Daniel Peixoto

Desde que surgiu na cena eletrônica underground, há dez anos, com o Montage,  Daniel Peixoto passou de um visual glam e punk rock, em que vestia peças femininas e adotava atitude agressiva a uma espécie normcore, fundamento da moda que resgatou a simplicidade, mas com alguma coisa seapunk das praias cearenses descritas pelo escritor José de Alencar (1829/1877). De quebra, sua barba e cabelão o tornaram parecido com Jesus Cristo.

A música do cantor e compositor também mudou. Seu segundo disco solo, que se chamará Massa e sai em abril, terá acenos à bass music, guetto tech, hip hop, reggae, entre outro gêneros que dialogam com as pistas de dança, sem nunca deixar de ser pop, vocação que parece inata ao cearense crescido no Crato.

Aos 30 anos, bissexual, pai de um menino de 6, Daniel personifica a fluidez sexual dos tempos atuais e defende que a cena gay brasileira só não é reconhecida mundialmente por falta de união. “O Brasil vive um boom muito forte de cantores gays. Se todos os cantores gays se unissem em um trabalho, fizessem um show, uma coisa que fosse à frente, seria uma coisa gigante. São incontáveis os artistas que são assumidos, que falam sobre isso”, argumenta.

“Tudo que deu certo no mundo até hoje foi como cena, como coletivo: Seatle, o punk, o manguebit, samba, bossa nova, tropicalismo, novos baianos, tudo veio de um grupo, de um coletivo. Hoje as pessoas são superseparatistas e não perceberam”, defende Daniel.

Associado a um selo francês, Abatjour Records, ele disse ter ficado em dúvida sobre a tag em que colocaria o disco pra vender, world music ou pop eletrônico. Acabou optando pela segunda opção. “World music pra mim hoje está mais associada ao som que a M.I.A. faz, a Santigold, o Diplo fazem, que é pegar essas referências de guetto tech, mistutar com pop e criar uma nova história”, opina.

Entre os brasileiros que ele vê como big riders dessa onda world music 2.0 ele aponta Omulu, Gang do Eletro, Gaby Amarantos, João Brasil, Jaloo e Zebrabeat.

“Se a minha música é popular e é brasileira, ela é MPB. Agora se MPB for uma pessoa chatíssima, sentada num banquinho tocando violão, ótimo, eu não sou”, brinca, sobre a confusão de estilos.

Com uma década de carreira, sempre na independência, Daniel define sua missão musical como a possibilidade de interferir positivamente na vida das pessoas. “Todo dia eu recebo e-mails, mensagens de pessoas que eu nunca imaginei que tocaria a vida delas dessa maneira, até por meu trabalho ser do underground. Mas quando você lê que, ah, eu estava cheio de problemas e passei em frente ao Centro Cultural São Paulo e vi que ia ter um show teu, entrei e você salvou o meu dia. Ou então um adolescente lá do sertão, do mesmo lugar de onde eu vim, dizendo que não acreditava que ele poderia ser quem ele realmente era que aquilo ia dar certo e que depois que ele conheceu meu trabalho soube que ele poderia se assumir, passar uma maquiagem, mesmo que o pai dele fosse agredi-lo ou renegá-lo”, relata.

“Ou até de gays que querem ser pais e veem a minha história e se identificam. E eles só sabem dessa possibilidade porque eles conhecem o Daniel músico”, afirma.

Como um pai bissexual, o cantor sabe que dificuldades surgirão. “Ele vai ser zoado na escola, como todas as crianças são zoadas por uma coisa ou por outra. Se eu fosse pensar nisso eu jamais teria tido ele. Mas a gente cria ele para ele sempre ter uma resposta na ponta da língua, até porque quando ele faz essas perguntas, a gente tem uma resposta para dar sempre, sempre falando a verdade. A gente quer que ele seja uma criança que tenha a capacidade de passar por isso”, conta.

“Fui muito caçoado, principalmente porque cresci no Crato, mas nunca deixei barato. Sempre fui para cima e sempre revidei. Acho que na época eu consegui um certo respeito porque eu sempre fui uma criança pintosa, mas eu nunca fiquei quieto”, diz.

Daniel preocupa-se mais com a guinada conservadora da sociedade brasileira. “A gente está vivendo uma época de retrocesso. De uns dez anos pra cá, parece que a cultura regrediu. Ao meu ver, as pessoas que tinham essa questão de levantar bandeira, continuam fazendo, mas eu acho que ficou um pouco tímido. A coisa da política misturada com religião acho que deu uma podada muito grande no movimento LGBT, o número de casos de violência, de suicídio, de agressão, duplicou, triplicou nos últimos anos”, lamenta.

“Eu acho que na verdade as pessoas estão mais acanhadas, com medo de mostrar a cara do que não ser mais relevante. Acho que é uma repressão porque as pessoas estão com medo de se expor, de dar a cara a tapa por tantos absurdos. Todo dia a gente vê uma coisa bizarra que aconteceu com um gay”, completa.

Perseguidos por serem diferentes, os gays talvez se destaquem no pop justamente por essa idiossincrasia. “Gente é pra brilhar”, já cantou Caetano. As bichas que quando morrem não viram pó, mas purpurina, que o digam.


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Brasil vive boom de cantores gays, diz Daniel Peixoto, ícone do pop eletrônico brasileiro

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