Brasil Afora, a nova turnê dos Paralamas do Sucesso, voltou a São Paulo neste último sábado, no HSBC Brasil, e mostrou aos paulistanos porque a banda recebeu o prêmio de Melhor Show do Ano no Video Music Brasil de 2009.
Mesclando canções do novo trabalho e criações obscuras com clássicos de sua carreira, o trio formado por Herbert Vianna (guitarra e voz), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) fez o público presente cantar, dançar e, ao final, esquecer que o local estava tomado de mesas e cadeiras, transformando o espaço em um verdadeiro carnaval.
Após o show, Bi estava satisfeito e disse sentir uma diferença entre a estreia da nova turnê na capital paulista, em junho, e o show deste sábado. As músicas parece que estão mais encorpadas, principalmente as do último disco, afirmou. Barone foi pelo mesmo caminho. A gente saiu do palco hoje falando isso, que está bem melhor que da outra vez. O baterista, aliás, disse que a banda pretende registrar este novo show em DVD. A gente está pensando nisso pra o ano que vem. Não temos muita coisa em mente no momento, mas a ideia é fazer algo incomum. Talvez tocar em um lugar que os Paralamas nunca se apresentaram.
Nos bastidores pós-show, Herbert Vianna tirava fotos e dava autógrafos enquanto perguntava a todos que lhe chegavam perto: Como estava o som pra vocês ali? Deu pra ouvir legal? A este repórter, o flamenguista roxo Herbert falou da ausência do atacante Adriano no jogo de seu time neste domingo, disse confiar no título e cornetou os fluminenses João Fera e João Barone.
O show
Brasil Afora tem algumas mudanças interessantes: de primeira, o que se nota é o cenário que fica atrás dos músicos, uma espécie de cortina gigante toda feita à mão e com riqueza de cores, que dá mais sentido ao nome do novo trabalho do trio e à brasilidade das canções dos Paralamas. E é com a mistura entre Salvador e Rio de Janeiro, em uma parceria do grupo com Carlinhos Brown, Sem Mais Adeus, que a banda completa abre o show além do trio, estão no palco João Fera (teclados), Bidu Cordeiro (trombone) e José Monteiro Jr. (sax tenor).
Em seguida, os Paralamas recordam Severino, o disco menos vendido do grupo, com Dos Margaritas, que logo é emendada com Pólvora, de fazer dançar até as madames mais comportadas. Na sequência, os Paralamas viajam dez anos em sua história: primeiro é O Beco, depois Ela Disse Adeus, de 1998, que consegue levantar o público ainda intimidado com o esquema de mesas nada condizente com o clima do espetáculo.
Já dizia Jorge Ben Jor: Botava o Paralamas pra tocar pra ela... Clima de romance no ar, e a banda ataca com Cuide Bem do Seu Amor, do primeiro disco pós-acidente de Herbert Vianna, e com Romance Ideal, de 1984, que brilha ainda mais com o atual arranjo destacando os teclados de João Fera. Aos poucos, o público começa a se soltar; a banda parece perceber e ataca com dois ska-samba que só eles sabem fazer: a menos conhecida Bora Bora (1988) e o sucesso Perplexo, de um ano depois.
Hora de o relógio paralâmico avançar 20 anos e apresentar mais duas canções do novo trabalho: a simpática Meu Sonho, com arranjo de metais lembrando/citando Tim Maia, e A Lhe Esperar, maior sucesso do álbum até o momento. Calibre, de 2002, faz os Paralamas voltarem ao tripé baixo-guitarra-bateria: assim como no já distante Rock in Rio, em 1985, o trio mostra um entrosamento e uma dinâmica em níveis difíceis de se atingir. Fica a dica para algumas bandas atuais.
Eles brincam com Town Called Malice, do The Jam, antes de começarem Meu Erro. É interessante ver como, de repente, o clima do show muda: todos os presentes cantam e a própria banda, que toca esta canção há 25 anos, também se contamina por essa paixão que se renova. Ao fim da música, hora de uma pequena pausa, e agora João Fera deixa os teclados e assume o violão, Herbert põe a guitarra de lado e também pega um. Bi Ribeiro assume o baixo acústico e João Barone sai de trás de sua imensa bateria para tocar, em pé, em apenas um bumbo e uma caixa.
O set acústico começa com Mormaço, a melhor música de Brasil Afora, e surpreende com o efeito da súbita e proposital queda do cenário para a chegada de outro, mais rústico, com tons de marrom. Logo os Paralamas emendam O Rio Severino, canção difícil de 1994, mas que já apontava os rumos da lama e caos que viria a marcar parte da música brasileira daquela década.
Em seguida eles tocam Caleidoscópio e Uns Dias, a primeira em versão ainda mais calma que a gravada para o Unplugged da MTV, em 1999, e a segunda com algo à la Led Zeppelin, diferente da original.
Os Paralamas, então, voltam para os seus lugares habituais, mas não aos seus hábitos. Quem apresenta a banda, dessa vez, é João Barone. O baterista brinca com todos os músicos que acompanham a banda há tempos e diz que vão tocar uma musiquinha de uma banda que a gente gosta muito. Humildes, fazem sua versão para O Vencedor, dos Los Hermanos, com o próprio João nos vocais.
Herbert retoma seu posto de cantor com A Novidade, que no arranjo atual deixaram os falsetes criados por Gilberto Gil serem um poderoso riff reggueiro de metais. Depois vem a morna Quanto ao Tempo, do novo disco, que Ivete Sangalo também gravou recentemente e Lourinha Bombril, que levanta de vez todos os presentes da casa. Alagados transforma o ambiente comportado do HSBC Brasil em carnaval de rua, com as mesas sumindo diante da invasão dos que já estavam cansados de apenas bater palmas. O show é finalizado com a agora surf music Uma Brasileira.
O público pede e os Paralamas voltam, tocando Lanterna dos Afogados. Depois, é a vez de um medley de Sonífera Ilha, dos Titãs, com Ska, de Herbert. Dois clássicos fecham a apoteótica noite: Óculos, em que Herbert dá seu recado ao gritar que em cima destas rodas também bate um coração e Vital e Sua Moto, que a banda cita Every Breath You Take, do Police.
De volta à sua viagem Brasil afora, os Paralamas terminam sua atual fase com a canção que lhes abriu as portas do sucesso e mostram que a honestidade em cima do palco ainda é mais poderosa que qualquer efeito ou feitiço, jogo de luzes ou jogo de cenas. Afinal, música é alguém tocando alguma coisa e, nessa questão, os que estão ali no palco são mestres no que fazem.