Encontro anual da diversidade latino-americana, o Festival Mucho! chega a sua segunda edição, em São Paulo, com grande elenco, incluindo Miss Bolivia, Cumbia All Stars, Los Espíritus, Baleia, Tuyo, Santa Mala e La Madre del Borrego.
Leia nossa conversa com a artista argentina: Miss Bolívia é um projeto musical de Buenos Aires que fusiona cúmbia, hip hop, dancehall, electro, folclore e reggae, combinando o frescor do digital com a autenticidade dos ritmos dos povos latino-americanos originários.
Por trás deste emaranhado de estilos e das incendiárias líricas está a cantora, compositora e DJ argentina, Paz Ferreyra. Emergindo como proposta musical em 2008, Miss Bolivia lançou dois álbuns e realizou turnês pela Europa e América Latina.
Miss Bolivia também é atração da Semana Internacional de Música de São Paulo. Leia entrevista em que ela fala de machismo, música brasileira e integração da América Latina.
Em que aspectos crê que o machismo na música é mais visível?
Paz Ferreyra – O machismo e a lógica heteropatriarcal formatam e atravessam constantemente nossas sociedades.
A indústria da música não é exceção. Podemos observar e sentir na primeira pessoa a todo momento a maneira como o machismo está presente tanto no âmbito doméstico como no público e vai desde o corporativo, onde quase todos os CEOs são homens cis), até a presença de artistas no cenário, nos festivais a porcentagem de bandas com mulheres ou mistas é realmente ínfima em relação a presença de bandas como homens.
O lugar que ocupou ao longo da história do rock foi a “groupie”, dentro dos camarins e dos ônibus de turnê, expostas a abusos de poder e violência sexual, física, psicológica e simbólica por parte de seus “ídolos”. E poderia seguir e seguir, mas vamos nos deprimir.
Há algo no seu som tipicamente do seu país?
Paz – Quando me perguntam sobre o estilo da Miss Bolívia, eu sempre digo fusão. Estou interessada em reatar os elementos, ritmos e formas da música argentina e latino-americana e colocá-la em diálogo com outros estilos mais digitais ou eletrônicos e com a música urbana, que ainda é música folclórica.
Eu sinto a necessidade de viver em um estado de promiscuidade constante em relação aos estilos musicais e desafiar as leis da purismo sem cair no copiar e colar e que busca preencher uma mensagem de questões críticas, observações sociais, culturais e históricas. A contra-cultura, amor, autobiografia e a história do presente narrada em primeira pessoa e sem filtros, completam a proposta musical.
Existem nomes brasileiros que são referências musicais para você?
Paz – Eu gosto de música brasileira desde sempre. De bossa, samba, psicodelia ao hip hop no Brasil, eu os acho muito atraentes. Para citar apenas alguns nomes, fui influenciada por Jobim, Gal Costa, Os Mutantes, Maria Rita, Caetano, Emicida, Francisco El Hombre, Carol Conka, e a lista é imensa!
O que está acontecendo interessante na música hoje em sua opinião?
Paz – A música está em constante movimento e é material de arquivo de nossas civilizações. A música nos oferece a possibilidade de documentar a história. A indústria é desafiada e forçada a tomar novas direções.
O surgimento de plataformas digitais coloca em cheque o circuito e a vida do disco físico e as estratégias tradicionais das gravadoras. O álbum como um trabalho também está sendo questionado, voltamos para a dinâmica dos singles. Eu gosto da transformação. Eu acredito que o poder está retornando ao artista.
Qual característica você acha mais importante em sua geração?
Paz – Somos hijxs da ditadura militar latino-americana, somos hijxs de televisão e isso nos marcou com fogo.
Você acha que o Brasil um dia estará mais integrado na América Latina? Quais políticas devem ser tomadas?
Paz – Eu acho que o Brasil já está mais incorporado do que antes para a América Latina. A diferença de linguagem e auto-suficiência econômica e cultural sempre foi a desculpa para não se integrar com o Brasil, mas há pouco mais de uma década, com as políticas de integração regional em transformação. América Latina unida é a chave.
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