Mulheres, homens, integrantes do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) e até mesmo peregrinas da Jornada Mundial da Juventude se manifestaram pela legalização do aborto e o Estado laico neste sábado (27) no Rio de Janeiro, no local onde católicos esperavam ver o papa Francisco.
A manifestação feminista Marcha das Vadias reuniu entre 1,5 mil e 2 mil pessoas, partindo de Copacabana para Ipanema, sentido oposto ao da passagem do pontífice em sua chegada para os eventos na orla carioca.
A professora de filosofia Ellen Souza, de 28 anos, explicou que a escolha do percurso foi proposital: “Estamos fazendo o caminho contrário ao da Igreja porque a gente busca a liberdade”.
Ellen, que tinha a frase “Papa, papa aqui” pintada no tronco, coberto apenas por um sutiã, justificou a mensagem “a Igreja diz que o corpo é um templo de Deus, mas todas somos deusas e nosso corpo, que é uma delícia, pode ser desfrutado”.
Entre as principais bandeiras dos manifestantes estava a legalização do aborto e o Estado laico. As causas inspiraram a fotógrafa Claudia Regina, de 24 anos, que marchava de peito nu.
“Coragem por 5 mil anos de opressão. Estamos aqui porque queremos um Estado laico e que mulheres tenham agência (sic) sobre suas vidas e seus corpos”, explicou.
A abrangência da marcha foi plural a respeito dos gêneros. Sob uma bandeira com as cores do arco-íris, a professora Evelyn Silva, 39, defendia que até mesmo os gays precisam se atualizar.
“O movimento LGBT hegemônico é muito masculino, então lésbicas, transexuais e travestis sofrem discriminação machista e até misoginia (aversão a mulheres) dentro do movimento”.
Rodrigo Deodoro, programador de 27 anos, que, com um vestido preto de bolinhas brancas, fazia coro às reivindicações femininas: “Acho que ser mulher é se expor a tantas coisas todos os dias, que estou dando meu apoio me expondo um pouco aqui também”.
Perguntado sobre como os homens podem ajudar no processo de libertação feminina, Rodrigo foi irônico: “pode ajudar não atrapalhando, já é uma grande ajuda”.
Ao longo do protesto, grupos realizavam performances. Em um deles, mulheres gritavam, com humor, confissões, em referência ao evento católico simultâneo: “Eu confesso que me masturbo!”, “eu confesso que já fiz um aborto por ser estuprada!”, entre outras falas de impacto.
Em outro grupo, um casal chamava atenção (e atraía câmeras da imprensa) se despindo e usando crucifixos e imagens como tapa-sexo. Perguntado sobre o que faziam, o manifestante da dupla respondeu com uma pergunta: “Resistindo, e você?”.
Mais à frente, em outro momento, um grupo quebrou imagens de santos católicos, provocando polêmica em páginas da manifestação e do grupo Mídia Ninja no Facebook. “Como que pessoas que não respeitam a religião alheia querem respeito?” questionou um internauta. “A arte utiliza os símbolos, os ressignifica, denuncia…”, respondeu outro, em defesa da ação.
Ao largo da marcha, no calçadão, muitos peregrinos da JMJ assistiam, a maioria sem interagir, à passeata. Raísse da Silva e Laleska Tersetti, ambas de 18 anos, diziam respeitar o direito à manifestação, mas questionavam algumas pautas do movimento.
“Se uma célula (animal) for encontrada em Marte, os cientistas dizem que há vida em Marte, então se houver uma célula (de um feto) dentro de mim é uma vida. Para mim, aborto é assassinato, e, se eu fosse estuprada, não tiraria o bebê”, alegou Laleska. “O Estado não ser laico não é culpa da Igreja”, completou Raísse.
O peregrino Saulo Rafael, de 24 anos, criticou o movimento: “São muito oportunistas. Quando fazem a Parada Gay, a Igreja não vai protestar dizendo que estão errados”, comparou.
Mas nem todos os participantes do evento católico eram contra a manifestação. Helen Garcia, de 20 anos, que estava com a mochila da JMJ, tinha pintada no colo, acima da blusa branca, a palavra “vadia”.
“A Igreja não é homogênea. O papa representa o setor conservador, mas há várias correntes progressistas que querem que o catolicismo abra mão de alguns dogmas e também do machismo”, disse.
Outras reivindicações surgiram durante a marcha. Entre as palavras de ordem, estavam críticas ao governador do Rio de Janeiro, como “(Sérgio) Cabral, bandido, cadê o Amarildo?”, em referência ao pedreiro da Rocinha que desapareceu após a operação “Paz Armada”, da Polícia Militar, no dia 14 de julho.
O único momento de tensão foi na Rua Francisco Otaviano, por volta das 16h30, quando um grupo de batedores da Polícia Rodoviária Federal tentava abrir caminho, de moto, contra a multidão, para uma van oficial passar.
Esta foi a 3ª edição carioca da Marcha das Vadias, um movimento internacional que correu o mundo a partir de Toronto, no Canadá, em abril de 2011.