Qual é o ponto em comum entre Anitta, Naldo, MC Leozinho e Roberto Carlos? A resposta é Renato Azevedo, 35 anos, o DJ Batutinha, conhecido como o “midas do funk”.
No Carnaval deste ano, em seu estúdio no bairro Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio, o rapper Kanye West e o músico e ator Will Smith foram levados até Batutinha, por indicação do também produtor Sany Pitbull, como Batutinha conta em entrevista por telefone ao Virgula Música.
Na conversa, o DJ falou sobre vários assuntos, como a recusa da ideia de que Anitta tenha copiado Beyoncé e Rihanna. “Eu fiz a seguinte pergunta: se a Beyoncé ou a Rihanna, ou qualquer cantora dessas, se elas nascessem aqui no Brasil, se elas fossem ao baile funk, se elas curtissem a noite do Rio, se elas ouvissem funk, pagode e as outras coisas que rolam aqui na noite, como elas seriam? Como seria o som da Beyoncé aqui? Como seria o som da Rihanna?”, apontou.
Anitta – Show das Poderosas
Batutinha negou também que o funk seja o samba do século 21 por ver o gênero mais como uma “derivação”. Ele revelou ainda que ouve de tudo: “Ouço todos os gêneros. Eu ouço todos, não só funk. Eu ouço desde Bach, forró, metal, The Clash, eletro. Vou desde o David Guetta até a Orquestra Tabajara. Eu acho que tudo é cultura”. Leia a seguir.
Você imprimiu uma assinatura pessoal nas músicas do Naldo e da Anitta? Como você chegou nisso?
Eu acredito que não seja só exclusivamente deles. O que eu acredito é que tem mais a ver com o que foi pensado neles como artista que eles como deveriam ser feitas as músicas. Óbvio que existem as influências que vêm de fora, tem mais aquilo que rola dentro do nosso funk, somando isso tudo saiu aquela sonoridade.
Mas quando chegaram para você, o que falaram para você, “ah, a gente quer um funk pop”, ou isso partiu de você como produtor?
É, na verdade, no início mesmo da coisa, teve mais a minha orientação, do que eles mesmos virem dizer que a gente quer assim, assado. Eu meio que montei a coisa, a linha, daí para frente eles andaram.
Em quem você se inspirou?
Em quem? (pensativo)
Ou em que gênero…
Olha só, o Naldo em si, eu não vejo uma inspiração clara. Eu vejo ele como um artista pop que aqui no Brasil já estava tendo falta há um tempo, mas eu não vejo uma conexão reta com outros artistas, seja de fora ou não.
O pessoal falava no início que ele queria ser um Chris Brown brasileiro e tal, só que a sonoridade do Chris Brown é bem diferente da do Naldo. Eu acho que era mais uma semelhança, uma quase semelhança física, não muito de som.
Naldo Benny – Amor de Chocolate
Agora, a Anitta, quando foi bem no início mesmo, a minha concepção foi a seguinte, nunca foi imitar a Beyoncé, nem a Rihanna, o lance todo é. Eu fiz a seguinte pergunta: se a Beyoncé ou a Rihanna, ou qualquer cantora dessas, se elas nascessem aqui no Brasil, se elas fossem ao baile funk, se elas curtissem a noite do Rio, se elas ouvissem funk, pagode e as outras coisas que rolam aqui na noite, como elas seriam? Como seria o som da Beyoncé aqui? Como seria o som da Rihanna?
Foi mais ou menos esse o pensamento estopim para poder a coisa começar a ser moldado. Porque ela é uma funkeira, ela ia para os bailes? Só que ela cantava, ao mesmo tempo em que ela dançava stiletto (dança de salto alto popularizada mais recentemente por Beyoncé), mas também dançava samba, ao mesmo tempo ela dançava funk. Essa mistura toda é muito peculiar, você não pode dizer que é uma inspiração, mas sim é uma outra forma de você tentar ver como seria um artista de fora aqui…
É uma apropriação, uma assimilação.
Isso, isso.
Você acha que o funk da favela é muito agressivo para ser pop?
