Especial Mês do Rock: A nova cara do rock nacional
Créditos: divulgacao
É difícil chamar o rock adocicado da banda gaúcha Fresno de novidade. Há pelo menos seis anos, desde o lançamento de Ciano (2006), o grupo frequenta o chamado cenário mainstream, com presença maciça na grande imprensa. O êxito comercial do quarteto provocou uma explosão de bandas similares por todo o país – a grande maioria com pouco ou nenhum sucesso – e a decadência do “emo” nos últimos anos podia ter acabado prematuramente com a carreira do grupo. Mas em vez de insistir nas fórmulas consagradas para manter-se no topo, a opção da banda liderada pelo falante vocalista Lucas Silveira foi distanciar-se do que Lucas chama de “pasteurização” do pop.
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Citada espontaneamente nas quatro entrevistas da série A Nova Cara do Rock Nacional – de forma negativa e positiva – a Fresno faz parte da última geração de bandas de rock que conseguiram atingir um grande público no Brasil. Criticada por causa do forte apelo pop de seus singles mais conhecidos, a banda aliou-se ao consagrado produtor Rick Bonadio (Charlie Brown Jr., Mamonas Assassinas, Nx Zero), para a estreia em uma grande gravadora: o álbum Redenção (2008). A opção por faixas mais tensas no disco seguinte – Revanche (2010) – causou um racha não muito amigável com Bonadio, e forçou a saída da gravadora Universal.
Desde então, o grupo tenta aliar a experiência em uma grande gravadora à liberdade de ser independente. Para divulgar o sexto álbum do grupo – Infinito, previsto para setembro – Lucas planejou um clipe grandioso para a faixa-título do disco: queria gravar imagens do espaço.
“Eu queria fazer algo diferente, algo além da música”, explica o vocalista, um detalhista assumidamente obsessivo. A ideia era acoplar câmeras portáteis de alta qualidade em balões metereológicos, para filmar os limites da atmosfera. Por pouco, o projeto não deu errado – dois balões não foram encontrados pela equipe responsável pelas filmagens. Mas o terceiro resultou no clipe dirigido por Daniel Ferro, que em menos de duas semanas ultrapassa as 300 mil visualizações no YouTube (você pode assistir no fim da página).
Consciente das críticas à banda e dos problemas do mercado nacional de rock, Lucas acredita que o melhor caminho para manter o gênero vivo é buscar decisões artísticas, para evitar a dependência do sucesso comercial. Em entrevista ao Virgula Música, a última da série que analisa a identidade do novo rock brasileiro, Lucas Silveira reavalia a história da banda, descreve o conflito com Rick Bonadio, e pede que os novos grupos não tenham medo de inovar e explorar novos formatos: “Não basta você fazer uma música boa. Você tem que chamar atenção de alguma forma”.
Virgula Música – Em todas as entrevistas da série A Nova Cara do Rock Nacional, as bandas foram questionadas sobre a ausência de novas bandas de rock no grande mercado de música nacional. Na sua opinião, o que aconteceu com o rock nacional nos últimos anos que o fez sumir do mainstream?
Lucas Silveira – O que aconteceu foi uma penetração maior do sertanejo em um público que não costumava ouvir esse tipo de som, um público que antes ouvia pop nacional e internacional. E também existe esse abandono do rock nacional por parte das rádios. Mesmo o rock que toca em rádio, que é a Fresno, toca mascarado. Tem que tocar meio que com vergonha de ser rock, entendeu? E ao mesmo tempo o que eu vejo muito é que o povo mais classe média tem tanto acesso à cultura, a tanta música, tanta coisa, que não existem mais unanimidades. Um fenômeno como o Legião Urbana, como o Paralamas do Sucesso, não existe mais. E o que é mais popular hoje? Gusttavo Lima, Michel Teló. Só que as pessoas que não gostam disso têm tantas opções para ouvir música – YouTube, blogs, sites – que elas podem acompanhar o que acontece lá [no exterior] em tempo real, e não ouve rádio aqui. Aí a rádio acaba tocando para quem? Para quem ainda ouve, para quem não tem essa coisa de ficar procurando por música.
VM – E qual é a posição da Fresno nessa realidade?
LS – A Fresno é uma banda de rock que tem uma pretensão de ter uma carreira, um trabalho que não seja 100% embalada e feita só para vender. Então as bandas que estão nesse meio, que estão no mainstream, ficam meio que em um abismo que separa o Ai Se Eu Te Pego de uma atração do [festival] SWU, não importa o quanto a gente abrace o rock ou o pop. As pessoas têm uma visão pré-concebida da gente, porque a gente veio no balaio do emo. A gente foi a que menos sofreu com essa coisa do emo no fim das contas, conseguimos uma sobrevida. Mas ao mesmo tempo ainda temos muita satisfação para dar, coisa que não tínhamos quando éramos apenas uma banda grande do underground. É uma coisa com a qual aprendemos a lidar na marra, que não dá para agradar todo mundo.
VM – Então foi isso que motivou a sonoridade mais pesada a partir de Revanche (2010)? Vocês deixaram de tentar agradar a todos?
LS – Até quando a gente fazia um som leve era o som que a gente queria fazer. Mas é que, sendo leve ou pesado, tem que ter um cuidado muito grande. No mainstream do Brasil existe um desleixo quanto ao detalhe no pop. No novo sertanejo, por exemplo, o cara ganha R$ 300 mil para fazer um show, mas gasta R$ 15 mil para fazer um disco. A gente ganha um décimo do show dele e gasta o dobro, gasta três vezes mais para gravar um disco. Os nossos discos que soam mais leves, mais pasteurizados, são justamente os que não foram tão bem mixados e masterizados. E por isso decidimos tomar a frente de tudo, para não termos mais a quem culpar.
