“Às vezes, é difícil ser otimista”: Ana Vilela fala sobre música, pandemia e sexualidade

Ana Vilela ficou conhecida no Brasil todo graças à música “Trem Bala”. Lançada em 2016, a canção voltou a ser assunto do público por conta de uma gravação que vários famosos fizeram no início da quarentena. Com a intenção de ser otimista, o vídeo acabou causando polêmica na internet, sendo comparado à gravação de “Imagine” feita por Gal Gadot no mesmo período.

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Ana Vilela é uma artista que está há mais de 5 anos na estrada da música e tem uma vasta produção que vai muito além dos versos otimistas da faixa que a tornou conhecida do público. E é exatamente isso que ela quer que você saiba!

No último dia 20, a cantora lançou o clipe de “A gente combina”, que estrela ao lado de sua esposa, Amanda. Em conversa exclusiva com o Virgula, Ana falou sobre diversos temas, entre eles pandemia, sexualidade e o avanço de sua carreira.

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Virgula: Você é uma pessoa bastante crítica da forma como algumas pessoas se comportam nas redes sociais. Ao mesmo tempo, seu início de carreira também foi pela internet. Hoje em dia, como é sua relação com a internet?  Como você lida com as críticas recebidas por lá?

Ana Vilela: Eu tenho meus momentos. É muito difícil para mim lidar porque eu sou uma pessoa muito lógica, sabe? Então eu fico muito incomodada quando uma coisa não faz muito sentido…E, para mim, não faz nenhum sentido quando você entra na internet para atacar outra pessoa sem nenhum motivo aparente. Isso não vai acrescentar na sua vida, não vai acrescentar na vida da pessoa, não é uma ação construtiva, não é uma coisa legal, é só você sendo babaca. 

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Sou uma pessoa muito do coração. Eu gosto de falar coisas boas para as pessoas, sabe? E as pessoas que me rodeiam também são. 

Pra mim, a internet é um ambiente completamente diferente e muito difícil de lidar. Ainda mais tendo entrado por esse caminho na vida das pessoas, e estar na internet e participar da Internet, faz as pessoas entenderem que você está ali para você ouvir o que elas tem a dizer sem consequências. Mas eu estou muito melhor que antes! Óbvio que algumas coisas ainda me incomodam muito – meu desabafo no final de semana foi muito disso. Cara, estou há cinco anos falando da mesma coisa, sendo que eu estou lançando outras coisas, tenho o meu trabalho, minha vida, eu evoluo. É incrível que as pessoas reduzam meu  trabalho a 5, 3 minutos de uma música, sendo que eu continuo fazendo meu trabalho. Eu tô aqui, eu continuo trabalhando, é só as pessoas quererem saber! Mas é muito mais fácil destilar raiva, com certeza. 

Nesse final de semana, você fez aquele post falando sobre a repercussão de “Trem Bala” e recebeu o apoio de muitos famosos. Para você isso foi uma surpresa?

Foi! Mas sempre é, para mim. Eu fico muito chocada quando as pessoas me respondem ou me apoiam. Cara, a Fafá é uma pessoa que eu não tenho como não ser fã, sabe? Eu até brinquei no Twitter sobre isso. Como age, sabe? Porque é muito importante, é o que faz tudo valer a pena. 

Mesmo que a internet seja ruim, ela te dá espaço para falar sobre isso e para outras pessoas te entenderem e te apoiarem. É uma via de mão dupla, é um lugar muito tóxico mas é um lugar em que as pessoas podem te dar apoio. 

O Whindersson, a Fafá e vários outros falaram comigo tanto no privado quanto postando sobre o que tinha acontecido. Com certeza, me ajudam muito. Alguns me ajudam a carreira toda, alguns falaram comigo pela primeira vez nesse final de semana. Fora todas as outras pessoas sem ser os artistas. Falei disso hoje. As mensagens não param de chegar. Eu recebi muito amor nesse final de semana, então está sendo muito bom. 

E eu acredito que foi necessário, sabe? Eu acredito que por mais que seja incômodo, algumas coisas precisam ser ditas para podermos passar para o próximo assunto, mas foi bom, eu recebi muito apoio e carinho. 