Não, eu não acho isso. Eu acho que até o termo pop, pop é popular. E o que é mais popular do que funk hoje? Não sei. Agora, eu vejo que o funk é um espelho, ele reflete diretamente o que um grupo de uma certa idade, ou de uma certa localidade, ele reflete exatamente aquilo que eles pensam. Por isso que às vezes o funk é assim meio bruto, meio direto, meio sacana porque é o que se vive. Se a gente vivesse uma outra realidade, talvez ele falasse de outras coisas. Eu acho que o funk é isso, ele demonstra bem o que é que se pensa hoje, só que da forma mais crua em si.
Agora, a parte que cabe à sonoridade, eu quero que você me mostre uma pessoa que vá um baile e quando começar a toca funk, que pelo menos não bata o pé. Não tem. Porque é um som visceral, um som que mexe com o corpo, não é um som que fica só na mente, ele mexe com o corpo, ele obriga a pessoa a dançar.
O funk é o samba do século 21 para você?
Eu acredito que o samba teve a sua contribuição grande e acho que o funk hoje tem uma influência grande do funk, até pela divisão em que os instrumentos são usados. A divisão que a coisa tem, tem influência de samba, de maculelê, de capoeira, então, tipo assim, é uma salada hoje de ritmos que tem uma fixação forte aqui no Rio que se projetaram nesse novo som, para esse novo século, mas eu não acho que ele venha a substituir, não, eu acho que é mais uma derivação, sabe? Eu acho que o funk hoje é mais carioca e mais brasileiro que muitos outros ritmos que a gente tem aí.
Mas você quis suavizar o funk nesta pegada com o Naldo e Anitta?
Depende muito da produção em si. Eu levo muito em consideração qual é o assunto que está se falando, qual é a identidade tanto visual, quanto musical que eu quero imprimir no artista. E até que ponto a mistura do funk com a coisa mais eletrônica, até que ponto a mistura fica boa não para poder não deixar de ser funk, mas também não ser um eletrônico 100%. Eu gosto de ficar nesse meio termo aí. Eu acho que essa é a minha sonoridade.
A versão de Claudinho & Buchecha para Tempos Modernos de Lulu Santos é considerado um marco da aproximação do funk com pop…
Sim, sim, lógico…
Que outros momentos você acha que foram decisivos para chegar no que a gente tem hoje?
Rapaz, eu acredito que o funk esteve próximo do pop, não só com Claudinho & Buchecha. Mas, um exemplo, quando o MC Marcinho, quando ele fez uma versão de uma música chamada Garota Nota 100, que é uma versão de uma música do Michael Sullivan, que quem cantou foi a Patrícia Marx, o nome mesmo da música era Te Cuida meu Bem. E foi um grande sucesso.
Só que quando ele fez a versão e ela na época era um funk melody, aquilo ali já foi uma visão do funk para o pop, já é o funk tentando influenciar o pop. Eu lembro que ele foi na Xuxa com ela, da mesma forma que a Patrícia Marx ia também. Eu acho que ali foi o primeiro elo que teve acredito que tenha sido esse.
Um outro lance legal também foi quando o Naldo cantou com a Preta Gil, Meu Corpo quer Você, mesmo que a música não seja funk, ela não era funk, mas só de ter um artista que está vestido com a roupa do funk cantar com um artista que é pop, isso também influi muito. Eu acho que essas coisinhas vão ajudando a disseminar as coisas.
Outro momento de confirmação do seu trabalho e do funk foi com Roberto Carlos, na faixa Furdúncio…
Isso aí foi assim. Eu estava trabalhando na Furacão 2000 como produtor, quando eu conheci o Leozinho. Isso foi em 2004, por aí, eu lembro que ele me mostrou uma 20 músicas e quando eu escutei Ela só Pensa em Beijar, eu falei, para, é essa daí. E aí quando eu produzi a música, eu fiz ela usando todas as bases, as batidas que na época eram pesadas mesmo, era o tamborzão, o volt mix, aquela coisa toda.
Mas ao mesmo tempo em que eu estava usando isso, a gente usou um violão, que ainda não tinha no funk, usamos alguns elementos de eletrônico também. E aí aquela mistura ela deu muito certo no funk, a coisa foi tão grande que quando o Roberto ouviu, ele chamou o Leozinho e do Leozinho eu tive a oportunidade, ele me chamou para produzir Furdúncio, que foi uma das quatro músicas inéditas (do EP Esse Cara Sou Eu), que foi para a novela Salve Jorge, entrou nesse último EP dele que vendeu 2,5 milhões de cópias. A tanto tempo que um artistas não vende tanto CD? Há muito tempo.
