Ahmad Jamal no BMW Jazz Festival, em São Paulo
Créditos: Taiz Dering/Divulgação/HSBC
Minutos após o quarteto de Ahmad Jamal começar a tocar, na quinta-feira (29), em São Paulo, baixei o olhar, por um instante, e então percebi que o HSBC Brasil estava totalmente esfumaçado.
Evidentemente, tratava-se de um devaneio, mas aquele som capaz de dissolver ritmo e suspender o tempo, havia me transportado ao ambiente de um clube nova-iorquino dos anos 50 e 60, quando Ahmad e o jazz conheceram seu auge.
Não que ele seja decadente. Ao contrário. O músico que abriu a quarta edição do BMW Jazz Festival, como bem definiu o jornalista e curador Zuza Homem de Mello, é “imperecível e refinado”.
Jamal, de 83 anos, é um desbravador de espaços. O crítico Stanley Crouch, que o considera o músico mais influente desde Charlie Parker, diz que sua revolução está no uso dos espaços de ritmo e tempo. Para ele, o músico inventou um som de piano trio que tinha todas as surpresas e variações dinâmicas de uma big bang.
Místico, seu som também está ligado aos espaços interiores. As cinco orações para Meca, desde que tinha vinte e poucos anos, talvez o tenham ajudado a aperfeiçoar sua linguagem musical, capaz de dizer tanto com tão pouco.
Exatamente como a performance do baterista Herlin Riley, que parece tocar sem fazer o mínimo esforço. Diferentemente do baixista Reginald Veal, quase um atleta, que sua o terno impecável para acompanhar as harmonias apenas sugeridas por Jamal e pela pulsação de Riley e da percussão afro-latina de Manolo Badrena.
Nada pode ser mais “outsider” que ser islâmico nos Estados Unidos após o 11 de setembro de 2001. No caso de Jamal, que faz uma arte capaz de revelar o que existe de mais americano pode soar como contradição. Não é porque o jazz é a expressão da liberdade. O jazz é sublime e sagrado demais para ser aprisionado.
Como escreveu João Guimarães Rosa, em uma passagem de Grande Sertão Veredas sobre o ecumenismo: “Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Midubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável”, narra o Riobaldo Tatarana.
Jamal é um rio inesgotável. Quando ele e seus companheiros pararam de tocar, percebi que eles haviam levantado não fumaça, mas nuvens.
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