Salvador é banhada por uma baía de todos os santos, encantos e axés. Cidade de 365 igrejas, apesar de ninguém nunca ter conhecido alguém que contou, e talvez tenha o mesmo número de terreiros de candomblé.
De acarajé e dendê, mas também do pãozinho delícia, carne de sol com purê de aipim, suco de umbu, picolé capelinha, sarapatel e caldo de sururu. De *sinaleira, passadeira, mulequeira, do “men”, do “rei”, de ser “massa”, do “cumê água”, “bater baba”, do pão cassetinho e da letra E, aberta como se existissem milhões de acentos agudos nela!
A cidade completa hoje 461 anos. Foi a primeira capital do Brasil e atualmente é a 3ª maior do país. Cresceu muito para provar que baiano não é preguiçoso como dizem por aí. Cresceu sem a estrutura necessária para isso. É grande e ainda provinciana. Não oferece bons salários, boa profissionalização ou boas condições de trabalho para desaparecer com a afirmação “a prestação de serviço é muito ruim”. É sim. Mas em outras cidades, inclusive nas duas maiores do país, acontecem também (em maiores ou menores proporções, claro).
A falta de educação no trânsito assusta; a falta de educação nas ruas que muitas vezes cheiram a urina incomoda; a falta de dinamismo e a filosofia de “tudo se ajeita no final” irrita. Não negarei nenhum desses grandes defeitos.
Mas apesar de tudo, Salvador provoca paixões arrebatadoras em quem a visita pela primeira vez. E uma saudade imensa em quem sai de lá. Ela é musical, mas não só das músicas que todo mundo costuma ouvir no carnaval. Lá tem jazz no pôr-do-sol, tem afoxé nas escadas da igreja, tem rock no rio que é vermelho, tem salsa, rap, mpb, heavy metal, sinfonias e até uma guitarra que é baiana.
É bonita vista da Ilha de Itaparica, do Porto da Barra, da Ponta de Humaitá, do Santo Antônio além do Carmo, da Ribeira, de onde é alta, de onde é baixa, de onde a alta se encontra com a baixa e vira uma coisa só.
E o sorriso largo e o acolhimento soteropolitano também merecem respeito. Existe carinho, cuidado e vontade de ajudar, de conversar, de hospedar e mostrar o que é que a Bahia tem para quem nunca esteve lá. Existe uma proximidade fácil que, para quem viveu a vida inteira na cidade, passa desapercebida mas é gritantemente sentida para quem cruza sua fronteira.
Em Salvador existe um artista em cada esquina, só para comprovar a máxima de que “baiano não nasce, estreia”. E tem capoeira, poesia, artesanato, teatro, mímica e canção. A cidade é preta, com a maior população negra fora da África, e não nega a herança pela culinária, feições, palavras e expressões.
A aniversariante de hoje é multicolorida; uma jovem senhora cheia de charme, malícia e cheiro de mar, que provoca sentimentos intensos e opostos em quem se aproxima.
Um dica soteropolitana de quem sabe o que está falando com conhecimento de causa e coração apertado pela distância: Vale a pena conhecê-la.
* Dicionário de “soteropolitanês”:
– sinaleira = semáforo, sinal de trânsito
– passadeira = arco, tiara de cabelo
– mulequeira = bagunça, sacanagem
– men e rei = cara, mano, meu (para os paulistanos)
– massa = bacana, legal
– cumê água = encher a cara
– bater baba = jogar bola, pelada
– pão cassetinho = pão de sal
Paloma Guedes é soteropolitana e mora há dois anos em São Paulo.