E ele querer aquela sonoridade funk, isso mostra esse alcance. Eu acredito que o funk sempre foi pop. O que eu acho que acontecia com o funk é que ele sempre foi escondido, sempre foi repreendido, nunca foi permitido ao funk mostrar todas as possibilidades dele, todas as possibilidades aonde ele pode ir. Eu acho que hoje esse alcance do funk esteja bem maior que há dez anos.
O funk é tema de diversas pesquisas acadêmicas, existem pesquisadores como Hermano Vianna (irmão de Herbert Vianna, autor de O Mundo Funk Carioca e consultor do Esquenta!, da TV Globo), que sempre defende a importância do gênero. Também as estrelas mundiais como Beyoncé, Diplo, quando vem aqui tocam funk. A Beyoncé tocou Ah Lelek Lek Lek Lek…
Isso aí já não é à toa…
Kanye West e Will Smith também vieram ao Rio e foram atrás do funk, você até foi cicerone deles, os recebeu em seu estúdio. Por outro lado tem parte das pessoas de classe média, principalmente, que vê o funk com desconfiança…
Eu acho que gosto é algo muito peculiar. Algumas pessoas associam o funk ao crime, ao erotismo, à pornografia. Mas eu falo, olha, tanto o crime, quanto a pornografia, ele vai usar todas as ferramentas que existem no nosso mundo. Se não fosse assim, a gente não tinha filme pornô, não tinha filme policial, não haveria os documentários.
Qual é a coerência? Não, eu posso rodar um filme falando sobre um bandido, mas eu não posso ter uma música assim? Qual é o parâmetro que divide uma coisa da outra? Eu ainda até hoje não entendi isso. Agora, óbvio, eu não compactuo isso. Eu acho que é muito simples, se você não gosta da música B, C ou D, você simplesmente não ouça. Você não precisa falar mal.
Um exemplo, eu tenho um filho de 14 anos, ele ama Slipknot, Avenged Sevenfold e, caramba, as letras deles são meio complicadas. Mas, e aí? Se eu não gosto eu simplesmente não ouço. Não cabe a mim julgar, já que música é cultura. Música é arte, música não tem lado. Existe a liberdade literária para você falar certo, falar errado. Eu acho que nesse mesmo ponto de vista, a pessoa que fala mal do funk é mal informada. E pior, não quer se informar. Isso aí é a minha opinião.
Eu ouço todos os gêneros. Eu ouço todos, não só funk. Eu ouço desde Bach, forró, metal, The Clash, eletro. Vou desde o David Guetta até a Orquestra Tabajara. Eu acho que tudo é cultura. Não cabe a mim julgar se um indivíduo A, B, C ou D, se ele escreve sobre um tema, escreve sobre outro, se ele está sendo coerente ou não. Não cabe a mim.
Se não, bicho, se eu fosse pensar assim dessa forma, eu acho que você não podia ter certo tipo de músicas, só que eu não posso ter essa posição, eu, como músico, eu tenho que ser imparcial. Essa é minha visão.
Uma matéria do O Dia te chamou de midas do funk…
Foi.
Qual é o segredo desse sucesso?
Eu estou no funk já vai fazer 19 anos. São 19 anos profissionalmente. Eu acredito que não é o sucesso em si, mas ter uma certa coerência em ouvir as coisas, estar atento ao que as pessoas querem ouvir, eu acho que isso contribui muito, o fato de eu ouvir o que as pessoas buscam e buscar algo novo para poder apresentar. Isso daí é o tempo todo. Eu acho que é isso que eu ainda esteja no mercado esse tempo todo aí.
