Alfredo Bello, o DJ Tudo
Alfredo Bello, o DJ Tudo, é pesquisador de cultura popular, produtor, músico e dono do selo Mundo Melhor. Aos 42 anos, ele acaba de assinar com a gravadora inglesa Far Out e receber mais uma confirmação de que o interesse do público estrangeiro por uma música brasileira que fuja dos estereótipos do samba, da bossa e do brega, está impulsionando a obra de artistas que fogem de classificações fáceis expondo “as ancas de tradição ao ferro em brasa dos anúncios”, parafraseando Tom Zé.
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Entre esses artistas de gêneros híbridos, está Alfredo, que atraiu o lendário guineense Mad Professor, um dos pais do método dub, para mixar faixas de seus dois trabalho mais recentes DJ Tudo. O mais recente deles, Pancada Motor – Manifesto da Festa, será lançado nesta sexta-feira (21), com show de lançamento do músico com sua banda E Sua Gente de Todo Lugar.
Veja em primeira mão vídeo que mostra Mad Professor trabalhando em versão inédita de É Hoje, É Hoje
A Far Out, que lançará o álbum na Europa, é a gravadora de nomes como Joyce, Marcos Valle, Azimuth, Milton Nascimento e Naná Vasconcelos. “Alguns produtores e selos enxergam a música brasileira dentro da World Music, a Far Out divulga para as rádios de jazz e tem distribuição mundial. Isso pode ampliar bastante o público para o meu trabalho fora do país”, ele fala.
“Não sou o primeiro nem serei o ultimo artista brasileiro que consegue a principio fazer mais coisas fora do pais que dentro. Mas é interessante que isso reflete aqui dentro. Aos poucos tenho feito mais coisas dentro do Brasil e ampliado meu púbico”, afirma Alfredo em entrevista ao Virgula Música. “O pensamento cultural brasileiro faz parte de toda a herança de colônia. Existem ondas de valorização da cultura brasileira e depois outra onda de outra coisa”, completa.
Fale sobre esse show, o cenário terá alguns personagens que participaram do disco. Foi uma maneira de trazê-los para perto?
Esse show é o lançamento do disco novo. Tocaremos quase o disco na íntegra, somente duas musicas do repertório dos discos anteriores.
Teremos um cenário com adereços que trago da vida e painéis pintados de três pessoas que participaram do disco, Dona Neta, rainha do Maracatu Cruzeiro do Forte, que canta em duas músicas, além de outra música, Corisco, ser inspirada no Cruzeiro do Forte.
Outra homenageda é mestra Maria Padeiro, de Coruripe (AL), que canta a faixa Meu Natural e, por fim, Biu, zabumbeiro do samba de Matuto de Maragogi (AL), que canta Nega vem dançar e toca zabumba e conga em quase todo o disco.
Os três no palco simbolicamente como pinturas é bom para o show. A vontade é ainda tê-los em pessoa. Biu já fez com a banda europeia em Londres ano passado. Quem pintou esses painéis foi a Rafa Nepomuceno, que além de tocar e cantar na banda é uma grande artista plástica.
Pequenas projeções estarão presentes no show, inclusive desses que falei, pois eu registrei muita coisa em vídeo do processo do disco, inclusive vamos passar antes do show o vídeo de 13 minutos, que é bônus do disco, em que mostro como gravei com as pessoas em vários lugares do mundo.
Outro motivo especial é tocar na Choperia do Sesc Pompeia, um dos palcos mais legais de se tocar em São Paulo, outros shows que fiz de lançamento de discos nesse palco foram muito bons e este também será.
Quais foram os últimos lançamentos do selo Mundo Melhor e quais serão os próximos?
Acaba de sair o Maracatu Rural Cruzeiro do Forte de Recife (PE). Antes, em 2012, saiu Festa de São Benedito de Aparecida (SP), que foi o mais recente de uma série de sete discos de congado do Sudeste e Centro-Oeste.
Comente cada um desses registros, brevemente. Por que eles chamaram sua atenção?
