A usina hidrelétrica de Jirau, em construção no Rio Madeira (RO) e alvo de críticas de especialistas e da população afetada por ter grandes impactos socioambientais, conquistou mais um feito: fazer da empresa que lidera o consórcio que desenvolve a obra, o grupo GDF Suez, uma das seis empresas e organizações mais irresponsáveis do mundo em 2010, segundo premiação internacional Public Eye Awards (Olho do Público, em tradução livre para o português).
De acordo com Roland Widmer, da OSCIP Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, uma das entidades que indicaram GDF Suez pelo prêmio Public Eye, “o empreendimento está causando sérios impactos socioambientais. A eleição da GDF Suez pelo prêmio Public Eye demonstra que, cada vez mais, a sociedade civil cobra o abismo entre discurso oficial de empresas e sua atuação efetiva”.
Entre as violações de direitos humanos estão a ausência de consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas e a falta de atenção aos índios isolados que serão diretamente afetados. Pesquisadores alertam também sobre os impactos ambientais que a obra traz, entre eles estão o desmatamento e a possível extinção de espécies de peixes.
Como finalista na categoria de empresas mais irresponsáveis no mundo, a GDF Suez concorre, a partir de hoje (14), na categoria People’s Award (Prêmio do Público), na qual os internautas podem votar e escolher, até 26 de janeiro, um dia antes da divulgação da premiação final da empresa que mais desrespeita o meio ambiente e populações afetadas. A cerimônia de entrega do prêmio acontecerá em Davos, na Suíça.
Carta à Suez
Organizações brasileiras e internacionais enviaram, nesta quarta-feira (13), uma carta ao presidente do grupo, Gérard Mestrallet. O presidente da Suez na América Latina e do consórcio Energia Sustentável do Brasil , Jan Flachet e Victor Paranhos, respectivamente, também receberam o documento.
O objetivo da ação é fazer com que a empresa suspenda imediatamente as obras de Jirau e tome medidas emergenciais com relação aos impactos ambientais e sociais já criados por causa do empreendimento. “A GDF Suez e suas subsidiárias têm demonstrado uma grave falta de responsabilidade nas etapas de planejamento e construção da usina de Jirau, além de violar os direitos humanos e as normas de proteção ambiental, fatos pelos quais a empresa é responsável tanto no plano ético como no legal”, diz um trecho do documento.
Por possuir 35,6% das ações da Suez, o governo da França – por meio de seu presidente, Nicolas Sarkozy – também recebeu cópia da carta. De acordo com Jean-Patrick Razon, diretor da organização não governamental Survival International France, “é um absurdo que o governo francês esteja utilizando dinheiro público para financiar uma companhia vergonhosa, responsável por destruir o rio Madeira e uma região de enorme importância ecológica e sociocultural. Além disso, a sobrevivência de grupos indígenas isolados, que são os povos mais vulneráveis do planeta, é uma grande preocupação, pois serão expulsos de suas terras e expostos a doenças das quais eles não têm imunidade.”
Razon assinalou que a carta também foi enviada a Sarkozy “para assegurar que os problemas e ações urgentes que apontamos recebam uma resposta adequada dos níveis mais elevados de gestão da empresa”.
Assinam o documento 16 entidades e redes da sociedade civil, entre as quais Survival International, Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Amazon Watch, Movimentos dos Atingidos por Barragens – MAB, Greenpeace e o Grupo de Trabalho Amazônico – GTA. A organização France Libertés – Fondation Danielle Mitterrand, da ex-primeira dama da França, também é signatária do documento.
A usina
Jirau está sendo construída a 150 quilômetros de Porto Velho (RO), e foi planejada para ter um reservatório de 258 quilômetros quadrados e gerar 3450 megawatts de energia. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o maior financiador da obra, combinando financiamento direto com repasses pelas instituições financeiras: Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Caixa Econômica Federal, Bradesco e Itaú Unibanco.
Localizado no coração da Amazônia, o empreendimento é um dos maiores e mais caros do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que, segundo ambientalistas, torna vulnerável a biodiversidade da região, populações ribeirinhas do Brasil, Bolívia e Peru, povos indígenas isolados, e causa outros impactos socioambientais.
Ainda assim, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sob forte pressão política e contrariando a posição de sua equipe técnica, concedeu uma Licença Prévia (LP) ao empreendimento em julho de 2007.
Em maio de 2008, o consórcio Energia Sustentável do Brasil venceu o leilão de venda de energia de Jirau com deságio de 21% (R$ 71,40 por Mwh). Liderado pela GDF Suez, o consórcio anunciou logo após o leilão a mudança do local de construção da usina. O Energia Sustentável informou que reduziria os custos da construção da usina com o deslocamento das barragens em 9,2 quilômetros. O consórcio não realizou estudos de impacto ambiental para a nova localização, indo de encontro à legislação ambiental.
Ainda sob pressão política e contrariando sua equipe técnica, o Ibama concedeu uma Licença de Instalação (LI) parcial, inexistente na legislação ambiental brasileira, em novembro de 2008 e, em seguida, uma LI completa à construção da hidrelétrica em junho de 2009.
A empresa e seus parceiros no consórcio foram multados por desmatamento ilegal e atualmente são réus nas ações civis públicas ajuizadas no Brasil pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual de Rondônia e organizações da sociedade civil.