O que acontece quando se juntam três diretores que estão entre os mais criativos do mundo? Uma obra-prima? É o que se espera. Tokyo!, a coletânea de médias-metragens, assinada por Michel Gondry (Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças), Leos Carax (Os Amantes de Pont Neuf) e Bong Joon-Ho (O Hospedeiro), não chega a esse status, mas é competente na abordagem do seu objeto: traçar um perfil da caótica cidade das luzes.
Tokyo!, que passou na 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e dividiu a opinião dos cinéfilos, estreia nesta sexta-feira, dia 13, nos cinemas do Brasil.
O clima de cinema fantástico dos três episódios logo de cara nos remete aos antigos – e ótimos – Contos da Cripta (1989|1996) e é apresentado no formato similar ao Contos de Nova York (1989), do célebre Woody Allen: três histórias sobre um mesmo tema, ou melhor, um mesmo local. O objetivo é mostrar como a rotina da cidade expressa influencia na vida das pessoas, no trabalho e nos relacionamentos.
Como dificilmente nessas compilações todas as abordagens são boas e bem construídas, sempre algum se sobressai e ganha a preferência do público. No filme, é o caso de Bong Joon-Ho, que esteve com outro filme na Mostra de São Paulo, o elogiado Mother.
O segmento de Michel Gondry é facilmente identificado, mesmo se seu nome não fosse anunciado antes da exibição: é a imaginação solta e fofa do cineasta francês. Já Carax, longe da direção há exatos 10 anos, faz o episódio mais forte, violento e até irônico de Tóquio – no mínimo estranho, já que o filme foi idealizado por produtores japoneses.
Interior Design, de Michel Gondry
Gondry já provou que pode ser cruel e fofo, com seus ótimos Brilho Eterno e Rebobine, Por Favor. Aqui, no média, mostra sua face mais recente: conta a história de um casal, Hiroko e Akira – interpretados por Ayako Fujitani, filha de Steven Seagal, e Ryo Kase – que se mudam para Tóquio em busca da realização dos sonhos – ele de ser cineasta e ela de ser…alguma coisa.
Como costuma fazer, o diretor segue, com a câmera no ombro, seus personagens. Ele mostra a dificuldade que têm em achar lugar para morar, um trabalho digno e alguma estabilidade. É nesse ínterim, que a moça, desiludida com a “falta de talento”, descobre que pode mudar sua forma humana. Não vale contar, aqui, mais detalhes, como têm feito outros críticos, e estragar a surpresa do espectador e a moral da história.
Fofo e divertido, o segmento só perde um pouco do seu valor por ser uma adaptação da HQ Cecil and Jordan in New York, de Gabrielle Bell. Já estamos tão acostumados aos roteiros (super) originais de Gondry, que a adaptação soa desinteressante.
Merde, de Leos Carax
Se o início da coletânea é singelo, o diretor Leos Carax, também francês, abusa da violência – física e psicológica – e do humor negro na segunda parte. Nela, um excêntrico homem (interpretado pelo ótimo Denis Lavant), meio humano, meio monstro, sai dos esgotos para apavorar as pessoas nas ruas de Tóquio. De tão bizarro, o ser parece o personagem perturbado e perturbador do videoclipe Rabbit in Your Headlights, do UNKLE.
Depois de alguns ataques, um deles com granada – sequência incrível – o estranho sujeito é preso e vai a julgamento. A defesa fica por conta do advogado francês (Jean-François Balmer), o único que entende o dialeto peculiar da criatura.
A narrativa é cheia de referências à cultura pop do Japão – o estranho homem é como um Godzilla, que aparece para causar pânico nos cidadãos japoneses – e afiado no humor negro, já que o Sr.Merde come dinheiro e se alimenta do tipo de flor que representa a família imperial japonesa, além de explorar a obsessão que o povo tem pela tecnologia da imagem – vemos vários momentos do filme por câmeras de celular, das ruas e pela televisão.
A ironia não termina aí: até fazer pouco da aparência dos japoneses a criatura faz. De tão pesado, chega a ser desconcertante. Durante a sessão da Mostra de Cinema de São Paulo houve um desconforto por parte dos espectadores.
Shaking Tokyo, de Bong Joon-Ho
Coincidência ou não, o melhor foi reservado para o final. O segmento de Bong Joon-Ho é tão lírico, intrigante e sensível, que vale toda a aventura fantástica até aqui.
A começar pelo assunto delicado: aborda um dia na vida de um Hikikomori (Teruyuki Kagawa, o pai de Sonata de Tóquio), nome dado em japonês aos que se isolam em casa por vários anos. A prática anti-social é uma das coisas mais intrigantes e cada vez mais recorrente em Tóquio.
Em Shaking Tokyo, depois de 10 anos recluso, o eremita entra em contato, sem querer, com a entregadora de pizza – da mesma empresa que compra por todos esses anos via telefone. O que o hikikomori não esperava era se apaixonar perdidamente, ao ponto de enfrentar uma saída à rua para encontrá-la.
Três peculiaridade conferem a moça um ar especial, misterioso: após desmaiar, ela, de cinta-liga – um fetiche comum dos japoneses – deixa à mostra tatuagens de botões com palavras como amor, tristeza, coma. A interação do personagem com esse “universo” vai trazer belas cenas ao espectador.
O segmento do sul-coreano é a prova de que o cinema oriental está entre os mais criativos e poéticos da atualidade.