A retirada de circulação de um livro sobre o hinduísmo reabriu o debate sobre os limites da liberdade de expressão e da censura na Índia, onde são proibidos textos e filmes para evitar conflitos entre comunidades.
“The Hindus: An alternative story” (“Os Hindus: Uma história alternativa”, em tradução livre), escrito por Wendy Doniger, professora de Religião da Universidade de Chicago, não será mais publicado no país asiático.
A decisão foi tomada depois que a editora Penguin Books India conseguiu na semana passada um acordo fora dos tribunais. A organização Shiksha Bachao Andolan Samiti (SBAS) – Movimento para salvar a educação – denunciou em 2009 a editora em relação à obra de 800 páginas, publicada ainda naquele ano, por considerar que é ofensiva aos seguidores do hinduísmo.
A denúncia argumentava que o livro foi escrito “com zelo missionário” com “a intenção secreta de denegrir os hindus” e classifica Doniger como uma “mulher faminta por sexo” pelas referências à sexualidade nos textos sagrados.
Em um acordo extrajudicial que gerou muitas críticas, a Penguin se comprometeu a deixar de publicar “The Hindus” na Índia, destruir as cópias que existem em livrarias e índices e afirmar em público que “respeita todas as religiões do mundo”.
Doniger defendeu em comunicado sua editora e afirmou que “o verdadeiro vilão” é o código penal indiano.
A professora e indologista acrescentou que a constituição indiana considera a liberdade de expressão um direito fundamental, mas também especifica uma série de brechas que permitem ao governo impor “restrições razoáveis”.
Esses limites “razoáveis” transformaram a Índia no primeiro país a proibir “Os Versos Satânicos” de Salman Rushdie, antes da “fatwa” (pronunciamento legal) iraniana contra o escritor, pela pressão da comunidade muçulmana indiana.
O gigante asiático também permitiu à pequena comunidade cristã do país conseguir a proibição da projeção do filme “O Código Da Vinci” (2006), baseado no livro de Dan Brown, porque feria seus sentimentos religiosos.
Além disso, o escritor espanhol Javier Moro sofreu em 2010 a censura indiana com “O Sári Vermelho”, um retrato íntimo de Sonia Gandhi, a presidente do Partido do Congresso (de situação) e viúva do ex-primeiro-ministro Rajiv Gandhi.
A obra de Moro não foi publicada na Índia após as ameaças de denúncia por parte do congresso e os protestos nos quais foram queimadas fotos do autor.
O sistema judiciário indiano contém leis contra os “discursos de ódio” para prevenir os conflitos entre comunidades religiosas e étnicas em um país onde as ondas de violência entre diferentes grupos não são raras.
Os tribunais são favoráveis às denúncias de difamação ou ofensa e dão poder aos litigantes para suprimir livros antes de serem publicados. Nos últimos meses, dois livros foram proibidos na Índia, além do de Wendy Doniger.
Em dezembro, um tribunal de Calcutá impediu a publicação de uma obra sobre o conglomerado financeiro Saara após uma denúncia por difamação apresentada pela companhia contra o jornalista Tamal Bandyopadhyay e pedindo US$ 30 milhões de indenização.
Em janeiro, a editora Bloomsbury anunciou que estava retirando “Descent of Air India” (“O declínio da Air India”), um livro sobre a companhia aérea estatal à beira da falência, após ameaça de denúncia do parlamentar Praful Patel, do Partido do Congresso e ex-ministro da Aviação.
As críticas a Penguin por sua decisão de retirar “The Hindus” não tardaram. “Você publicou alguns dos maiores escritores da história. Os apoiou, lutou pela liberdade de expressão. E agora que não há ‘fatwa’ nem proibição, você se rende”, escreveu Arundhati Roy, autora de “O deus das pequenas coisas” publicado pela Penguin.
Outros dois escritores da editora, Jyotirmaya Sharma e Siddharth Varadarajan, pediram que seus livros fossem retirados das livrarias indianas. Mas, para o analista Mihir Sharma, a culpa não é da editora, “uma companhia com acionistas”, mas das leis do país.
Sharma escreveu em uma recente coluna no jornal “Business Standard” que a seção 377 do Código Penal, que proíbe as relações homossexuais, tem muitos críticos e foi levada aos tribunais.
No entanto, o artigo 295A, que criminaliza os discursos ofensivos contra a religião, não recebe tanta atenção, segundo o analista. “As leis que põem uma camisa de força na cultura não merecem sobreviver”, sentenciou Sharma.