São Petersburgo lembra nesta segunda-feira (27) o 70º aniversário da ruptura do trágico cerco às tropas nazistas à então cidade de Leningrado, um dos episódios mais traumáticos da Segunda Guerra Mundial, que entre 1941 e 1944 matou pelo menos 1 milhão de pessoas.
O presidente russo, Vladimir Putin, natural de Leningrado, (desde 1991, chamada São Petersburgo) depositou um buquê de flores em uma das valas comuns de um dos quatro cemitérios da cidade e lembrou que lá foi enterrado seu irmão, que não chegou a conhecer já que morreu bebê, vítima do cerco em 1942, dez anos antes de o presidente nascer.
Pouco antes, Putin colocou outra oferenda floral em um lugar nos arredores da cidade conhecido como “a praça do Neva” (às margens do rio homônimo), onde seu pai lutou contra as tropas alemãs que avançavam rumo à cidade.
“Nosso dever é que nada seja esquecido, nunca. Que nada se perca, que tanto o povo de nosso país como o do exterior lembrem essa tragédia, a virilidade e a heroicidade do povo soviético e dos leningradenses”, disse Putin em um encontro com veteranos da Grande Guerra Pátria, como é conhecida na Rússia a etapa soviética da Segunda Guerra Mundial.
Lembrou que em apenas quatro meses, entre o fim de 1941 e o início de 1942, morreram na cidade 360 mil pessoas, equivalente a quase todas as vítimas mortais que sofreu o Reino Unido durante toda a Segunda Guerra Mundial.
“Imagine que diferença entre o número de vítimas que depositou sobre o altar da vitória o povo soviético e outros países do mundo”, destacou Putin.
O exército nazista, que invadiu a União Soviética em 22 de junho de 1941, fechou o cerco em torno de Leningrado em 8 de setembro do mesmo ano e o manteve durante 900 dias e noites, até que o Exército Vermelho conseguiu rompê-lo em 27 de janeiro de 1944.
O propósito de Hitler era apagar Leningrado da face da Terra, mas a cidade resistiu e sobreviveu, mesmo com o preço de 1 milhão de vidas de seus habitantes e defensores, vítimas dos bombardeios, a fome, as doenças e o frio.
Apanhados pela invasão nazista, os dirigentes comunistas da cidade não prepararam devidamente sua defesa e não fizeram reservas de alimentos, por isso a fome se apoderou de Leningrado um mês depois que o cerco foi fechado.
Com o inimigo chegando à cidade, dezenas de milhares de civis foram mobilizados para erguer fortificações e formar milícias populares, que mal tinham armas: eram enviadas à frente com um fuzil para cada 30 homens, sob o lema patriótico “A arma a conseguirás em combate”.
Cerca de 20 mil pessoas morreram ao defender a cidade e outras 10 mil, em ataques a bomba, mas foram a fome e o inverno, com temperaturas de 40 graus abaixo de zero, os que mais estragos causaram entre os moradores.
Um relatório da inteligência nazista assinalava em fevereiro de 1942 que a média de civis mortos era de “entre 2 mil e 3 mil pessoas por dia”, e outro soviético confirmava em março que “morrem por dia entre 3.200 e 3.400 pessoas”.
Na cidade, onde a porção diária de pão foi nos piores momentos de apenas 125 gramas, o impacto da fome era tão grande que muitos moradores passaram a aceitar o canibalismo, segundo documentos da época ocultados pela propaganda soviética mas abertos posteriormente a historiadores.
A falta de alimentos foi tão dramática que os pais não deixavam seus filhos saírem sozinhos à rua ou seriam sequestrados por grupos de criminosos que depois vendiam a carne humana.
“Já comem carne humana, que se consegue no mercado”, dizia um relatório secreto escrito em 23 de fevereiro de 1942 ao líder comunista de Leningrado, Andrei Zhdánov.
As autoridades da cidade se viram obrigadas a criar uma divisão especial para combater o canibalismo, com um saldo de 600 condenados em fevereiro de 1942 e mais de mil em março, segundo documentos reproduzidos por Izvestia.
Alguns cálculos realizados por historiadores graças a documentos secretos da época indicam que até 2,3 milhões de habitantes foram sepultados em valas comuns cavadas durante o bloqueio nos quatro cemitérios de Leningrado.