A personificação do artista que consegue tirar um som de uma caixa registradora de farmácia é realmente algo que vem de além da alma e transcende o entender de música de Tuto Ferraz, ou seria Zarref? O baterista e multiartista cada vez mais experimental na música eletrônica lançou o seu mais novo projeto, “Zarref: Sundaes Bloody Sundaes”, na última semana e conversou com o Virgula sobre mais esta etapa na sua extensa carreira como músico.
“Zarref é o anagrama do meu sobrenome, né, Ferraz”, começa ele contando sobre si mesmo. “O heterônimo surgiu assim numas experimentações. Às vezes a gente é conhecido por um trabalho que a gente faz mais, mas a gente não gosta de se limitar”, continua Tuto, que ainda tem um projeto autoral de jazz, o Tuto Ferraz Quinteto, e o projeto de sucesso Grooveria.
Sobre o comecinho de Zarref, ele continua: “A história é bem engraçada. Tava na casa da minha mãe na praia assistindo a um canal de videoclipes árabe [risos, dos dois]. E aí eu fiquei vendo aquele canal, achei umas batidas legais e tive a ideia de uma melodia, escrevi um pentagrama, escrevi a batida num papel e voltei pra São Paulo e fiz uma música, que ainda nem está no Sundaes”.
“Na época tocava com Max de Castro, já faz uma cara, foi no primeiro decênio dos anos 2000. Aí mostrei pra ele sem falar que era eu. Tava o Max, o Eugênio Lima e o Serginho Cavalho. Aí mostrei, olha esse cara que eu baixei, que louco! Ainda era aquela época de baixar som! Os caras piraram no som! Aí quando falei que era eu, os caras até disseram: ‘pô, pensei que era o Max de Castro das Arábias!”, explicou às gargalhadas. “Aí o Max chegou e falou, caramba é o Zarref, que é Ferraz ao contrário. Aí pegou. Toda hora que eu fazia um som meio diferente assim eu chamava de Zarref”.
Tuto conta que as sete faixas que compõem o primeiro EP como Zarref foram feitas sempre em um domingo entre 2006 e 2012. “Demorei muito pra lançar porque o HD que eu tinha essas coisas deu pau, e eu fiquei só com os bounces. Mas depois de tantos anos eu falei ‘cara, pode ser que não esteja perfeito tecnicamente, mas cara é uma coisa que eu gosto de ouvir’. Mostrava pras pessoas e elas achavam legal. Pensei em não descartar um trabalho com tanta coisa. Aí resolvi lançar do jeito que tava mesmo, sem fazer nenhum ajuste!”.
Projetos de Zarref na gaveta, mas que vêm aí
“Tem coisa até mais antiga de Zarref que eu vou lançar ainda. A música tem essa coisa, quando você não faz algo muito pensando em mercado, ela não tem exatamente um prazo de validade”.
“Tem umas coisas na gaveta do Zarref que eu gosto. Tem uma série que eu chamava de ‘Zarref, Regroove’. Ainda não sei como lançar isso aí porque tem um negócio de direito autoral. O que eu fazia: pegava umas músicas antigas e gravava em cima. Fiz regroove do Jorge Ben Jor, fiz do Quincy Jones, um monte de coisa, totalmente diferente, um lado indie também, com quatro canais, coisas super minimalistas”.
“Eu não sei qual vai ser o primeiro que eu vou lançar, não, pra falar a verdade. Mas tem mais Zarref chegando por aí no ano que vem. Talvez no primeiro semestre já deva lançar pra movimentar”.
A melhor do primeiro EP de Zarref e o som da registradora
Como tirar uma melodia completa pensando em um som de uma caixa registradora ao entrar em uma farmácia? Impossível? Não para Tuto, que fala sobre sua preferida do projeto. “Fiz essa música e gravei o vocal de primeira. Essa música tem a ver com um dos climas principais do Zarref, é a “All Alone”, a primeira música do EP.
“Tem a ver com os relacionamentos efêmeros que eu tinha na época. Aquela coisa que você se sentia meio sozinho, domingão, né, tem um clima meio melancólico, que acho que tem a ver com esse universo desse disco, assim, um clima, romântico e pessoal, porque no fundo eu sempre fui muito romântico.
Zarref por Zarref
Eu não ouso aqui neste texto dizer quem é Zarref. Mas deixo Tuto, ou melhor, Zarref falar sobre Zarref. ” Tem uma coisa legal sobre a ‘All Alone’ (a preferida do álbum). Imaginei essa música com a Madonna cantando. Fiz essa música e imaginei ela na voz da Madonna! Acho que o Zarref é meio isso, aquela esponja que fica absorvendo tudo que gosta e que não é exatamente o seu ambiente que você mais frequenta, mas que você gosta também”.
“Hoje em dia o mercado manda muito na música, mas a gente ao mesmo tempo tem o lado democrático da internet. Tem um monte de artista que você nunca ouviu falar e ouve. É um momento bom de lançar um negócio que não tem a pretensão de se encaixar em um estilo ou outro, num mercado ou outro.
“Deixa a música fluir, né. Deixa a música tocar as pessoas e ver aonde ela chega…”