“Trem Bala” acabou reaparecendo na mídia depois que os famosos gravaram a música no começo da quarentena. Você acha que a mensagem original da música pode ser aproximar desse momento em que estamos vivendo? 

É muito complicado. Eu falo que tem momentos que é muito difícil manter o otimismo e esperança, né? Porque são situações bizarras. A gente tá passando por um momento tanto político, quanto social quanto econômico que eu nunca imaginei que fosse passar, sabe? Quando eu estava na escola e estudava que o Brasil era a terceira potência mundial, um país que estava super indo para frente e daí do nada a gente se vê neste momento, sabe?

Acho que é muito difícil manter o otimismo. Acho difícil querer aplicar uma música que fala sobre esperança e coisas lindas a esse momento porque está todo mundo sofrendo, entende? Tá todo mundo triste. 

Não que “Trem Bala” não se aplique a isso. Porque eu até já brinquei sobre isso na internet. ‘Trem Bala’ nunca disse que a vida era boa, só que era rápida! Eu acho engraçado que as pessoas esperam de mim essa postura positiva sendo que é exatamente isso, sabe? “Trem Bala” em nenhum momento fala sobre como a vida é maravilhosa e incrível e como tudo é cor de rosa, não! É tipo “vamos aproveitar porque só temos esse momento aqui”. Então, apesar de tudo, acho que “Trem Bala” ainda cabe nesse momento. O bom dessa música é que ela se aplica a muitas coisas, então acho isso muito bom. 

A pandemia afetou a sua vida e a sua forma de se relacionar e produzir arte?

A quarentena me fez viver coisas que eu não vivia há muito tempo. Ter uma rotina em casa, poder acordar com a minha mulher, tomar café com minha mulher, almoçar com ela, conversar, passar o dia. Porque, querendo ou não, viajando a gente passava pouco tempo juntas. Por mais que a gente tenha intimidade a distância, por mais que a gente conversa sobre tudo, quando a gente estava juntas era muito gostoso…A gente sentia muita falta, não tinha essa coisa do convívio diário, sabe?

Na quarentena, eu pude vivenciar isso muito. Tô achando muito bom. Tô cozinhando mais, tô ficando mais em casa, aquela coisa de sofá e Netflix, sabe? E está sendo muito gostoso. Porque com essa coisa de correria e viagem e show, vai ficando tudo para depois, né?

Como foi gravar com a sua esposa pela primeira vez?

Foi muito diferente. Eu fiquei muito surpresa, porque ela é muito introvertida. E eu fiquei preocupada de ela ficar tímida ou não conseguir fazer o que a gente queria propôr. Porque ser dirigido é muito difícil. Eu brinco com isso, eu falo que queria ser cantora e eu descobri que para ser cantora precisa ser atriz, ser fotógrafa…

E é muito louco porque para mim foi um processo, sabe? Passar de ser aquela menina que canta e não sabe direito o que fazer com a câmera para alguém que consegue se comunicar e fazer a coisa fluir. 

Então eu estava realmente preocupada, mas a gravação foi muito gostosa! A gente fala sempre disso, sobre como parece que foi muito rápido! Todo mundo se divertiu muito e ela arrasou! A gente brinca que agora todos os clipes tem que ser com ela. 

Acho que não é uma coincidência que “A gente combina” tenha sido lançado agora em agosto. Qual a mensagem que você quer passar com essa música?

A música é sobre amorzinho, sabe? Aquela coisa que eu estava falando que a gente está vivendo na quarentena agora, e que eu nunca tinha vivido tanto com ela. Esse tempo junto faz a gente entender o quanto a gente é diferente mas que, mesmo assim, a gente combina muito, sabe? O quanto a gente gosta uma da outra. Para mim, acho que lançar a música nesse mês é especial por falar sobre isso. Até como uma mensagem de que a gente combina, não tem nada a ver com gênero, orientação sexual…que isso é uma coisa tão pequena e insignificante. É muito louco porque, por mais que eu levante a bandeira e fale muito disso – eu acho que a gente ainda tem um longo caminho para percorrer para conquistar muita coisa -, eu não consigo entender como isso é tão relevante para as pessoas, sabe? Como uma coisa que é tão pequena sobre alguém pode ser o fator determinante para alguém gostar do meu trabalho ou não, por exemplo. Eu acho que “A gente combina” também vem muito desse lugar, de que é só amor. Por mais que as pessoas tentem colocar a gente em caixinhas diferentes, em lugares diferentes, por mais que a gente se comporte de maneira diferente, é só a gente, sabe? É só amor, só carinho.

