Recuperar o DNA africano da cultura brasileira para construir a identidade do país é a ideia da cantora paraibana Socorro Lira e da moçambicana Lenna Bahule, que junto ao rapper RAPadura, reivindicam uma volta às origens africanas no último disco de Lira.

“A África é a mãe, é o regaço”, sentencia a compositora de Brejo do Cruz (PB), Socorro Lira, que apresentou no último final de semana “Os sertões do mundo”, seu 11º trabalho fonográfico e o primeiro para internet, em um show em São Paulo onde atendeu à Agência Efe.

Lira lembra que em sua primeira viagem ao continente africano, onde visitou Moçambique, Gana e África do Sul, um jornalista se interessou pelo que os brasileiros sabiam da música moçambicana: “Não sei praticamente nada”, reconheceu Lira à época, que completou sua resposta: “mas estou aqui para conhecer”.

Bahule, nascida em Maputo, a acompanha na reflexão e considera que essa colaboração musical na qual ela acerca suas tradições, representa um “reencontro” do Brasil com seu país africano.

“É um reencontro trazer gente da África, vejo que há coisas semelhantes e outras coisas que me lembram a minha terra”, opinou Bahule, que além disso assegura que “o que forma a cultura afro-brasileira é tudo que vem dos países africanos que foram colonizados pelos portugueses”.

Para Lenna Bahule, “Portugal, querendo ou não, acabou sendo ponte” entre o Brasil e os países africanos lusófonos.

Lira, que classifica como “fundamental” o idioma que compartilham, concorda e, embora lamente que as “inúmeras línguas próprias” dos países ficassem enfraquecidas com a colonização portuguesa, pede “dar bom uso” do que “une” todas essas nações.

“Através da língua temos a música, a literatura”, continuou Lira, que se mudou para Moçambique, Gana e África do Sul para buscar “a canção e a poesia” e onde encontrou o poeta moçambicano Mia Couto, que lhe “emprestou” os versos que “musicaliza” em seu EP, Poema Didático.

O Brasil é, para Lira, um país “de muitas contradições, extremamente preconceituoso” e com mentalidade “escravista” embora reconheça muitos “movimentos e iniciativas de superação”.

Para Bahule, que vive em São Paulo há quase um ano e meio, o país atravessa uma fase de “indecisão” na qual “tenta se encontrar”.

“É o país mais multicultural que conheço, só em São Paulo há italianos, portugueses, argentinos, paraguaios, africanos, de tudo”, comentou a moçambicana, que diz que o país tenta “se encontrar” no meio de todas essas “manifestações e influências culturais”.

Por outro lado, Bahule contou que Moçambique “é um país bastante subdesenvolvido, principalmente em nível cultural” embora esclareça que essa visão depende do prisma do qual se veja o cenário: “Se olhamos pelo lado tribal e rural é uma cultura que tem muito movimento”.

Por sua vez, a africana se queixa de que a indústria musical não existe em Moçambique e que o pouco que há do setor se localize “apenas em Maputo, vinculado às grandes empresas”, mas acrescenta que de um tempo pra cá está se “fomentando a cultura própria”.

“Tive que sair de Moçambique para perceber que há movimentos culturais, temos festivais que mobilizam todo o país, culturalmente está acontecendo algo, temos material e somos criativos”, comemora.

Além disso, a busca das origens é compartilhada pelo rapper Xique-Chico conhecido como RAPadura, que deve seu nome artístico à iguaria, típica no Brasil e na África e que reivindica o “orgulho” da cultura própria.

“Estamos em 2014 e ainda não temos um rap puramente nordestino, que traga as raízes, sempre tivemos influência dos Estados Unidos e de São Paulo”, lembrou o jovem, do Ceará.

Segundo o cantor, no princípio “todo o mundo queria ser paulista, mudava o nome, tinha vergonha e transformava o que era estranho em algo próprio e o que era próprio em algo estranho”.

“Agora estamos nos encontrando, estamos voltando a nossas origens, ao Nordeste”, concluiu.


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Cantora paraibana Socorro Lir volta à África para recriar identidade brasileira

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