O Maracatu Rural Cruzeiro do Forte é um grupo ímpar, ele tem um ritmo e um jeito de fazer maracatu chamado macumba. Esse é o segundo disco que sai pelo meu selo do Cruzeiro do Forte. Inclusive, no Pancada Motor – Manifesto da Festa tem duas músicas que vieram do Cruzeiro do Forte, Que Bela Macumba e Nico’s Dream, Nico é membro do Cruzeiro do Forte e também é membro da minha banda. Ouça e compre (aqui).
Festa de São Benedito de Aparecida-SP. Esse CD é uma compilação de dez anos de gravações que fiz dessa festa, ela que é a maior festa de Congado do Brasil, isso pela representatividade de grupos que vem do Sudeste e mais recentemente do Centro-Oeste. Nele, existem 33 grupos diferentes de congado, uma boa mostra para conhecer um pouco dessa rica tradição que é o Congado Brasileiro, (aqui).
Em 2014, o selo Mundo Melhor faz dez anos. O próximo lançamento, se tudo der certo, será uma compilação dos mais de vinte títulos do selo, que deverá sair em CD e vinil também.
Registros não faltam, hoje o acervo já esta quase em 1.900 horas de gravações,. que iniciei em 2000 e continuo ampliando esse acervo.
Você irá lançar seu álbum pela Far Out. Que outros brasileiros entraram recentente no cast dessa gravadora e como que se deu sua aproximação com eles. Que público pretendem alcançar?
Otis Trio acabou de lançar belíssimo disco pela Far Out. Anteriormente, Joyce, Marcos Valle, Azymuth, Milton Nascimento e Naná Vasconcelos.
Alguns produtores e selos enxergam a música brasileira dentro da world music. A Far Out divulga para as rádios de jazz e tem distribuição mundial. Isso pode ampliar bastante o público para o meu trabalho fora do país.
Sua música tem mais apelo comercial fora do Brasil que aqui?
Na verdade, eu não sou o primeiro nem serei o ultimo artista brasileiro que consegue, a príncipio, fazer mais coisas fora do pais que dentro. Mas é interessante que isso reflete aqui dentro. Aos poucos, tenho feito mais coisas dentro do Brasil e ampliado meu púbico.
Isso te incomoda?
Não me incomoda. O pensamento cultural brasileiro faz parte de toda a herança de colônia. Existem ondas de valorização da cultura brasileira e depois outra onda de outra coisa. Nesse momento estamos vendo muito artistas que se inspiram em música brega e afins. Isso passará e virá outra onda. Esse é o fluxo normal em todos os lugares.
Eu estou construindo algo que é mais perene e mais contínuo. Estou no meu quarto disco, outro já está bem encaminhado. Muitos artistas estão criando seus próprios caminhos em detrimento dessas ondas passageiras.
As manifestações da cultura popular que você documenta correm risco de serem extintas?
Muitas delas sim, outras não. Teria que falar caso por caso. Um bom exemplo são as tradições alagoanas, que são a fonte e inspiração do termo “pancada motor”. Essas tradições usaram e usam a palavra pancada motor para o ritmo, elas são caboclinha, cambinda, samba de matuto e baianá.
Algumas delas estão à beira da extinção. Espero que o disco possa gerar interesse nelas. Não faço o disco por inspiração e criação artististica, mas muito baseado nessas culturas.
Espero ainda fazer o Festival Pancada Motor, juntado esses grupos tradicionais, DJ Tudo e sua gente de todo lugar, os ingleses do Asian Dub Foundation, tudo junto, misturado, e também separados.
São ações que eu quero fazer para dar visibilidade a essas tradições. Espero poder fazer o quanto antes. A caboclinha de Alagoas, por exemplo, está desativada nesse momento. Cambinda tem um grupo, samba de matuto tem um grupo. Esses grupos vivem situação muito delicada e muitos outros pelo Brasil.
Mas, por exemplo, o Congado de Minas está vivo e forte, as folias de reis do Sudeste e Centro-Oeste, os carimbós do litoral ate Belém do Pará estão muito vivos e fortes.
