A dois dias da data-limite estabelecida pela Justiça para a saída pacífica dos não-índios da terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, produtores de arroz e famílias de agricultores brancos se dividem entre a resignação em deixar a área e a disposição, ao menos declarada, de ainda resistir ao cumprimento da determinação judicial. Em comum entre eles, apenas o sentimento de que foram penalizados indevidamente no processo que resultou na demarcação em faixa contínua da reserva, de 1,7 milhão de hectares. A decisão foi confirmada no mês passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Todos os produtores de arroz estão retirando seus pertences das fazendas que ficavam na área demarcada. Mas o fazem em ritmo distinto. O produtor Paulo César Quartiero, que protagonizou o movimento de resistência dos não-índios ao longo de todo o processo, tem duas fazendas e diz que só será possível desocupar até o dia 30 uma delas, a Fazenda Depósito, de 4,5 mil hectares.
Na outra, a Fazenda Providência, de 5 mil hectares, Quartiero alega ter 400 mil hectares plantados à espera da colheita e quase 5 mil cabeças de gado. Por isso, ele garante que estará lá normalmente no dia 1º de maio, de onde só sairá obrigado pela Polícia Federal (PF). Trezentos agentes estarão a postos para uma eventual desocupação forçada.
“O prazo [dado pela Justiça] é inexequível. Não seria a primeira vez [que teria problemas com a PF, pois já foi preso]. Vou ficar lá pelo menos para pegar um carona até Boa Vista em uma caminhonete da PF. Já me tomaram tudo. O que vão fazer agora? Isso aqui virou comédia”, afirmou Quartiero. “É minha obrigação estar lá. Não vou deixar meus funcionários sozinhos”, completou.
A esposa de Quartiero, Erecina, também reclamou do prazo definido pela Justiça. “Estão vendo que estamos saindo, mas insistem em pressionar. A gente não pode ser atropelado pela Justiça”.
Quartiero quer permanecer na reserva pelo menos até o fim de maio, para que possa colher algo em torno de 60 mil sacas e terminar de encaminhar o gado até a fazenda de um amigo. A possibilidade de deixar a plantação e o material sob a custódia provisória do governo federal, colocada pelo ministro do STF Carlos Ayres Britto, não é sequer cogitada pelo produtor.
“Se eu tirar as bombas, o arroz morre. A Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] avaliou minha plantação em R$ 900 mil, mas vale pelo menos R$ 3,5 milhões. Como vou concordar com isso?”, questionou.
O pátio da usina do Arroz Acostumado – marca de Quartiero – no Distrito Industrial de Boa Vista está lotado de máquinas agrícolas e equipamentos de irrigação retirados da Fazenda Depósito. O produtor também mandou destruir a sede e os galpões que existiam na fazenda.
“O que ficar nós vamos derrubar ou colocar fogo para colaborar com a cultura indígena. Índio não gosta de viver em palhoça?”, provocou.
Outro caso
Igualmente decepcionada com a decisão judicial, a família Barilli, dona da fábrica do Arroz Tio Ivo, adotou postura diversa. Já retiraram praticamente tudo da Fazenda Tatu, de 9 mil hectares, e estão à procura de outras áreas em Roraima onde possam retomar as plantações. O maquinário foi todo levado para um galpão alugado em Boa Vista.
“Não vamos fazer nenhuma resistência. Embora não concordemos, vamos cumprir indignados o que a lei superior determinou”, afirmou Regina, esposa do produtor Ivo Barilli.
Em relação às benfeitorias feitas na fazenda, a postura do casal também não será a mesma de Quartiero. “Não vou derrubar. Não tenho coragem de destruir algo que construímos com o nosso suor. Mas ainda acredito na justiça divina, que possa haver um revertério nessa questão”, disse Regina, emocionada.
Associação
O presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Nelson Itikawa, adotou postura semelhante à da família Barilli. A desocupação das fazendas Carnaúba e Vizeu, que juntas somam 7 mil hectares, está nas últimas providências e as benfeitorias serão mantidas. “Eu não vou derrubar, foram feitas em alvenaria. Não acho que vale a pena demolir. Pode ser que seja útil para alguém, se não será para mim mesmo”, argumentou.
O japonês, como é conhecido o produtor, já está cultivando arroz em áreas arrendadas fora da reserva indígena. Os lucros e a produtividade é que serão menores. “A área que nos tomaram tinha um solo bem mais fertilizado. Com certeza, a produtividade vai diminuir uns 20%”, disse Itikawa.
Independentemente da desocupação das áreas, os produtores de arroz buscarão na Justiça Federal o direito a indenizações maiores. Famílias de pequenos e médios agricultores brancos descontentes com as indenizações oferecidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) farão o mesmo. Algumas dessas famílias também prometem não sair pacificamente da reserva. Outras aceitaram ser realocadas em assentamentos rurais próximos da capital.