Após passar por Curitiba e Rio de Janeiro, a exposição Vertigem, da dupla de grafiteiros Os Gêmeos, chega a São Paulo com obras feitas especialmente para a ocasião. De sábado (24) a 13 de dezembro, o Museu de Arte Brasileira da FAAP recebe os grafites dos irmãos Otávio e Gustavo, que em entrevista para o Virgula falaram sobre seu repertório, a crescente aceitação da arte urbana e até sobre o controverso caso da gaúcha Carolina Pivetta – condenada por ter pichado as paredes da 28ª Bienal.

“É triste e muito injusto. Na real, foi a única coisa bacana que aconteceu nesta Bienal, que por sinal foi uma vergonha! Vergonha para o Brasil e para os artistas brasileiros por aceitarem isso, um espaço vazio”, lamentam os artistas sobre o episódio. “Na real, a ação dos pixadores foi o que levantou o Ibope deste espaço vazio, caso contrário estaria esquecido”, acreditam.

Confira a entrevista com a dupla na íntegra:

Virgula: Quando vocês começaram a grafitar, quais eram suas referências de arte?
Os Gêmeos: Nós começamos a grafitar no início dos anos 80, no bairro do Cambuci em São Paulo. Na época, nossas referências eram a cultura hip hop, mas logo fomos buscando outras influências, como a própria cultura brasileira, folk art, arte popular, nossos sonhos, Tritrez e a cidade. As viagens também influenciaram muito o nosso trabalho.

V: O que estimulava vocês?
OG: A necessidade de expressar através de nossa arte é a nossa ferramenta, nossa maneira de dizer as coisas, de dizer o que gostamos e o que não gostamos, de criticar, questionar, reivindicar, transformar. Viver, amar, familia, amor, amigos, a cidade, improviso, caos, sexo, desenhar, grafite, Deus, natureza….

V: Quem são essas figuras que vocês gostam de pintar? Qual a inspiração por trás delas?
OG: São personagens desse  nosso mundo chamado Tritrez. Mundo que vivemos dentro de nossas cabeças… Às vezes, pintamos personagens que retratam o cotidiano, situações que fazem parte de nosso dia a dia, situações com que as pessoas se identificam. Mas, na maioria das vezes, pintamos personagens de um mundo muito longe daqui – em uma outra dimensão, em equilíbrio constante com o céu alaranjado e a brisa suave do orvalho soprado dos ventos que vêm às vezes do sul; um lugar onde os vagalumes iluminam a noite, e os peixes bioluminescentes iluminam os mares.

V: Por que tantos de seus personagens têm esse tom de pele amarelado?
OG: Porque existe um céu alaranjado lá em cima por trás das nuvens cinzas…

V: De todas as intervenções que já fizeram, em trem urbano, muros, paredes de prédio, quais os pontos altos de sua carreira?
OG: Achamos que todos os momentos são especiais, mesmo aquele em que você está descobrindo, abrindo portas, conquistando, defendendo, doando… Sempre existirá um momento mágico, acho que é muito do estar bem com você mesmo. É saber que Deus preparou tanta coisa na nossa vida.

Pintar é só uma consequência disso que esta dentro de nós, essa essência sempre estará lá. É aquela coisa de você estar feliz e bem com uma simples caneta Bic e um pedaço de
papel.

Nós já fizemos muitos projetos maravilhosos, adoramos todos. Todos têm seu momento de êxtase, de equilíbrio. Podemos citar os últimos três (Tritrez), que acho que foram muito importantes para nós: tour com Slava Polunin, no Haway; Burning Man 2009 e o encontro com Mark Bode.

V: Vocês acham que a arte urbana perde um pouco da graça numa galeria de arte tradicional?
OG: Como diz o nome, a arte urbana “grafite” deve estar na rua. O que fazemos nas galerias não é grafite.

V: O grafite/arte de rua virou a cara de São Paulo? Vocês acham que as autoridades de SP hoje entendem o grafite e o apoiam como se deveria?
OG: O grafite em São Paulo sempre foi visto como arte pela sociedade, até mesmo na época do Jânio Quadros, que odiava grafite. Muita coisa mudou, a cidade, seus “filhos” mudaram, as manias e improvisos da cidade mudaram, as leis, a desorganização. O grafite resiste há mais de 20 anos, mesmo mudando a prefeitura de quatro em quatro anos, sempre esteve vivo e lutando para sobreviver mais um dia na rua…

A atual prefeitura vem reconhecendo que esta arte faz parte de nossa cidade, é internacionalmente reconhecida e que devemos preservá-la, é uma luta muito grande, nós, Os Gêmeos, já tivemos várias reuniões com eles para tentar preservar os grafites que estão na rua, e eles sempre nos receberam de portas abertas. Mas, às vezes, quando estamos quase conseguindo parar o tal “caminhão do cinza”, acontece alguma coisa e eles são obrigados a irem lá e apagar de novo. É triste. Mas existem pessoas boas e muito inteligentes dentro da atual Prefeitura que deram o devido valor a esta arte e que passaram a respeitá-la e preservá-la.

V: Existe algum traço comum que vocês identificam na arte urbana de SP, quando comparada à arte urbana de outras cidades?
OG: Sim, quase tudo. Desde o estilo (desenho) às formas de pintar, técnicas, leis…

V: Que acham da condenação de quatro anos de detenção dada à “pichadora da Bienal”, Carolina Pivetta?
OG: Muito Brasil isso, né? É triste e muito injusto. Na real, foi a única coisa bacana que aconteceu nessa Bienal, que por sinal foi uma vergonha! Vergonha para o Brasil e para os artistas brasileiros que aceitarem isso, um espaço vazio. Como alguém que – só pode ser “alguém” – deixa um espaço inteiro vazio e chama isso de arte? Na real, a ação dos pixadores foi o que levantou o Ibope deste espaço vazio, caso contrário estaria esquecido.

Com tantos artistas bons, como pode alguém aceitar uma proposta como essa da Bienal? Cadê a criatividade? Cadê o talento? Conceitos são portadores de significados, que significado foi esse então? Está tudo errado!

V: O brasileiro entende melhor o grafite hoje em dia?
OG: Sempre entendeu, mas hoje tem mais foco por conta de suas conquistas e reconhecimentos internacionais.

V: Um gêmeo poderia descrever o outro para a gente?
OG: Um gêmeo é o outro gêmeo e vice e versa.

V: Como a arte brasileira (arte de rua) é vista lá fora? Digo arte brasileira feita por brasileiros e ainda com reflexões da cultura social brasileira.
OG: Eles [os gringos] são bem críticos em relação a isso, pois estão há mais de 30 anos expondo arte de rua. Porém, para se conseguir um lugar neste mundo, tem que ser bom, ter conteúdo, estilo, ser diferente. Lá fora tudo se descarta muito rápido. Para permanecer, tem que realmente ser bom. Mas de um modo geral é muito bem visto e aceito.

Serviço
Vertigem – Os Gêmeos
Onde: Museu da Arte Brasileira. R. Alagoas, 903 – Higienópolis
Quando: De 24 de outubro a 13 de dezembro
Quanto: Grátis

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