Como que se deu seu contato com o universo da cultura popular e em que momento teve certeza que iria fazer isso por toda vida?
Eu me interessei a princ[ípio pela música da cultura popular, no início dos anos 90. Fui, aos poucos, entrando nesse universo e entendi que era profundo, que a música era parte de algo maior.
Eu tenho muito prazer em gravar, porque estou fazendo um acervo que é importante para a comunidade, para a cidade, para o estado, para o Brasil e para a história da humanidade. Esses registros são documentos da existência humana, como muitos outros.
Conviver com essas comunidades são experiências transformadoras. Isso me dá vontade de continuar nesse universo de viagens pela Brasil e quero ampliar para América Latina e Caribe ainda. Sempre me resignifico quando estou registrando e convivendo com o povo brasileiro. É uma experiência humana muito rica.
O que difere seu trabalho das famosas expedições de Mário de Andrade e do Música do Brasil, realizado mais recentemente?
Cada coisa acontece em sua época. Mário de Andrade foi pioneiro em olhar para essa cultura. Mas era algo rápido de passar e registrar. Era muito difícil de se viajar e registrar na época. Nesse aspecto de passar rapido também foi o Musica do Brasil do Hermano Vianna, que foi um olhar “pop” sobre algumas tradições do Brasil.
Eles viajaram durante um ano. Inclusive, voltei em alguns lugares principalmente em Sergipe e que apanhei porque fui a pessoa que passou lá depois do Música do Brasil. Eles editaram o disco, que é muito bem feito e registrado, porém muita gente não foi informada que estava no disco.
Eu estou viajando há 14 anos. Volto em vários lugares muitas vezes, em alguns poucos não consegui voltar. Procuro devolver os meus registros para as comunidades, consegui fazer 18 cds de cultura popular e ainda farei muitos outros, além do trabahlo do DJ Tudo, que se relaciona profundamente coms esssa tradições e com as pessoas que participam dos discos. Hoje, tenho amigos muito queridos por muitas partes do Brasil.
Meu acervo hoje é o maior que alguém fez desses registros, quase 1900 horas. Um dia vou conseguir uma paceria para poder disponibilizar isso em grande escala na internet, pois tem um ditado Xavante que diz: “A pessoa só respeita o que conhece”. Nós, brasileiros, precisamos conhecer mais a cultura de nosso povo para poder respeitá-la e assim essas culturas terem mais força para continuarem a existir e nos darem mais força e sabedoria par enfrentarmos o futuro.
Que aspecto vê como mais contemporâneo na cultura popular?
Após 200 anos de sociedade industrial chegamos num grande desgate, assim vejo eu. ciência está “descobrindo” coisas que povos antigos já sabiam há centenas ou milhares de anos.
A medicina precisa dos saberes tradicionais para resolver as doenças do mundo moderno. A cultura popular faz parte desse mundo rico ancestral da história da humanidade. Os ritmos e melodias que trago para o contexto da música contemporânea são muito fortes e são muito novas e frescas, tem “muita novidade” sonora para quem quiser mergulhar e conhecer a cultura popular brasileira e do mundo.
O maior compositor do Brasil, (Heitor) Villa Lobos só fez o que fez por causa de suas viagens pelo Brasil. Claro que ele era genial, porém sem essa cultura, ele talvez somente copiaria os europeus.
Se os jovens artistas quiserem se inspirar nos saberes tradicionais poderão em muito enriquecer suas vidas e concepções estéticas.
SERVIÇO
DJ Tudo e Sua Gente de Todo Lugar, lançamento de Pancada Motor – Manifesto da Festa
Dia 21 de março, sexta-feira, às 21h30, na Choperia.
Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 18 anos.
Ingressos: R$ 3,20 (trabalhador no comércio e serviços matriculado no Sesc e dependentes), R$ 8,00 (usuário matriculado no Sesc e dependentes, +60 anos, estudantes e professores da rede pública de ensino) e R$ 16,00 (inteira).
Duração: 90 minutos
Lotação: 800 pessoas
SESC Pompeia – Rua Clélia, 93
Telefone para informações: (11) 3871-7700