O dinheiro contado para pagar o aluguel, o pão e o leite. O computador disputado na madrugada pelo pai que está escrevendo seu primeiro livro e a filha que vai prestar vestibular. O sonho da casa própria.
São estas questões universais e típicas da classe média que conduzem o filme Praça Saens Peña, que estréia hoje em São Paulo.
Dirigido por Vinícius Reis, de A Cobra Fumou, o filme tem no elenco a primeira de suas grandes qualidades.
Reis, que já tinha vontade de trabalhar com Chico Diaz e Maria Padilha desde que viu Os Matadores, de Beto Brant, decidiu criar uma história que também fosse um desafio para a dupla.
“Sabia que eles queria fazer algo diferente. Ela sempre fazia papéis de dondocas, personagens de Shakespeare, e ele, bandidos”, conta Vinícius, que criou um casal tipicamente tijucano, honesto e trabalhador.
A segunda qualidade é o cenário do filme, a suburbana Tijuca, bairro carioca que revela um Rio de Janeiro simples e saboroso, num tom bem diferente da já bastante retratada zona sul carioca.
Paulo (Chico Diaz) é um professor que acaba de receber um convite para escrever um livro sobre o bairro da Tijuca, onde mora com a esposa Teresa (Maria Padilha) e a filha Bel (Isabela Meirelles, que estréia super bem no papel).
A proposta traz promessas de uma nova vida para toda a família, como a possibilidade de Paulo virar escritor e a compra de um novo apartamento, sonho de Teresa.
Porém, acaba gerando uma série de conflitos: o casal não dorme mais junto porque Paulo trabalha de madrugada e entre suas crises de insônia, mergulha da “Tijuca profunda”, descobrindo personagens que desvendam a alma do bairro.
Teresa, que encontra o apartamento do seus sonhos, acaba se envolvendo com o jovem proprietário do imóvel.
Bel, adolescente de personalidade forte, aparece como o termômetro da situação, temendo o fim da relação de seus pais, que sempre foi super estável.
Enquanto a história se desenrola, o espectador é convidado a descobrir o dia-a-dia da Tijuca, que apesar da onda de criminalidade ainda é um bairro familiar, onde as pessoas se conhecem pelo nome e se cumprimentam.
O passado do bairro, cereja do bolo, também ganha destaque especial.
De lá saíram Tim Maia, Jorge Ben Jor, Roberto Carlos, Tom Jobim e Aldir Blanc. É na presença deste último, inclusive, que o filme ganha ares de documentário.
Na cena em que Paulo entrevista o compositor para descobrir “o que é que a Tijuca tem”, mais especificamente.
De lá, saem pérolas como: “Na Tijuca profunda, você vai num boteco e conhece o biriteiro, o caixa anota recado de amante, etc”.
“Lá era onde a elite carioca morava e onde haviam os colégios mais caros do Rio de Janeiro, além de ser também o berço das escolas de samba”, explica Chico Diaz, que assim como Paulo, sentiu o mesmo prazer investigando a história do bairro.
Maria Padilha, que mora na Lagoa, acha que o filme não é uma história só para tijucanos: “Aquele bairro tem uma coisa de um Rio que não existe mais, meio Nelson Rodrigues em A Vida Como Ela É. Menos violência e mais solidariedade”, reflete, “Quando você fala do seu quintal você acaba falando para o mundo. Mesmo não sendo de lá, não me sinto afastada daquele universo”.