Vida fácil, dinheiro, glamour, status… Para quem não acompanha de perto a trajetória de meninas que estão tentando uma chance no concorrido e dolorido mundo da moda, tudo é festa e curtição. A realidade dessa profissão tá longe de ser tão cor-de-rosa, assim, e costuma ser muito mais dura com as new faces, modelos promissoras que estão dando os primeiros passos na carreira.
Longe de casa e lutando por oportunidades em temporadas, desfiles e campanhas, essas garotas precisam enfrentar noites sem dormir, provas intermináveis de roupas e um cardápio restrito e sem graça, que nunca pode ser provado nos backstages de eventos como o São Paulo Fashion Week. A comida é só para aquelas mais ousadas, que não temem alguns centímetros a mais nos quadris.
A luta para “caber” na fita métrica faz parte da vida da carioca Anna Kossmann desde que tinha 14 anos. Enquanto conversamos, observo em suas mãos uma garrafinha térmica que ela diz conter o seu jantar, ignorando pãezinhos, salgados e outras coisas “gordas”, como as modelos dizem, nos camarins.
“Na primeira vez que fui a uma agência, disseram que eu tinha que ser um ano mais velha e ter 2 cm a menos de quadril. Voltei lá um ano depois, com a medida certa, e me pediram para emagrecer ainda mais. A vigilância do peso é constante”, lembra ela, que hoje tem 17 anos.
Terminando o ensino médio, a rotina de Anna para dar um fim à briga com a balança envolvia 4h de academia todos os dias, spinning, aula de dança, dietas restritivas… Nada funcionava, até que a garota resolveu procurar uma nutricionista. Agora, com 12 kg a menos, Anna conseguiu entrar no mercado de vez, mas sem se mudar definitivamente para São Paulo, já que ainda tem meio semestre se formar no colégio.
“Tenho professores que não se conformam com a minha escolha, acham um absurdo eu terminar a escola e seguir na carreira de modelo, porque é algo fútil demais. Sempre me esforço para acompanhar as matérias que perdi, mas alguns professores me ignoram ou dificultam esse processo”, conta ela.
Não pode comer isso, não pode comer aquilo… Foi por conta do peso que Drielly Souza, de 19 anos, acabou perdendo a oportunidade de participar da edição de 2013 do SPFW. Três anos depois e alguns quilos mais magra, Drielly inaugurou a passarela do evento e espera, em breve, embarcar para uma temporada em Nova York. Fácil não é, diz ela.
“O maior perrengue é que você precisa se privar de tudo, o tempo todo. Moro numa casa com modelos e o booker fica com a gente, controlando a alimentação das meninas. Quando você engorda, a agência fica no pé falando que ninguém veio para São Paulo à toa, que isso é trabalho, e tal. Às vezes a gente até perde a paciência”, desabafa a menina.
Drielly deixou tudo para trás, em Recife, e sente que a saudade de casa bate forte sempre que precisa enfrentar os momentos de correria e loucura das temporadas de moda. “São muitas noites cansativas, vivemos esperando horas por coisas simples, como passar um blush. Na primeira vez em São Paulo, lembro que chorei muito. Mas é preciso ter foco e não desistir”, diz ela.
Voltar para casa, aliás, já foi uma vontade de Fernanda Beuker, que veio de Uberaba, em Minas Gerais. Com vinte anos, ela sabe que sua maior conquista como modelo não tem a ver com marcas, estilistas ou agências; a graça, na verdade, foi aprender a ser paciente, porque nada vem fácil nessa profissão. São muitas meninas talentosas batalhando por um espacinho nos holofotes. “Mesmo que você dê o seu melhor, nem sempre é suficiente”.
“Eu imaginava, como a maioria das meninas, que ser modelo era só glamour, viajando pelo mundo, com uma vida fácil, mesmo. Ninguém vê o que a gente precisa engolir para conseguir algumas oportunidades. Ficamos sem comer, passamos mais de 10h em cima de um salto… E se você reclamar e não fizer, outra menina vem e faz”, explica Fernanda.
Por isso, resistir muito e bancar a difícil nunca é algo bem visto entre a galera que trabalha com moda. Depois de dois anos trilhando esse caminho, Fernanda aprendeu que a profissão vai muito além da beleza e carrega problemas como pressão psicológica, restrições e muita solidão, principalmente para quem veio de longe, como ela.
“Sinto muita saudade da companhia dos meus pais, confesso que às vezes até dá vontade de voltar para casa. Mas meus pais me apoiam muito e me lembram por que eu vim até aqui. É uma carreira muito bonita, tenho orgulho de ser modelo e acho que a gente precisa continuar lutando e acreditando no sonho”, diz.