E o que você acha que agrada tanto às massas? Especialmente as crianças, por exemplo, na Anitta…
Na Anitta… Eu acho que o Brasil, você vê, quando a Xuxa veio, ela foi a “rainha dos baixinhos”, lembra disso? Foi um fenômeno, depois veio Sandy & Júnior, que também a criançada amava, depois veio a Kelly Key, uma coisa assombrosa também. As crianças sempre buscam esses ícones para poder estar ali, para poder tentar se ver e tal…
Se espelhar…
Eu acho que isso vem antes da música, eu acho que essa exposição que dá essa coisa toda com as crianças. A menininha pequenininha querendo usar as roupas que a Anitta usa, querendo usar o mesmo cabelo, querendo usar às vezes um acessório, uma bota e tal. Eu acho que as crianças sempre buscam um ídolo, eu acho que isso vem antes da música. Quando ouvem a música e gostam porque são músicas boas, músicas que as crianças dançam, aí você soma uma coisa com a outra e pronto, acabou. Aí vira febre, não tem como.
Você recebeu aí no seu estúdio o Kanye West e Will Smith, tem esperança que eles ainda usem a suas batidas. Eles levaram para os Estados Unidos, não foi?
Levaram. Assim, a gente fez um som aqui que foi combinado a gente tem meio que um certo sigilo de produção, a gente não pode exibir muito as coisas que a gente fez aqui, principalmente em termos de som. Por isso que eu não fiz uma divulgação do material que a gente fez. Mas eu já tenho informação que o lance está pronto e tem outras músicas que eles estão usando as coisas que a gente tem aqui.
Eles levaram o material em pendrivre?
Eu dei um pendrive com várias coisas nossas, que a gente usa aqui. Mostrei para eles como que se usa e teve até algum que disseram, pô, cara, você deu o nosso som para eles, você fez o lance todo. Eu falei assim, amigo, a música ela precisa ser compartilhada, quando mais, melhor. E outra coisa, não é por que ele tem coisas que são minha sonoridade que ele vai assumir o meu posto. Cada um tem o seu lugar, quem sou eu para poder chegar e peitar o Kanye West. Não existe isso.
Foi por meio do Ronaldo Fenômeno que eles foram parar aí, por uma indicação do Naldo?
O lance foi o seguinte. A primeira vez que eles vieram parar aqui, eles estavam vindo para o Carnaval e aí um amigo meu que é o Sany Pitbull, ele não estava aqui, mas queria porque queria que o pessoal que trouxe o Kanye que o levassem até mim porque o Kanye queria conhecer como que era o funk. Como é que a coisa acontecia, quais eram as variações toda do funk. E aí o Sanny falou, pô, vocês tem que levar ele lá no Batutinha porque ele vai saber falar exatamente aquele que ele está precisando saber.
E aí foi por causa disso que a gente teve esse encontro. Junto com o Kanye West estava o Will Smith para minha surpresa. Quando eu soube que o Will Smith também ia vir, aí eu liguei pro Naldo e falei, Naldo, olha só, está vindo Kanye West aqui e o Will Smith, eu falei, onde você está. Porra, cara eu estou em Minas, não sei o que. Eu falei, mano, dá o teu jeito, e vem aqui porque essa oportunidade é única. Só que ele não conseguiu vir no dia. Só que eles voltaram aqui depois, quando estava no Carnaval.
Aí da segunda vez que eles vieram foi quando o Naldo veio e a gente fez o bolo doido aqui. Foi, pô, fantástico isso.
Tem algum artista que você aposta que pode ser o novo fenômeno do funk?
Pô, tem vários novos, eu acredito muito na Carol K, eu acredito muito no Daniel Saxofunk, mas tem muita gente nova que ainda está em fase de produção e, tem uns que nem tem nome ainda, que a gente ainda está montando a estratégia de, tipo assim, mídia, entendeu?
Você está sendo muito procurado por gravadora?
Estou sim, inclusive, eu estou numas empreitadas aqui que eu estou tendo até que ampliar a questão do estúdio para poder ver se eu consigo dar a vazão toda.
Estão vindo coisas boas aí, muitas coisas novas, gente boa. Tem a Latifah também que é nova. Tem muita coisa nova para poder vir. Eu acredito que 2014 o mercado de funk vai inflar.
Além das produções, você sai na estrada com Naldo e Anitta também, ou não?
Não. Eu sou DJ também, eu sou residente aqui do Barra Music, mas eu faço shows pelo Brasil. E aí eu tenho que me dividir entre ir, tocar como DJ, ficar no estúdio, dar uma atenção para os artistas. É um negócio meio louco, mas a gente dá um jeito.