Ontem foi o dia da Visibilidade Lésbica. Para você, essa data representa alguma coisa? 

Muito! Acho que a gente sabe o quanto ainda falta, né? O quanto a comunidade lésbica é estigmatizada, fetichizada…A gente vive situações muito loucas. Eu estava lendo uma matéria esses dias sobre estupro corretivo e o quanto isso é um absurdo de acontecer mas ainda acontece em uma quantidade que é absurdo a gente não falar disso mais! É impossível a gente ter que falar “não, não é porque eu nunca peguei um cara que eu sou lésbica”, “você não vai me consertar”, sabe? Eu acho que por ser algo muito fetichizado, o pessoal não vê “problema” porque é uma coisa que a galera vê em iconografia e sente um “desejo”. É um negócio que fica ali na margem, sabe? Não evolui, e as pessoas não tratam com a seriedade que precisa. É sempre aquela coisa de “ah, vocês estão namorando? Então beija ai!”, sabe? Isso é uma bosta, e é óbvio que a gente precisa falar sobre isso, e que os problemas vão muito além disso, mas isso tá muito intrínseco na nossa comunidade, mas a gente precisa falar sobre isso para mudar, não só a comunidade lésbica, mas para toda a comunidade LGBT. 

É isso, né? Por mais que você fale que é só amorzinho, acaba sendo importante você se posicionar enquanto lésbica, vocês duas como um casal lésbico. 

Com certeza! Acho muito importante. Eu, pessoalmente, me cobro muito sobre falar sobre isso e não me esconder. Isso sempre foi importante para mim porque, enquanto eu crescia, me faltaram referências, sabe? Me faltava olhar para alguém que fosse o que eu sou hoje. Eu demorei muito para descobrir quem eu sou, para eu poder gostar de quem eu gosto, me comportar do jeito que eu gosto, poder consumir o conteúdo com o qual eu me identifico. É toda uma coisa que você não vê referência nenhuma…na minha época, né? (risos) E é muito bom ver hoje as meninas mais novas já terem essa referência, sabe? Antes a homossexualidade era coisa que passava em filme rapidinho, ninguém se aprofundava e ficava nas entrelinhas, e hoje você vê séries e filmes para jovens que falam sobre isso. Então, sim, a gente evoluiu muito mas ainda tem um caminho pela frente, e eu me vejo na responsabilidade de falar sobre isso…muito porque eu não tive isso e acho que é muito importante, sabe? Ter uma referência que alguém possa ver e pensar “poxa, eu não sou tão esquisita assim”, sabe?  

Tem algum outro lado seu como artista que você queria que as pessoas conhecessem?

Eu sempre defendo muito essa coisa que tem lados meus que nem eu mesma conheço, sabe? Tem muita coisa da arte que eu vou descobrir ainda, amadurecer…acho que música tem muito disso, não só falando de sentimentos e letras mas também de descobrir novos estilos, estudar, conhecer outras coisas. Acho que sempre é uma metamorfose, sabe? 

Por exemplo, quando me perguntam qual é o gênero que eu canto….Cara, eu canto o que eu tiver vontade de cantar! Não gosto de caber em caixas, sabe? Meu primeiro disco é muito MPB, muito fofinho, muito aquela coisa acústica; e o segundo já é aquele popzão, tem rap…E agora a gente tá voltando para uma coisa mais MBP. Eu vou muito para as coisas que eu tô gostando no momento, porque para mim é isso que faz sentido na arte, sabe? A gente muda o tempo todo e isso é normal, eu tenho muitos lados que as pessoas ainda não conhecem e nem eu mesma!

Quais são seus próximos projetos?

A gente vai lançar uma nova música logo, mas ainda não temos a data confirmada. Depois, vamos lançar um EP ainda esse ano. Vai ser muito legal! A gente começou a pensar na produção desse EP, estamos tendo bastante ideias…E, mais para frente – estou começando a trabalhar ainda – é um disco novo. 


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"Às vezes, é difícil ser otimista": Ana Vilela fala sobre música, pandemia e sexualidade