Embora a teoria mais difundida e aceita diga que o primeiro ser humano chegou a América há 14 mil anos pelo estreito de Bering, outros estudos afirmam que o Homo sapiens já habitava a cerca de 36 mil anos antes no território que hoje é o Brasil.

Essas controvérsias na comunidade arqueológica internacional se mantêm há duas décadas e serão reavivadas em um ciclo de conferências que a Unesco e a União Europeia (UE) patrocinarão em Brasília até novembro próximo.

O que pôde ter sido o primeiro assentamento de seres humanos na América fica no Parque Serra das Capivaras, no estado do Piauí e no meio do sertão, região na qual a falta de chuvas e água ainda hoje torna muito difícil a vida.

O parque ocupa 100.000 hectares, foi declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco em 1991 e é apadrinhado agora pela UE, que iniciou uma campanha para divulgar seus atrativos turísticos.

Além de estranhas formações rochosas erosionadas pelos fortes ventos que caracterizam essa região, essa reserva natural também esconde o que para muitos pode ser uma das chaves da história da humanidade na América.

Na década de 1970, cientistas comandados pela arqueóloga brasileira Niéde Guideon, filha de franceses e instalada na região desde então, começaram escavações que resultaram nos 737 sítios arqueológicos catalogados no parque.

No sertão já tinham sido encontrados fósseis de diversos animais extintos há 12 mil anos, como o enorme antepassado do hipopótamo conhecido como toxodonte e o tigre-dentes-de-sabre.

As primeiras descobertas na Serra das Capivaras foram de pinturas rupestres que representam animais, corpos celestes e cenas de caça, guerra e até sexo, além de cerâmicas e artefatos de pedra.

Mas as pesquisas chegaram além e identificaram restos ósseos de seres humanos com 12 mil anos de idade, comprovada em laboratórios dos Estados Unidos, Suíça e França.

Após essas primeiras descobertas, outras escavações revolucionaram as teorias sobre a chegada do ser humano à América.

Os arqueólogos acharam restos de fogueiras de cerca de 50 mil anos, o que contraria a chamada “teoria Clovis”, a qual sustenta que os primeiros seres humanos chegaram a América vindos da Sibéria através do estreito de Bering, aproveitando a baixa do nível do mar na Era Glacial, há 14 mil anos.

A uruguaia Rosa Trakalo, que trabalha com Niéde, disse à Agência Efe que a constatação que havia seres humanos no Piauí há cerca de 50 mil anos, junto com outras pistas que indicam a presença do homem no sul da Argentina há 13 mil anos e no Chile há 33 mil anos, desmontam as “certezas” da chamada “civilização Clovis”.

Para muitos cientistas, a teoria que o ser humano chegou a América através de Bering também se desfaz com o fato de que todos os principais sítios arqueológicos do continente se encontram na América do Sul.

No caso da Serra das Capivaras, quem respalda a teoria da “civilização Clovis” sustenta que os restos de fogueiras não bastam para comprovar a presença de seres humanos, pois o fogo poderia ter sido provocado por raios ou outros fenômenos naturais.

No entanto, Rosa afirmou que os estudos confirmam que essas fogueiras “foram causadas e controladas pelo homem”, pois estavam situadas em pequenas áreas muito bem delimitadas e ao redor delas havia pedras e artefatos “trabalhados por seres humanos”.

Segundo Rosa, na comunidade científica “há muitos interessados em defender que o ser humano chegou a América pelo norte”.

Para contribuir para o debate e ajudar na promoção do parque como destino turístico, a Unesco e a UE organizaram em Brasília um ciclo de conferências, no qual durante dois meses serão discutidas essas questões e se mostrará o trabalho artesanal de seus atuais habitantes.

“A arqueologia também é política”, disse à Efe o representante da Unesco no Brasil, o francês Lucien André Muñoz, destacando assim a importância de promover novos debates sobre a ainda incerta origem dos primeiros habitantes da América.


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Brasil mantém viva polêmica sobre primeiros humanos da América

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