VM – Em entrevista à revista Sexy, o Rick Bonadio disse que a opção da Fresno por um som mais pesado não funciona porque a banda é boa em fazer “músicas românticas”, e não “rock pesado”. Como essa mudança foi discutida com ele na época da gravação de Revanche?
LS – Quando ele ouviu o Revanche, ele disse: “Cara, isso aqui está bom, mas está estranho porque vocês fazem essa coisa meio dramática, querendo ser pesados, querendo ser mal-humorados, e isso não vai dar certo. Vocês podem fazer isso, mas saibam que essa escolha de vocês tem um peso”. Ele queria que a gente fizesse um som tipo Alguém Que te Faz Sorrir de novo. Eu ainda faço música assim, mas eu gosto de mostrar diversidade. Talvez se a gente tivesse partido para um lado mais pop, o nosso cachê estivesse maior. Mas eu não sei até que ponto a gente teria longevidade, porque se você perde credibilidade com o teu fã, a única pessoa que acredita em tudo que você faz, você vai ter credibilidade de quem? Eu prefiro manter a credibilidade com o fã, e não com um cara que conhece bem o mercado, mas vê as coisas de uma maneira diferente da minha. O Revanche vendeu menos cópias do que o Redenção (2008), mas foi com aquele disco que conseguimos um monte de coisa que só teríamos conseguido batendo o pé, mesmo.
VM – O problema do rock nacional então é olhar demais para o mercado e menos para a carreira das bandas a longo prazo?
LS – Ah, você pode ter certeza disso. Porque se você olha para o mercado, o máximo que você vai ver é o que está acontecendo. Você vai pegar uma marolinha da onda que o cara está surfando desde o começo. Mas quem está no topo precisa fazer um trendsetting. Nesse momento de crise do rock, a gente trabalhou ainda mais. E agora, por exemplo, lançamos um clipe que, se o cara quiser gravar um clipe também, ele vai ter que trabalhar duas vezes mais para conseguir aparecer.
VM – A Fresno já esteve em uma grande gravadora, e hoje é independente. Claro que estar no cenário independente depois de ter passado por uma gravadora é diferente…
LS – É, é muito diferente.
VM – …mas como você enxerga esses dois lados do mercado? O cenário independente dá espaço para o rock nacional crescer?
LS – Ser independente é uma luta tão grande quanto estar em uma gravadora, só o inimigo que muda. E muitas vezes as pessoas usam “independente” como um adjetivo, e na verdade isso não atesta a qualidade de ninguém. Tem mais pessoas tocando bem, mais pessoas trabalhando sério no mainstream do que no independente, em qualquer estilo musical. No cenário independente, o rock ficou meio careta. Mas sempre vai ter espaço – o que a muda é a atenção que é dada para o rock. Ao mesmo tempo em que hoje não toca rock no rádio, tem uma criançada maluca que escuta AC/DC e Iron Maiden porque joga [o videogame musical] Guitar Hero. A mídia mudou. Põe uma música tua em um jogo [do skatista] Tony Hawk para ver o que acontece. A pessoa que está há muito tempo nesse mercado talvez não tenha a agilidade de enxergar isso. E hoje em dia não basta você fazer spam, sair postando links para tua página no Soundcloud, no Facebook, no Twitter. Você precisa ser inovador de alguma forma…
VM – Colocando câmeras em balões metereológicos, por exemplo?
LS – É, eu não queria dizer isso para não soar muito pedante (risos). Mas é isso. Não basta você fazer uma música boa, gravar um disco bom, você tem que chamar atenção de alguma forma. Não é todo dia que você cria uma puta frase tipo Não Existe Amor em SP [música de sucesso do rapper Criolo], que vai valer por si só.
Para encerrar a série A Nova Cara do Rock Nacional, Lucas Silveira analisou, a pedido do Virgula Música, as quatro bandas entrevistadas anteriormente:
Rancore:
Eu acompanho desde muito tempo. São os filhos mais fieis da geração pós-Dead Fish [banda capixaba de hardcore]. E eu vejo neles o mesmo sentimento que o Dead Fish tem, de botar na ideia dos jovens um pensamento além de, sei lá, perder o cabaço, coisas assim. Foi algo que o Dead Fish provocou em mim, e é um papel que o Rancore ocupa com a juventude de hoje. E além de tudo, são nossos amigos.
O Terno:
Eu ouvi um negócio deles, mas nem saberia o que dizer. Mas lembro que vi um clipe muito legal.
Wannabe Jalva:
Pelo menos metade da banda tem um passado ligado à cena hardcore, como a gente. Para você ver como o hardcore tem essa coisa de incutir um pensamento, uma filosofia no cara. Eles fazem um som dançante, meio eletrônico, moderno, mas a divulgação deles é toda na “guerrilha” mesmo. O som é bem gringo, dava para entrar no [site americano especializado em crítica musical] Pitchfork.
Garotas Suecas:
É um pessoal que a gente sempre vê por aí. A mina canta com uma voz muito diferente, gosto também das músicas delas com o Thiago Petit e o Marcelo Jeneci. Eu acho massa, acho bem massa, mesmo.