Jovens estudantes e professores de música roubaram algumas horas de silêncio da tragédia que vive o Haiti para pôr harmonia em frente a um campo de refugiados com 120 famílias e perante as ruínas do que até há pouco mais de três semanas era uma fábrica.
Dezessete meninos cantaram hoje diante de uma multidão de tendas de campanha, transformadas em improvisado auditório da École de Musique Sainte Trinité, uma instituição apoiada pela ONG brasileira Viva Rio e pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
A ideia “é demonstrar que se pode conseguir algo lindo no meio de tudo isso”, disse o coordenador de música da OEA, Mariano Vales, promotor de um programa para juventude em risco lançado na Jamaica, Santa Lúcia e Haiti. Em sua versão haitiana a escola recrutou a Sainte Trinité, uma instituição educativa com 5 mil crianças – pelo menos 600 deles mortos no terremoto de 12 de janeiro passado.
A seção musical da instituição educativa contava com 1,8 mil crianças, das quais uma morreu esmagada pelo edifício menos de uma hora depois do fim das aulas no dia 12 de janeiro. Da escola hoje não restam mais que escombros. Alunos e professores, alguns deles membros da Orquestra Sinfônica Nacional, indicou Vales, se reuniram para tocar “pelo menos para eles”.
“Queremos demonstrar ao mundo que o Haiti revive e que é preciso começar a reconstruir. É simbólico porque é uma apresentação que atrai o recomeço das atividades, a seguir adiante”, declarou à Agência Efe Valmir Fachini, porta-voz da Viva Rio, uma ONG dedicada à prevenção da violência urbana.
Fachini reivindicou a importância que o concerto de hoje se repita em espaços maiores, inclusive no Campo de Marte, nas imediações do Palácio Nacional e onde milhares de pessoas permanecem à intempérie protegidos por trapos e lonas de plástico.
“Tudo isso é parte da reconstrução. É duro perder os entes queridos, mas é preciso recomeçar. Eu acho que toda esta gente tem a força suficiente para isso”, disse.
“Essa é a continuação da escola. Isto é para dizer ao povo que seguimos adiante”, acrescentou.
Entre as onipresentes moscas, sob um toldo verde e um público de refugiados e bombeiros brasileiros observando, jovens e professores foram sendo substituindo para tocar música de câmara e popular em um palco improvisado habilitado no pátio de uma das poucas casas que ficaram de pé nos arredores da Saline.
Um deles foi Theophile Joseph, um flautista de 33 anos que se encorajou a participar do evento motivado pela possibilidade de levar às pessoas alguns “minutos de felicidade”.
“Depois do terremoto, não queria mais tocar. Mas quando me dei conta de que a música me fazia bem, toquei a flauta durante três dias e me senti muito melhor. Depois pensei: se a mim faz bem, com certeza faz aos outros também”, explicou.
A escola quer agora voltar a se colocar em funcionamento a partir de 1º de março em um pátio limite às ruínas da escola derruída.
“Não temos psicólogos para ajudar às crianças, mas temos instrumentos para que toquem”, disse o flautista.