Entre 2011 e 2012, Simone Mozzilli, 38 anos, tratou um câncer de ovário barra pesada no hospital oncológico A.C. Camargo, em São Paulo. Nos anos seguintes, quando fazia acompanhamento no hospital, ela fez pequenos grandes amigos por lá: Luiza, Carolzinha, Pedroca, Belinha, Bárbara… crianças e adolescentes que lutavam a mesma batalha que ela. Simone levava seu skate ao hospital, criava jogos, brincava de ser operada, conversava. A partir do convívio, percebeu o quanto os pequenos encaravam o tratamento de forma mais tranquila quando a maneira de falar sobre o câncer era didática, humorada e otimista.
No hospital, ela se uniu a um grupo de pais engajados e fundou com eles o instituto Beaba, visando desmistificar o câncer para crianças e familiares, tirar sua máscara carrancuda.
“O material informativo sobre o câncer se baseia muito no choque e na tristeza. Em folhetos de hospitais, você vê um monte de foto impactante, criança deprimida, gente com cara de coitado. O paciente que olha aquilo já fica desmotivado. Temos de mudar isso”, diz Simone, hoje presidente do Beaba. Ela recebeu a reportagem do Virgula na pequena sede do instituto, ao lado das cofundadoras Luiza Balboni, 8 anos, que teve leucemia, e sua mãe, Bruna Balboni, 30.
Bruna conta: “A ala oncológica costuma ser a mais triste. Você não pode receber visitas e há pouca gente para conversar com você. Há mães que têm medo de dizer a palavra ‘câncer’. A Luiza foi diagnosticada em outro hospital e, depois, se internou no A.C. Foi quando conhecemos a Simone”.
“Ela falava com as crianças na escolinha, e a Lu ficava louca. A Simone tocava o terror por lá. As enfermeiras davam bronca, expulsavam. Ficamos amigas e descobrimos que o tratamento tem seus momentos ruins, mas é muito menos dolorido se encarado de uma forma positiva. Se a criança está triste e fica na cama o dia inteiro, a alimentação cai, a imunidade cai, tudo fica pior. A Lu, outro dia, no carro, me disse que sente falta de estar no hospital. Ela brincou muito, teve qualidade de vida”.
Um dos projetos mais bacanas do instituto é a (trabalhosa) formulação da cartilha Beaba do Câncer. O livro explica, por meio de imagens fofas e textos simples e positivos (nada de foto de gente aberta ou nomes técnicos – ó a diferença nas imagens embaixo), mais de 200 termos relacionados ao tratamento do câncer. Ele será produzido por meio de financiamento coletivo (dá para colaborar neste link; a arrecadação ainda está longe da meta) e, se tudo der certo, terá uma versão em forma de aplicativo para plataformas móveis.
“Pacientes, pais, médicos e enfermeiros fizeram a cartilha juntos. Criamos um documento aberto, e cada pessoa colocou sua sugestão. Três médicos explicaram os verbetes de forma técnica, e a gente reescreveu para a linguagem adequada. Quando terminamos, a cartilha foi revisada por dois oncologistas clínicos, um fisioterapeuta, um psiquiatra, estudantes de medicina e enfermeiras. Todos deram seu pitaco”, explica Simone.
“As pessoas acham que a informação é só perfumaria, mas não é. Muitos acham que é só o tratamento que importa, quando na verdade a informação é uma parte muito importante. A pessoa diagnosticada tem uma jornada enorme pela frente e tem de saber lidar com isso. Nosso sonho, nos hospitais, é fazer com que as crianças com câncer não sejam estigmatizadas como ‘as sofredoras'”.
Simone nos contou sobre sua história com essa coisa de ajudar pessoas. Desde que tinha 18 anos, ela comemora seu aniversário em lugares onde possa fazer alguma diferença, animar pessoas. Ela já deu festa com presos em delegacia, com crianças em creche, com idosos em asilo. “Fizemos um concurso de beleza lá. As enfermeiras ficaram loucas controlando os doces e salgadinhos dos velhinhos”.
Em 2007, trabalhando como voluntária, ela conheceu a Casa Ninho, que ajuda crianças com câncer. “Eu gostei da experiência e conheci a Ana Luiza, uma menina de Manaus com câncer que estava internada no A.C. Camargo e precisava de doação de sangue. Ficamos amigas, e eu passei o período de tratamento com ela. Ela, porém, faleceu, e os pais dela começaram uma ONG para possibilitar que crianças da região Norte recebessem tratamento em São Paulo. Eles colocavam as crianças no avião e eu as recebia aqui. Foi levando essas crianças ao hospital e vendo as dificuldades delas que eu aprendi sobre a doença, mesmo antes do meu diagnóstico”.
E por que trabalhar com crianças? Simone responde: “Eu acho que tenho idade mental baixa (risos). Mas eu sempre convivi com crianças, acho que elas conversam mais. Quando estava internada, queria bater papo ou jogar carta, mas os adultos ficavam trancados em seus quartos. As crianças conversam e usam tudo o que você ensinou. Lembro da Laurinha que, quando terminou o tratamento, levou vários folders do Beaba para a escola e passou de classe em classe, ensinando as outras crianças sobre o câncer. As crianças crescem com aquilo e ensinam a não ser preconceituoso. Elas mudam o mundo”.
Dá para conhecer o trampo do Beaba no site do instituto. Por lá, dá para fazer doações também (eles precisam bastante, viu).