Foram seus canhões que abriram as hostilidades da I Guerra Mundial: o navio Bodrog, orgulho da marinha austro-húngara, sobrevive hoje como um píer flutuante, após testemunhar um século da história da Europa e ter servido sob quatro bandeiras diferentes.
O Bodrog, um tipo de barco fluvial de guerra com blindagem pesada, foi construído em 1904 com os maiores recursos tecnológicos da época, e bombardeou a capital sérvia pouco antes da meia-noite de 28 de julho de 1914. Seus canhões de 120 milímetros abriram as hostilidades de um conflito que se prolongou por quatro anos e deixou milhões de vítimas em uma Europa destroçada.
A poderosa Marinha do Império Austro-Húngaro desempenhou um importante papel em sua campanha contra a Sérvia, a quem responsabilizava pelo assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono, um mês antes em Sarajevo.
Os rios Sava e Danúbio, que fluem por Belgrado, representavam a fronteira direta entre o império e a Sérvia, explicou à Agência Efe o historiador Milan Gulic. “O ataque começou pelos rios, e foi direto contra a capital por causa de sua proximidade”, contou Gulic, do Instituto para a História Contemporânea.
Além da importância geográfica, a “pressão psicológica” também foi essencial, pelo medo que este tipo de embarcação provocava, por causa de sua blindagem, insuperável para as defesas sérvias, até meses depois chegar munição especial vinda da Rússia, da França e do Reino Unido.
O monitor Bodrog foi construído em 1904 nos estaleiros de Budapeste. Nos primeiros dois anos da I Guerra Mundial patrulhou os rios na Sérvia e depois operou na Romênia. No final do conflito foi levado para a foz do Danúbio para proteger, junto com outros dois navios, a retirada das tropas.
“O Bodrog foi o último navio que foi para Budapeste e o único que não chegou ao destino. Em 31 de outubro (de 1918) se chocou contra um banco de areia perto da cidade de Vinca por causa de um nevoeiro”, lembrou Gulic. As tentativas de recuperá-lo foram inúteis e ele ficou em mãos sérvias, como botim de guerra. Em 1921, rebatizado de Sava, entrou na frota do recém-criado Reino da Iugoslávia.
Durante a Segunda Guerra Mundial foi afundado duas vezes pela própria tripulação. Primeiro em 1941, para que não caísse nas mãos dos alemães; e depois em 1944, quando era operado pelo regime pró-nazista da Croácia. Entre 1952 e 1962 fez parte da marinha da Iugoslávia comunista e depois foi entregue a uma empresa estatal, mais tarde privatizada, que continua a utilizá-lo hoje como píer flutuante de exploração de cascalho.
Os pedidos para que fosse transformado em museu conseguiram que fosse declarado, em 2005, “bem cultural técnico”, o que evita que a embarcação acabe no ferro-velho. Mas fora isso pouco se fez para salvá-lo. “Se já tem essa circunstância, de ainda existir algo que afundou três vezes e sobreviveu por mais de cem anos, seria bom aproveitá-lo. É um dos dois (navios) daquela época que ainda existem”, disse Gulic.
“Ele é parte de um patrimônio mais amplo, da história sérvia e austríaca, mais ainda porque se tornou único. Deveria ser preservado, reconstruído”, declarou, à Agência Efe, Danilo Sarenac, membro do Instituto de História Contemporânea em Belgrado. “É história viva e tem potencial para o turismo. Pode se tornar uma espécie de museu, que poderia ser dedicado não só à I Guerra Mundial, mas também à tentativa da Sérvia de ter sua pequena frota,” sugeriu Sarenac.