como Mama África e Pensar em Você passou seis anos na Paraíba, como gestor público na área da cultura. Estado de Poesia marca o fim do silêncio do músico de 51 anos. Se por um lado, traz um lado romântico, de outro traz músicas  sobre a ocupação de terras e uma homenagem a Santos Dumont, Alberto, em que trata sobre a dificuldades que os gays enfrentam em se declarar homossexuais dentro da sociedade patriarcal e heteronormativa.

“Falo do desejo de libertação de Santos Dumont, que dizem à boca pequena ter sido homossexual, voar ‘alado qual borboleta’ para ir mais perto de Deus. Um pai não repressor. Ele acabou se matando. E falo do desejo de Torquato Neto pela vida em seu poema ‘Quero Viver’ que musiquei. E ele acabou se matando também”, afirma o cantor e compositor ao Virgula.

Veja comentário de Chico César sobre a música Alberto

O álbum, que tem produção do próprio Chico, em parceria com Michi Ruzitscha, está disponível para download gratuito em www.naturamusical.com.br. Leia nossa conversa com o filho ilustre de Catolé do Rocha.

Nesse tempo em que você ficou sem lançar discos, o que sente que mais mudou no mercado?
Chico César – Bem, eu trabalhei em loja de discos quando era criança e adolescente na minha Catolé do Rocha, no sertão da Paraíba, nos anos 70. E vendia vinis e fitas cassete. De lá pra cá, a impressão que tenho é que mudou quase tudo – e, nessa última década, mudou para melhor no sentido do acesso a quem gosta de música, a quem quer ouvir música. Nessa mesma direção também considero que foi maravilhosa essa abertura através de equipamentos digitais e da internet para gravar e distribuir música.

Ficou mais fácil, menos controlado. Eu gosto de descontrole. É melhor do que o controle na mão de poucos pois isso impunha gostos uniformes, padrões e o filtro pelo que o mainstream considera comercial era muito drástico e castrador. Agora qualquer um pode. Ficou difícil chegar em todos os lugares mas mais gente pode chegar em algum lugar. Isso é bom. E há maior proximidade entre artista e púbico, relação direta.

Quais foram os pontos que te trouxeram mais satisfação e frustração no papel de gestor público?
Chico César – Criar a Secretaria de Cultura de meu Estado, criar uma aresta entre o mercado de entretenimento com suas imposições e a necessidade de políticas estruturantes com a decisão de não pagar contratar sertanejos nem “forró de plástico” nas festas juninas, tornar paritário Estado/sociedade civil o conselho de cultura, criar o Programa de Inclusão através da Música e das Artes (um programa de aprendizado da música inspirado no El Sistema da Venezuela) que já resulta na criação de 14 novos núcleos orquestrais espalhados pela Paraíba, tornar a Paraíba Estado convidado na Virada Cultural Paulistana há dois anos. Tudo isso me deu muita alegria mas a maior alegria mesmo foi voltar a viver em meu lugar de nascença, revê-lo e de alguma forma tentar dar minha contribuição para seu desenvolvimento e sua visibilidade.

Considera que neste seu retorno sua música tenha se tornado mais politicamente engajada?
Chico César – Não, não considero. Volto até mais leve, mais amoroso, apaixonado. O disco reinvidica o lúdico, o sonho.

Ouça Da Taça:

Que nomes da nova geração mais gosta e indica?
Chico César – Dani Black (de São Paulo), Ian Ramil (do Rio Grande do Sul), Luiz Gabriel Lopes e Leopoldina (de Minas Gerais), A Troça Harmônica e Seu Pereira (ambos da Paraíba – Seu Pereira inclusive participa de meu disco), Pietá (do Rio de Janeiro), Kristal (do Rio Grande do Norte), Alberto Salgado e Danielle Bonfim (de Brasília). Vixe! Há tantos e tão bons…

Que dica daria para um músico iniciante?
Chico César – Aproveitar o anonimato para experimentar e fazer disso, desse certo descompromisso, um hábito. A gente está sempre começando e devemos manter sempre esse espírito. Pra conquistar público é necessário se apresentar com certa regularidade, mesmo em espaços pequenos, saraus, barzinhos, tetaros de fundo de quintal. E cada vez fazer como se fosse Woodstock, Carnegie Hall, a Ópera de Viena. Suar a tanga, expor-se sem reservas. E tentar pegar os contatos do público nesse começo, de cada pessoa, para poder convidá-los numa próxima.

Em que momento da vida soube que seria músico?
Chico César – Acho que ainda era menino, com uns 8 anos de idade, e me via cantando pela estrada pois morava na zona rural. Eu cantava Fru Fru Manera, de Fagner e me emocionava, me comovia. Aí já fui chamado para entrar num grupo de meninos que se chamou Super Som Mirim. Era como se fôssemos uma banda de baile, só que os microfones eram de cabo de vassoura e os fios eram de fitilhos, desses que os Irmãos Campana usam naquelas cadeiras de inspiração nordestina, as guitarras era de madeira com cordas de náilon que não faziam nenhum som, os batuques e tumbadoras eram latas de tinta sem o fundo e com pele de animas. Só a bateria tinha som e era feita de compensado, também com pele de animais. E a voz, claro, também tinha som.

Quem são seus heróis musicais?
Chico César – Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, João do Vale. São todos homens negros nascidos no interior do Nordeste e que se fizeram universais pela música.

Em seus discos você sempre fala das questões sociais. No novo disco Estado de Poesia, você aborda a ocupação de terras e da dificuldade dos gays em se declarar homossexuais . Qual a tua percepção sobre esses temas?
Chico César – Falo do desejo de libertação de Santos Dumont, que dizem à boca pequena ter sido homossexual, voar “alado qual borboleta” para ir mais perto de Deus. Um pai não repressor. Ele acabou se matando. E falo do desejo de Torquato Neto pela vida em seu poema “Quero Viver” que musiquei. E ele acabou se matando também. Em Reis do Agronegócio, longo e belíssimo poema de Carlos Rennó em que pus melodia, falamos da ocupação da Terra-mãe pelos seus destruidores ávidos de lucro e ganância. A terra inteira tornada latifúndio envenenado.

O disco conta com letras de um certo brilho nos olhos, quando o assunto é o amor. Como está o coração de Chico César?
Chico César –  Apaixonado, fisgado. E gostando disso. Ê vida boa!

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Créditos: Marcos Hermes/Divulgação

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Chico César faz homenagem a Santos Dumont em música sobre opressão a gays