“Água, água”, pediam, desperadas, dezenas de pessoas espremidas na grade que determinava a fronteira da pista comum do show do Black Sabbath na sexta-feira (12). Eles pareciam vermelhas demais, e, apesar de a temperatura não passar de 15ºC, elas não estavam queimadas de sol e, sim, morrendo de calor.

Eram 21h05, quando a voz de Ozzy Osbourne soou e luzes vermelhas foram projetadas sob o palco. Enquanto se ouvia a introdução de War Pigs e o alarido se perpetuava por minutos, a cortina translúcida abriu e lá estava ele, de braços abertos e entoandos cânticos que lembravam coros de futebol. O “Príncipe das Trevas” em pessoa.  

Mais em carne do que osso. Com os olhos pintados, Ozzy é um bibelô bonitinho. Já na terceira música começa a desafinar. Curvado, dá trotes curtos como um velhinho. As 70 mil pessoas ficaram vidradas, ninguém mais pedia água, ningém mais sentia nada.

Quem segura mesmo o Black Sabbath é o baixo distorcido de Geezer Butler, tocado com o dedo, sem palheta, com a pulsação e peso na mesma medida. O elegante Tony Iommi é outro arrimo, toca uma guitarra Gibson SG precisa, nada se perde, os acordes soam longamente, quanto mais lenta, mais pesada soa a música e a culpa é toda dele. Iommi é aquele craque que não precisa correr, ele faz a bola correr.

Tommy Clufetos, o baterista contratado, vive um momento John Bonham. Com uma pisada no bumbo duplo, o chão do Campo de Marte tremia e ressoava no crânio de cada um da plateia. 

“Deus abençoe vocês”, dizia Ozzy de tempos em tempos. É estranho, mas faz sentido, vocês queriam que ele mandasse vocês para o inferno? Deus abençoe você também, Ozzy.

O cenário é mínimo, paredes de amplificadores, do lado direito, da guitarra, no esquerdo, do baixo. O suporte onde a bateria está montada tem uma decoração que imita pedras. Quando a câmera focaliza parece ser isopor, como aqueles monstros fakes de trem fantasma. 

Mas o som não é nada fake, é realmente de dar medo e explodir em alegrias, expressas nos olhares de todos ao redor e no próprio Ozzy. O “Madman” rege a galera e gosta. Segura o microfone com as duas mãos e se sacode como uma criança. Ozzy, certamente, é um sujeito acostumado a tocar para multidões, mas ele parecia especialmente feliz.

“São Paulo rocks!”, proclamou o vocalista enquanto a banda despejava Iron Man. É sempre curioso o que uma música que nos acostumamos a ouvir, como essa, provoca ao vivo. Um amálgama de memórias e sentimentos, algo que não se identifica bem.

O repertório mescla antigas e faixas do novo álbum, 13, sem prejuízo. Algumas desse disco, como End of the Beginning, são cantadas como se fossem as clássicas. O show vai chegando ao fim, após duas horas. A lua mingante, misteriosa, mudou de lugar, desceu um pouco, quem sabe para tentar ouvir um pouco de Black Sabbath, uma banda que parece tão velha quanto o céu e a Terra. É um privilégio assistir a um show assim.

O metal nos faz lidar melhor com as pulsões de morte. Enquanto existir guerra, fome, preconceito, crack, armas químicas, obscurantismo religioso, esta música irá soar catártica, profética. Mas, especialmente, diante do trânsito de São Paulo, o Black Sabbath faz todo sentido. Haja som e fúria.

Veja o set list

War Pigs
Into the Void
Under the Sun
Snowblind
Age of Reason
Black Sabbath
Behind the Wall of Sleep
N.I.B.
End of the Beginning
Fairies Wear Boots
Rat Salad
Iron Man
God Is Dead?
Dirty Women
Children of the Grave

Bis

Paranoid 


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Black Sabbath mostra que vida nas metrópoles é cheia de som e fúria