O Arquivo Nacional da Memória da Argentina recebeu na última terça-fera as denúncias sobre os desaparecidos argentinos no Brasil durante os anos 1970, que foram reunidas pela organização ecumênica Clamor, que atua em defesa dos direitos humanos.
Fundada em 1977, a entidade atua na América Latina, com o apoio do arcebispo metropolitano da Diocese de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns.
Os depoimentos e denúncias de refugiados e familiares dos perseguidos políticos do continente — a maioria proveniente de Argentina, Chile e Uruguai — foram coletados por Zilda Arns, irmã do religioso.
A documentação — cedida pelo Arcebispado de São Paulo e entregue ao Arquivo Nacional da Memória pela defensora pública da cidade autônoma de Buenos Aires, Alice Pierini — contém relatos de familiares, sacerdotes e órgãos de direitos humanos, que começaram a ser registrados no começo de 1977 e que permaneciam arquivados sob a guarda do arcebispado paulista.
Pierini pediu ao Arcebispado de Buenos Aires que intercedesse para a recuperação destes arquivos, que contêm correspondências, notas e fotos, entre outros documentos sobre os exilados e desaparecidos argentinos.
“Eu ainda não sei o grau de importância, quais são os trechos de verdades que esta documentação pode conter, porém ainda que não sejam as grandes verdades que nós sempre buscamos, acredito que, se é relativo a esta etapa tão obscura de nossa história, deve estar em nosso país, em nosso Arquivo Nacional do Estado”, explicou.
Por sua parte, o presidente do Arquivo Nacional da Memória argentino, Ramón Torres Molina, destacou a importância simbólica do material enviado por Dom Paulo Evaristo Arns, que enviou cópias gravadas em cinco CDs. Os originais continuam arquivados.
Torres Molina lembrou que “nos primeiros anos depois da ditadura, quando se tentava aprofundar os julgamentos por violação aos direitos humanos, os documentos do Clamor eram mitológicos porque estavam entre as primeiras denúncias feitas sobre a repressão em nosso país”.
Além do Clamor, na sede da Cúria de São Paulo também funciona o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), por isso, foi neste local em que foram realizadas as primeiras listas de desaparecidos.
Arns, que é cardeal arcebispo-emérito de São Paulo, chegou a entregar a documentação ao papa João Paulo II, o que gerou queixas por parte da Argentina pela intromissão de outro país nos assuntos internos.
“Com certeza estes documentos vão completar as informações para ajudar nos julgamentos que estão em andamento, mas também vão colaborar com a verdade e a justiça como documentos históricos”, acrescentou Torres Molina.
O secretário-executivo do Arquivo Nacional da Memória, Carlos Lafforgue, destacou que “estas denúncias e estas listas foram realizadas durante a ditadura brasileira, o que aumenta o seu valor histórico”.
Segundo organizações civis, durante a ditadura argentina (1976-1983) desapareceram 30 mil pessoas.