É fato de que a música do mundo é maior que a world music.
Mas às vezes, nem os espaços dedicados à música étnica/universal são ocupados
pela cultura popular brasileira. O pesquisador, compositor e produtor Alfredo
Bello, o DJ Tudo, está ajudando a mudar este panorama e no sábado (27), ele
sobe ao lado de sua banda Sua Gente de Todo Lugar ao palco do maior festival de world music do mundo, o
Womad, no Charlton Park, em Wiltshire, Inglaterra.
Teaser do novo disco de DJ Tudo, Pancada Motor – Manifesto da Festa
Criado por Peter Gabriel, em 1980, este ano entre as
atrações estão Gilberto Gil, que faz sua estreia no festival, Arrested Development, Rachid Taha, Rokia Traoré, Alice
Russell e Seun Kuti. São três dias de atrações e workshops divididos em nove palcos.
“A música dos povos do mundo é algo inimaginável de tamanho,
mas o mercado world music é o jeito que foi criado para os europeus receberem e
consumirem música do hemisfério sul ou não europeus”, afirma Alfredo. “Vamos tocar
no palco da BBC, talvez a rádio de maior prestígio no mundo. Eles tem programas de world
music e com alguma frequência tocam minhas produções. Esse ano conseguimos ir
para o festival”, comemora Alfredo, que pretende ver os shows de Osibisa,
Arrested Development, The Reverend Peyton’s Big Damn Band, Rokia Traoré,
Imperial Tiger Orchestra e Ninke.
Osibisa, Sunshine Day
Arrested Development, People Everyday
Rokia Traoré, Sabali
O brasileiro mostrará na Inglaterra uma prévia do seu novo
álbum Pancada Motor – Manifesto da Festa, ouça (aqui). Das 12 faixas, sete são produzidas
pelo lendário produtor Mad Professor e cinco tiveram participação de Dr. Das, fundador
e baixista do Asian Dub Foundation.
Sobre Mad Professor, Alfredo diz que é “uma pessoa fácil de
trabalhar”. “Ele é um grande engenheiro de som e inventou o dub live show, fazer
ao vivo o que sempre foi feitos nos estúdios, fazer mixagem ao vivo. Ele tem
seus aparatos tecnológicos e sua identidade sonora”, afirma.
Capa do novo álbum do DJ Tudo
Em relações às lições aprendidas com o produtor, Alfredo
fala sobre o método dub. “Esse é o segundo disco que trabalho com ele. O que mais
aprendo é a questão da música poder ter
seus desdobramentos. Esse disco tem grande influência do dub como foram de
pensar música. Tem um mesmo loop do Baianá gerou três músicas. Isso é algo bem
interessante da cultura jamaicana de música”, indica.
Ouça Que Bela Macumba
Alfredo conta que Mad Professor se interessa pela cultura
popular brasileira e por sua música por diversos fatores. “Ele acha os ritmos
riquíssimos e gosta das combinações que faço entre esses ritmos e os elementos
modernos, como os sopros e os outros instrumentos. Ele acha esse disco novo bem
africano. Expliquei a ele que os ritmos da Pancada Motor de Alagoas são todos
de origem africana, quer dizer afro-brasileiros”, afirma.
Outro convidado ilustre Dr. Das veio do Asian Dub, grupo que foi muito
importante também nos anos 90 por conectar os sons da cultura indiana com o
drum and bass e toda efervescência da cultura eletrônica. “O Dr. Das
gosta muito de tudo que ouviu da cultura tradicional brasileira. Ele co-produziu
várias faixas do disco comigo e tocou seu baixo poderoso em cinco músicas. É filho
de indianos da cultura bengali e entende a força da cultura de um povo”, diz o
produtor.
Mesmo tendo se tornado o band leader de uma orquestra, Alfredo
explica por que manteve o nome “DJ Tudo”. “Acho que já virou um nome e agora ficou.
Acho interessante ter um DJ sendo líder de um grupo grande de músicos. Mesmo
que a música que toquemos seja acústica tem a importância do universo DJ (digital)
que ajudou a tornar possível a concepção desse trabalho.
Para o músico, há muito do futuro nas culturas tradicionais e
não se trata do discurso de preservar a tradição. “A questão da tecnologia e das tradições está
relacionada com a capacidade dessas culturas conseguirem se ressignificar no
mundo de hoje. O que Chico Science mostrou e que eu acredito é que essas
culturas tradicionais do mundo e não só as brasileiras, têm uma linguagem estética
arrojada e muito contemporânea, o Konono Nº 1 (grupo do Congo que foi
impulsionado por Björk é outro exemplo disso”, cita. “Isso é apenas a questão
de usarmos essas culturas como matrizes para criar música contemporânea, um
conceito modernista”, completa.
Alfredo lamenta, no entanto, que a “cultura popular” ainda
seja invisível no Brasil. “Mesmo que tenhamos uma longa história de criação de
nossa própria música, ainda estamos olhando para outros lugares ou então
requentando músicas brasileiras dos anos 70, 80 etc. Veja como a música brega e
a jovem guarda são importantes influências de artistas que estão agora fazendo
algum tipo de sucesso aqui no Brasil”, argumenta.
Mas, para ele, faltam políticas públicas para a cultura
popular. “Precisamos como nação olhar de verdade para a cultura do nosso povo.
Não apenas surgirem editais. Claro que são avanços e inícios importantes para a
mudança de mentalidade. Mas não existem políticas públicas para as culturas
populares. Essa cultura é o nosso DNA, porém não estamos se relacionando com
ela”, diz.
De origem humilde, Alfredo diz nunca esquecer de onde veio,
mesmo tendo passado por palcos de diversas cidades do mundo e de festivais como
Europalia e Afro Latino, na Bégica, e Festim, em Portugal. “Minha mãe nasceu na
roça de Minas Gerais, passou por muitas dificuldades na infância, meu pai era
mascate nos rios do Pará e depois foi para o Rio de Janeiro. Nasci em Minas
Gerais e fui criado pela minha mãe, sozinha, com certas dificuldades. Morei na
Ceilândia (bairro popular de Brasília) por muito tempo. Porém tive a chance de
contato com literatura e música na minha adolescência, isso me criou uma
perspectiva nova de olhar o mundo e puder ir para a universidade numa época que
eu fui o único de uma turma grande que fez isso”, revela.
DJ Tudo e Sua Gente de Todo Lugar, Baque Forte
“A cultura popular realmente me reconectou com o povo
brasileiro e isso é importante para o meu lado pessoal e influencia muito o
trabalho do DJ Tudo. Sou o líder do meu trabalho, mas estamos gerando algo mais
coletivo e isso vem da cultura popular, além é claro que toda a música que faço
tem inspiração lá”, completa Alfredo.
Além de Mad Professor e Dr. Das, Pancada Motor – Manifesto
da Festa conta com participações do grupo Baba Zula da Turquia, Steven de Bruyn, gaitista belga, Stefane Goldman, guitarrista da França, Alan Bryden, da Escócia,
Tulipa Ruiz, além dos integrantes da banda Sua Gente de todo lugar: Estevan
Sinkowtiz, Mestre Nico, Gustavo Souza, Marcelo Monteiro, Amílcar Rodrigues e
Odirlei Machado, entre outros. O disco será lançado em CD, com um vídeo bônus, e vinil em setembro.
Afro Jam
DJ Tudo, Por um Mundo Melhor