No início deste ano, o mundo da música teve uma surpresa daquelas ao perceber que o centenário do maior poeta da história do samba paulista, Adoniran Barbosa, a ser completado no próximo mês de agosto, não será tema do enredo de nenhuma das escolas que disputam o Grupo Especial de São Paulo no Carnaval 2010.
Como vários músicos, pesquisadores e estudiosos da história da MPB, o Virgula Música também ficou indignado com o desprezo dos sambistas paulistas em relação a João Rubinato (seu nome original), compositor de clássicos como Trem das Onze, Samba do Arnesto e Tiro ao Álvaro e responsável por colocar a capital paulista no
mapa do samba no Brasil.
Para o jornalista Celso de Campos Jr., autor da biografia oficial do artista, Adoniran: Uma Biografia (Editora Globo), a ausência de sua história no Carnaval 2010 é revoltante, mas tem suas razões – comerciais, principalmente.
“A gente sabe que tem muita coisa em jogo no Carnaval de hoje em dia: dinheiro, questões sérias de patrocínio”, comenta. “Mesmo assim, eu esperava que uma escola colocasse esse tema na avenida. Parece que algumas vão ter trechos de seus desfiles dedicados a ele, mas não é nada confirmado. Pelo menos, o sambódromo de São Paulo se chama Adoniran Barbosa (risos).”
O fato é ainda mais bizarro quando se sabe que o sambista viveu o maior momento de sua carreira como músico
exatamente em um Carnaval, há exatos 45 anos.
“Adoniran era multimídia bem antes da palavra ser inventada. Ele foi comediante
de rádio, fez novela, circo e muito mais. Mas sua carreira foi
catapultada de vez quando Trem das Onze venceu o Carnaval do Rio
de Janeiro em 1965. Depois disso, seu nome passou a ser um
nome forte no País todo. O momento não poderia ser mais importante,
afinal era o Carnaval do quarto centenário da cidade do Rio”, explicou
o jornalista.
Redescoberta
Apesar desse esquecimento, proposital ou não, Celso acredita que os cem anos do sambista não estão passando batido. Pelo contrário. “Neste ano, está havendo uma redescoberta da obra dele, que continua atual como poucas. O samba Guenta Mão João, por exemplo, fala de enchente, de barracão que foi abaixo, enfim… É muito atual e feito com a maestria que só ele tinha”, afirma.
No ano de seu centenário, Adoniran é tema de novos vários projetos relacionados à sua vida e sua obra: um deles, o relançamento de sua biografia oficial (clique aqui para ler um capítulo), lançada em 2004 e que voltará às livrarias em versão ampliada ainda neste ano.
“O livro ganhou, por exemplo, a reprodução dos scripts do programa História da Maloca. O show era uma comédia, em que o Adoniran
fazia o papel do Charutinho”, explica o autor. “O programa marcou a
historia do rádio paulista e os textos são muito engraçados. Mais do
que isso, são documentos da era do rádio, um material legal e inédito
que pertence ao acervo do Adoniran.”
Casa Adoniran
Celso também está à frente da criação da Casa Adoniran Barbosa, um museu que será dedicado ao acervo histórico e pessoal do mito do samba. Lá estarão seus objetos do cotidiano, partituras e filmes, tudo disponível para satisfazer de pesquisadores, fãs e curiosos em geral.
“O acervo dele estava no MIS (Museu da Imagem e do Som), mas a família acabou pegando tudo de volta para investir na criação desse espaço. Esse material foi guardado pela Matilde, segunda esposa do Adoniran, que reuniu scripts, fotos, partituras, discos… Muita coisa”.
De acordo com o jornalista, o projeto ainda não tem fase de conclusão e está na fase de captação de patrocínio. “A ideia é fazer um centro de pesquisa fixo e talvez criar uma exposição itinerante de algumas peças do acervo”, conclui.
No ano de seu centenário, Adoniran ainda vai ganhar um site oficial, um CD com regravações feitas por artistas do calibre de Zélia Duncan, Arnaldo Antunes, Beth Carvalho e Wanderléa, um almanaque e uma minissérie a ser veiculada na TV Globo.
Cinco coisas que você precisa saber sobre Adoniran Barbosa
– Nasceu na cidade de Valinhos, no interior de São Paulo, no dia 6 de agosto de 1910;
– Além de cantar e compor, Adoniran foi comediante no rádio e na TV, criando personagens lendários como Charutinho;
– Adoniran adorava contar histórias e vez ou outra inventava mentiras sobre si e sobre suas músicas. Em algumas oportunidades, contou até que nasceu em 1912, mas preferia dizer que era de 1910 por ser o ano de fundação do Corinthians;
– Ganhou espaço nas rádios paulistas após cantar ao vivo uma versão de Filosofia, do mestre Noel Rosa, em um programa de calouros;
– Adoniran morreu em sua casa, na cidade de São Paulo, em 1982, aos 72 anos de idade.